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Adhemar Ferreira da Silva

Adhemar Ferreira da Silva

modalidade

Atletismo

data e local de nascimento

29/09/1927

São Paulo

BIOGRAFIA


“Eu juntei o meu material e fui deixando a pista. Uma coisa me chamou atenção, uma salva de palmas ensurdecedora. À medida que eu ia deixando o estádio, as palmas iam aumentando. Aí, rapidamente, fiz uma retrospectiva da minha vida e concluí que aqueles que estavam aplaudindo eram os que me conheceram em Londres, que me aplaudiram em Helsinque, na Finlândia. Voltaram a me aplaudir em Melbourne. Estavam me aplaudindo, desejando um feliz fim de carreira”, relembrou Adhemar Ferreira em entrevista ao Museu da Pessoa. 

Assim Adhemar Ferreira da Silva, um dos maiores atletas da história esportiva brasileira, descreveu sua despedida dos Jogos Olímpicos, com o público que lotava o Estádio Olímpico de Roma de pé, reverenciando um dos maiores nomes do esporte mundial. Adhemar encerrava nos Jogos de 1960 sua carreira olímpica, com duas medalhas de ouro consecutivas, o primeiro brasileiro bicampeão olímpico. O feito, dois ouros seguidos em uma modalidade individual, foi igualado somente em Tóquio 2020 pela velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze.

A estreia de Adhemar em Jogos Olímpicos havia acontecido 12 anos antes, em Londres 1948, pouco menos de um ano após o seu início no salto triplo. A grandiosidade do evento o deixou impressionado, o que acabou interferindo no seu rendimento. Ficou em oitavo lugar, com 14,49 metros.

“Realmente, eu não estava preparado. Era a minha primeira grande competição internacional, primeira grande viagem. Eu estava começando por onde, geralmente, os atletas terminavam: participar dos Jogos Olímpicos”, lembrou o bicampeão numa entrevista que compõe o documentário ‘O Salto de Adhemar’, e completou dizendo não ter feito “absolutamente nada naquele estádio de Wembley completamente lotado”.

Ele revelou que corria, fazia o salto e voltava a olhar para o público, maravilhado. 


Paixão pelo futebol

Adhemar nasceu no dia 29 de setembro de 1927 num bairro pobre da zona norte de São Paulo. O pai, Antônio, era carregador de sacos na Estrada de Ferro Sorocabana e a mãe, Augusta, empregada doméstica. Ambos sempre incentivaram o filho a estudar. 
  
Católico praticante, após as missas de domingo jogava futebol no Centro Esportivo Centenário, na Casa Verde, clube de várzea fundado por um grupo da Congregação Mariana, com o nome de Cruz Azul. Mas, diferentemente da maioria dos garotos da época, que passavam as tardes na rua, jogando bola, o menino dos Ferreira da Silva, desde os cinco anos, tinha outras obrigações além de estudar. Ele precisava cuidar da casa enquanto os pais trabalhavam e ajudar a carregar as trouxas de roupa que a mãe “lavava para fora”, a fim de reforçar o orçamento familiar. 

Quero ser atleta, achei a palavra bonita!

Formado em escultura no curso de Belas Artes da Escola de Aprendizes Artífices, atual Escola Técnica Federal, Adhemar trabalhou lá depois de formado. Durante dois anos, ganhou a vida fazendo bustos de bronze para as fábricas Matarazzo. Graças à ajuda da madrinha e patroa da mãe, dona Emengarda Pedroso do Amaral, fez cursos de datilografia, taquigrafia e correspondência. 

Ele já trabalhava num escritório no Centro de São Paulo e conversava com o amigo José Masucatto numa esquina da Avenida São João. Foi então que Benedito Ribeiro passou pelos dois e cumprimentou José. O porte atlético e a elegância do rapaz negro chamaram a atenção de Adhemar, que quis saber o que ele fazia da vida e descobriu que Benedito era atleta do São Paulo Futebol Clube. Curioso, o futuro bicampeão olímpico quis saber o que era o atletismo. 

“Eu achei a palavra atleta bonita e disse a ele que eu gostaria de ser atleta também”, declarou. 

Masucatto, que era fundista, o levou para o São Paulo e o apresentou aos treinadores já no domingo seguinte. O futebol tinha acabado de perder um jogador. 

