"O Brasil precisa se transformar em uma Nação Esportiva"
Confira artigo do Presidente do COB, Marco La Porta
Marco La Porta, presidente do COB. Foto: Rafael Bello/COB
Antes de ser potência olímpica, o Brasil precisa ser uma nação esportiva. Este é o exemplo que os países desenvolvidos nos dão ano após ano, mas que fica muito evidente nos Jogos Olímpicos. Eles investem alto no esporte, atrelando ele a educação, saúde e cultura. São iniciativas enraizadas na sociedade, que já foram colocadas a prova e mostraram sua eficiência. Em todos eles, sem exceção. E nós sabemos disso. Em todos os estudos disponíveis, para cada real investido no esporte o retorno é algumas vezes maior, seja reduzindo gastos futuros na saúde pública, na segurança pública e na educação. Num momento em que se coloca em xeque a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), num projeto que prevê contenção de gastos, caso as contas públicas não estejam equacionadas, isso me parece contraditório. O esporte devolve sempre, até para os cofres públicos.
Como presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) nos próximos quatro anos, terei, ao lado de toda minha diretoria e conselheiros, como uma das missões mais importantes lutar pela ampliação da base de praticantes esportivos no Brasil. Apesar de ser responsável pelo alto rendimento, o COB precisa olhar mais para a formação desses ídolos e contribuir mais de perto com toda essa engrenagem, que só funciona hoje em dia com o apoio indiscutível e fundamental da LIE. De 2007, quando a mesma foi implementada, para cá, é avassaladora a mudança no cenário esportivo brasileiro. Mais que isso, a função educacional e social dos projetos apoiados pela LIE não dá pra ser mensurada de tão importante. Afinal, formar cidadãos com os valores do esporte não tem preço.
Toda minha tristeza e apreensão ao ver o esporte sofrer derrotas na câmara e no senado, em votações que poderiam garantir a segurança da LIE diante de um possível cortes de gastos, se transforma em esperança quando vejo a atuação de uma bancada muito obstinada, que defende o movimento esportivo brasileiro com todas as forças. Não poderia ser diferente com quem veio do esporte. As derrotas nos alavancam, elas nos ensinam para voltar lá e buscar a vitória.
Todo esse movimento de apoio ao esporte, que saiu do plenário para as redes sociais, numa união muito bonita, que há tempos não víamos, não será em vão. Já existem projetos e ideias, tanto na câmara quanto no senado, que buscam garantir o funcionamento permanente da Lei de Incentivo ao Esporte. Não como um mecanismo apenas, mas como política de estado, que é o que realmente ela é, e onde fará a diferença para um melhor desenvolvimento de nosso país.
Só para demonstrar com números, estudos da Unesco indicam que programas de esporte nas escolas podem reduzir a evasão escolar em até 20%, e trazer uma economia de até 3 reais por real investido. Mais que isso, a instituição diz que áreas que contam com programas de apoio ao esporte para crianças e adolescentes, observa-se uma queda de até 30% nos índices de criminalidade*. (Relatório Esporte como Instrumento de Redução da Criminalidade). O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) também possui estudos que indicam a diminuição de até 10% nos incidentes de violência juvenil em regiões atendidas por programas esportivos.
O próprio Ministério da Saúde, através de seu Guia de atividade Física para a população brasileira, de 2021, “reforça que políticas públicas de incentivo ao esporte podem reduzir até 30% o risco de doenças crônicas, ao promover hábitos mais ativos desde a infância”. Em seus relatórios, o Banco Mundial estima que “cada R$ 1 investido em políticas de incentivo a atividades físicas possa economizar de 2 a 4 vezes esse valor em gastos com doenças crônicas ao longo do tempo”.
A questão é que ainda investimos pouco. Um levantamento recente feito pelo Instituto de Pesquisas Inteligência Esportiva, da Universidade Federal do Paraná, aponta que apenas 0,02% do orçamento federal é investido no esporte. Nos estados, essa média “sobe” para 0,2% e nos municípios para 0,9% - podendo chegar a 2% nas cidades mais ativas. E números tão baixos só reforçam a necessidade de uma ferramenta complementar para que se faça esporte no Brasil.
Para o alto rendimento, para a formação de novos campeões, contamos muito com a Lei de Incentivo ao Esporte. Temos como premissa ser mais presentes na ampliação da base da pirâmide de praticantes, ouvindo e apoiando da forma que for possível quem realmente faz o esporte em nosso país. No entanto, apesar de toda abnegação desses profissionais que hoje já militam nesse cenário, e também da dedicação e envolvimento do time COB neste processo, não há como não contar com a LIE.
Nós queremos ser o braço técnico, que leva conhecimento e treinamento aos quatro cantos do país, que buscará contribuir na melhora da estrutura física dos CTs já existentes, e eventualmente colaborar na criação de novos espaços. O COB fará a sua parte e estará cada vez mais presente, mas a sociedade precisa entender que o esporte não é só ganhar medalhas, colocar a bola dentro do gol. Ele promove uma transformação real, onde os títulos e pódios se tornam até secundários. Os ídolos seguirão sendo o maior patrimônio do Comitê Olímpico do Brasil. Mas para termos mais campeões como Rebeca Andrade, Isaquias Queiroz, Rafaela Silva, Alison dos Santos e Roberta Ratzke, contamos com a permanência e ampliação da LIE. Todos esses nossos medalhistas e campeões olímpicos foram beneficiados pela Lei em algum momento de suas carreiras. São pequenos exemplos dentro da realidade olímpica brasileira. Como digo sempre, o altíssimo rendimento é a exceção. (Bem) Menos de 0,1% dos atletas conseguem se tornar olímpicos, e o grande legado esportivo está justamente nos outros 99,99%. Estes se formam cidadãos através do esporte e levarão adiante essa onda de transformação para suas comunidades.