Em outro acaso, o salto triplo

Aceito como atleta do clube, que naquela época tinha sua sede no Canindé, onde hoje é a Associação Portuguesa de Desportos, Adhemar treinava com seriedade, aos sábados e domingos. Fez provas de longa e curta distância, salto em altura e em distância, arremesso do disco, dardo, peso, mas sem alcançar resultados expressivos. 

O encontro com  a prova que o levaria à glória aconteceu na noite em que decidiu ir ao São Paulo, depois do trabalho. Lá viu Ewald Gomes da Silva treinando salto triplo, uma prática até então desconhecida para ele. Interessou-se, quis saber como se fazia e, mesmo sem entender direito, foi lá e fez. Diante da performance, Ewald apressou-se a chamar o técnico alemão Dietrich Ulrich Gerner, que mais tarde se tornaria seu melhor amigo, um “verdadeiro pai”, nas palavras do próprio Adhemar. 

Sob os olhos do técnico, ele saltou 12,84m e foi imediatamente escalado para defender o São Paulo num torneio amistoso com o Clube Floresta, atual Espéria, três dias depois. Adhemar competiu e venceu, marcando 13,50 m. A partir daí, seguiu participando de uma série de competições e batendo os recordes da sua categoria em todas.

Talento nato

“O talento de Adhemar Ferreira da Silva foi único. Lembrando que só é considerado talento quem, ao surgir, demonstra superioridade diante de seus pares e que transforma essa superioridade em resultados e títulos na categoria principal. Mais alto do que a média da população na época, era rápido, muito forte, coordenado, com excelente sentido rítmico e muita facilidade em aprender”, analisa o professor Neilton Afano Moura, técnico olímpico nas edições de 2008, 2012 e 2016. 

Adhemar tinha apenas três meses de prática no salto triplo quando se sagrou campeão paulista pela primeira vez, com 14,77m. Para se classificar para os Jogos Olímpicos Londres 1948, ele tinha que melhorar sua marca em três centímetros para chegar no índice de 14,80m. Carimbou o passaporte com 15,03m logo na primeira tentativa.

“Em 1949, em uma competição que visava à quebra de recorde paulista, Adhemar cravou 15,51m na primeira tentativa do salto, batendo os recordes paulista, brasileiro e sul-americano. Só então, Gerner, que o considerara meio desengonçado, se rendeu ao talento de Adhemar e passou a treiná-lo com atenção especial. A seguinte frase marcou o início dessa parceria: ‘Bom, Adhemar, já vi que você leva jeito para a coisa. Agora, vamos começar a treinar’”, relata Tânia Mara Sivier no livro ‘Herói Por Nós – Adhemar Ferreira da Silva, o ouro negro do Brasil’.

Com o início dessa parceria com Gerner, a carreira deslanchou.

Revolucionando o salto triplo

O técnico Neilton Moura conta que a prova do salto triplo era dominada pelos japoneses, vencedores de três Jogos Olímpicos com três atletas diferentes. Eles possuíam o recordista mundial quando, em 1948, Adhemar surgiu para o mundo, disputando sua primeira edição olímpica, em Londres, no pós-guerra (Japão, Itália e Alemanha foram proibidos de participar). Adhemar saltou 14,49m e terminou em oitavo lugar. Outros dois brasileiros também participaram da prova, Geraldo de Oliveira, quinto colocado com 14,82m, e Hélio Coutinho da Silva, décimo-primeiro com 14,31m.

“Nos anos seguintes, Adhemar melhorou muito e quebrou o recorde mundial”, observa Neilton.

Nosso bicampeão olímpico é considerado um dos melhores triplistas de todos os tempos por seu amplo domínio durante a década de 1950 e pela contribuição que deu ao desenvolvimento da técnica do salto triplo.

“Ainda antes de Adhemar surgir, já se falava que a segunda fase do salto triplo (chamado em inglês de step) não deveria ser apenas uma transição entre a primeira (hop) e a terceira (jump), mas um salto propriamente dito. No entanto, no mais alto nível de rendimento, ele foi o primeiro a conseguir produzir um step longo (30% da distância total), sem prejuízo do jump. De acordo com a classificação moderna das técnicas do salto triplo, ele foi o primeiro a bater um recorde do mundo com a chamada ‘Técnica Equilibrada’, estabelecendo um padrão de distribuição (35% - 30% - 35%) a partir do qual se desenvolveram as demais possibilidades”, ensinam os técnicos olímpicos Nélio e Tânia Moura, especialistas em saltos horizontais.

Recordes e mais recordes

Adhemar treinava pela manhã, antes de ir ao trabalho, ou na hora do almoço, pois estudava à noite. Mesmo assim, passou a ocupar o primeiro lugar do ranking da Federação Internacional de Atletismo, com 15,51m fez o melhor salto do ano de 1949 e quebrou o recorde sul-americano. A marca anterior, 15,42m, pertencia ao argentino Luís Ángel Brunetto desde 1924. Em 1950, igualou o recorde mundial do japonês Naoto Tajima, com 16m. No Troféu Brasil de 1951, saltou 16,01m, tornando-se o novo recordista mundial da prova.

“Ele foi um atleta que treinou pouco, mas o suficiente para ganhar de todo mundo. Dá para ver o tamanho do talento do Adhemar. Na época, os atletas treinavam muito pouco, pois tinham que dividir o tempo com escola e trabalho, até porque ele fazia esporte mais por hobby, não era uma profissão igual é hoje. Se você pegar tudo isso e ver os resultados, ele realmente foi o nosso Carl Lewis! Foi e ainda é o exemplo de que é possível treinar nas condições que ele treinou e chegar à medalha olímpica”, analisa Joaquim Cruz, segundo brasileiro a conquistar uma medalha de ouro no atletismo (800m em Los Angeles 1984).

A preparação para Helsinque foi além dos treinos

Graças ao seu desempenho, Adhemar se transformou num dos grandes nomes da delegação brasileira para os Jogos Olímpicos Helsinque 1952. Mas ele queria mais e procurou saber tudo sobre a Finlândia.

Ao fazer a cobertura da Corrida de São Silvestre para um jornal, conheceu os irmãos Jussi e Riva Letho, que atuaram como intérpretes de um corredor da Finlândia, conquistou a amizade deles e com eles aprendeu finlandês. O objetivo era impressionar os torcedores e a imprensa local durante os Jogos Olímpicos. 


No desembarque em Helsinque, cumprimentou os jornalistas e perguntou como estava o clima, falando no idioma local. Não satisfeito, pegou o violão e entoou a música “Niin mina neutoni sinole laula” (“Minha querida, eu canto para você”), que havia aprendido com os pais da família Letho. No dia seguinte, todo o carisma exibido no desembarque estava na primeira página dos jornais, com a foto do atleta. “Negro brasileiro chega cantando em finlandês”, era a manchete.

Antes do esporte, a música já era uma das paixões de Adhemar, que sonhara ser cantor e chegara a fazer sucesso em concursos de calouros nas rádios, em São Paulo. Seu pai foi um dos fundadores da Escola de Samba Nenê da Vila Matilde, na capital paulista. Sua filha, Adyel, é cantora. As artes estão no DNA da família. 

Um caderninho de tarefas e carisma de sobra

Dietrich Gerner, o técnico do São Paulo Futebol Clube, não pôde acompanhar Adhemar em Helsinque. Para suprir essa ausência, o treinador preparou um caderninho com instruções detalhadas que Adhemar seguiu como um roteiro para a competição. 

“Nele, continha o que comer, quando comer, as horas de descanso e tudo o mais que ele devia fazer para obter bons resultados na prova”, relata a escritora Tânia Mara Siviero.

Adhemar chamava a atenção nas ruas. O jeito descontraído e a facilidade do atleta para fazer amigos no país estrangeiro não foram encarados com bons olhos pela imprensa brasileira. No dia da competição, 23 de julho de 1952, ele recebeu um jornal com a seguinte notícia: “Adhemar, o único atleta que não treina em Helsinque, só quer saber de louras e do violão”. 

Focado e irritado com as críticas da imprensa, Adhemar foi para a pista e quebrou o recorde mundial (que já era dele) e olímpico quatro vezes, marcando 16,05m, 16,09m, 16,12m e 16,22m e garantindo a medalha de ouro de maneira espetacular. O soviético Leonid Sherbakov ficou em segundo, com apenas 15,98 metros.

 A medalha de ouro de Ferreira da Silva foi a segunda do Brasil em edições olímpicas – nosso primeiro campeão olímpico fora Guilherme Paraense, do tiro esportivo, em 1920 – e a primeira do atletismo nacional. Conta-se que, quando chegou à Vila Olímpica, além do bife com salada de alface, a cozinheira, que o chamava de “meu filho brasileiro”, havia preparado especialmente para ele um bolo com a inscrição “16,22”, a distância do seu salto.  

A volta olímpica

Pouca gente sabe, mas além de revolucionar a técnica do salto triplo, Adhemar tem outra grande contribuição ao esporte, não apenas olímpico. O bicampeão olímpico também deve muito de seu reconhecimento mundial ao respeito e consideração com que tratou a todos, principalmente o público presente nos estádios. Depois da vitória de Adhemar, os torcedores não paravam de gritar “Da Silva! Da Silva! Da Silva!”. Ele contava, em entrevistas, que um dos juízes havia dito que o público queria que ele desse uma volta:

“Eu, com muito prazer, o fiz porque queria agradecer àqueles que me ajudaram a ganhar a medalha de ouro”, relembrava. 

Duros tempos do amadorismo

Nos tempos de Adhemar Ferreira da Silva não havia patrocínio, ajuda de custo ou salário. Os atletas competiam “por esporte” e qualquer recompensa financeira era proibida. Ainda durante os Jogos Olímpicos de Helsinque, o jornal paulista “A Gazeta Esportiva” lançou uma campanha que visava a arrecadar recursos para a compra de uma casa para o campeão.

A notícia deixou a mãe, dona Augusta, empolgada. Logo ao desembarcar, o medalhista de ouro, informado por ela que haviam ganhado uma casa, foi obrigado a explicar, que não poderia aceitar, sob pena de ter que abandonar o atletismo e devolver a medalha. 

“Eu louvo muito a atitude de todos aqueles que colaboraram, que tentaram fazer com que a gente tivesse uma casa, mas não podia trocar a minha vida de esportista por alguns trocados, mesmo sabendo que fazia falta...”, agradeceu Adhemar no livro “Herói Por Nós”, de Tânia Mara Siviero.

O sonho da casa própria só se tornou real dois anos depois do bicampeonato olímpico, em 1958, à custa de muito trabalho e esforço. O financiamento saiu no mesmo dia do nascimento do Adhemar Ferreira da Silva Júnior, seu filho caçula. 

Casamento e polêmica com Jânio Quadros

Funcionário da Prefeitura de São Paulo, em 1953, o campeão olímpico se ausentou do trabalho para disputar o Campeonato Sul-americano, no Chile, onde se sagrou campeão. Na volta, teve seus dias descontados pelo então novo prefeito Jânio Quadros, que disparou: “Prefeitura é lugar de funcionários e não de vagabundos esportistas”.

A resposta de Adhemar, durante entrevista numa rádio, custou a ele o emprego, foi demitido. Vale lembrar que, entre as décadas de 1950 e 1960, ele era o único atleta brasileiro com projeção internacional.

“Eu era o Pelé da época. O esportista mais conhecido no Brasil todo, o nome mais venerado”, disse ele em entrevista ao Esporte Espetacular, da TV Globo. 

Nos anos 1980, quando novamente ocupou a Prefeitura de São Paulo, Jânio ofereceu um cargo importante a Adhemar, que, gentilmente, recusou.  Polêmicas à parte, o ano de 1953 ficou gravado na memória do triplista pelo seu casamento com Elza, uma amiga de infância da Casa Verde.

“A beleza da minha mãe chamou a atenção do meu pai ainda na adolescência. Eles eram praticamente vizinhos, moravam no mesmo bairro. Ela passava para ir trabalhar, já era uma mocinha; ele ainda um molecão, mas prestava bem atenção nela. Eu não sei como começou o romance, mas sei dizer que ela foi a mulher mais apropriada para ele. Meu pai pôde ter paz porque ela deu essa paz, segurando a família, segurando-o, dando força, foi muito companheira”, analisa a cantora, atriz e jornalista Adyel Silva, filha mais velha do casal. 

As estrelas douradas do SPFC

Adhemar também disputou as primeiras edições dos Jogos Pan-americanos (Buenos Aires 1951, México 1955 e Chicago 1959) e foi campeão em todas elas. Sua passagem pelo México foi marcada pela conquista de mais um recorde mundial do salto triplo, com 16,56m. 

Pouca gente sabe, mas as duas estrelas douradas no escudo do São Paulo Futebol Clube são alusivas aos dois recordes mundiais batidos por Adhemar, em 1951 e 1955.

“O talento de Adhemar Ferreira da Silva é inexplicável. Eu o comparo ao Pelé, porque pela época em que ele competiu, pelas condições que tinha, ele contou com o talento nato e mais nada. Foi um pioneiro para o mundo, para o Brasil e para o próprio São Paulo Futebol Clube, que tem duas estrelas douradas no seu escudo, essas estrelas são dele”, empolga-se a campeã olímpica do salto em distância em Pequim 2008 Maurren Maggi, que também foi atleta do São Paulo.

Um ano de mudanças

O ano 1956 foi agitado para Adhemar. Mudou-se para o Rio de Janeiro, passou a treinar no Vasco da Gama, começou a estudar Educação Física na Escola do Exército, como civil, a trabalhar numa repartição pública na Cidade Maravilhosa e a escrever para o jornal Última Hora. Nesse mesmo ano, tornou-se pai de Adyel. O nome é fruto da junção dos nomes Adhemar e Elza, com o “y” da língua espanhola.  

Apesar da mudança de clube, Dietrich Gerner continuava a treiná-lo. O técnico viajava para o Rio de Janeiro todas as segundas-feiras e, mais uma vez, preparou um caderninho com a programação de treinos para os Jogos Olímpicos Melbourne 1956, já que, novamente, não poderia estar ao lado do seu pupilo. Adhemar embarcou para a Austrália com o título de campeão olímpico, muita técnica, vontade de ganhar mais uma medalha de ouro e, logicamente, o inseparável violão.

“Ele sempre viajava com um violão e sempre surgiu a oportunidade de tocar e cantar. A música preferida, a que mais gostava, era “Ave Maria no Morro”, de Herivelto Martins, pontua o jornalista Benê Turco, amigo de Adhemar.

Bicampeão carismático

Rosto inchado e uma dor que o impedia de colocar os pés no chão. Assim Adhemar passou os primeiros dias em Melbourne, na Austrália. Um dente inflamado assustou o campeão e deu falsas esperanças aos adversários. Três dias antes da prova, porém, um dentista abriu o dente e a dor se foi. Tudo voltou ao normal. 

Exatamente como em Londres 1948 e Helsinque 1952, o público presente no estádio mereceu um destaque especial. No dia 27 de novembro de 1956 haviam cerca de 100 mil pessoas no Estádio Olímpico. Antes da prova, o brasileiro se aproximou do alambrado e conversou com um grupo de estudantes australianos. Conquistou a torcida. Quando ia saltar, pedia silêncio e era prontamente atendido.

“No segundo salto, eles mesmo diziam: ‘Silêncio porque o Da Silva vai saltar’”, recordou numa entrevista disponível na internet. 



A medalha de ouro veio no último salto: 16,35m, novo recorde olímpico. Adhemar Ferreira da Silva entrava para a história como o primeiro bicampeão olímpico do Brasil. No final da prova, foi festejar com o grupo de torcedores australianos que o apoiou durante toda competição.

Naquele ano, a medalha de ouro ganha por Adhemar foi novamente a única obtida pelo Brasil na competição.

“Essa vitória o consagrou como um dos grandes atletas de todos os tempos do atletismo. Uma medalha de ouro em Jogos Olímpicos é um feito muito difícil. Envolve um trabalho árduo por anos, além de doação, preparação física e mental, foco e muita dedicação.  Manter o ritmo de treinos e a concentração por dois Jogos Olímpicos e obter o resultado máximo torna o feito extraordinário. Em qualquer tempo”, avalia Tânia Mara Siviero, autora do livro “Herói Por Nós - Adhemar Ferreira da Silva, o ouro negro brasileiro”. 

Um preto no topo do mundo

Preto, pobre e periférico, Adhemar Ferreira da Silva tornou-se sinônimo de vitória.

“É impossível não fazer uma análise sobre o grau de dificuldade que Adhemar encontrou para enfrentar o racismo por ser um atleta preto em um universo elitista como é o atletismo, bem como o enfrentamento ao preconceito de ser um preto periférico. Ser recordista mundial e bicampeão olímpico na década de 1950, período em que o racismo sistêmico estava bastante acentuado, com ideologias eugenistas, não foi uma tarefa fácil para ele”, destaca o sociólogo e pesquisador Tadeu Caçula, autor do livro “Casa Verde - Uma Pequena África Paulistana”, que tem Adhemar como um dos personagens.

Além das questões raciais, Adhemar também enfrentou o preconceito quando descobriu uma tuberculose ganglionar, logo após disputar sua última edição olímpica, em Roma1960, na qual foi o porta-bandeira da delegação brasileira e competiu sem saber que estava doente. A tuberculose foi a causa do baixo rendimento do atleta. 

A “doença contagiosa” rendeu notícia de primeira página nos jornais, o que acarretou a sua expulsão do hotel, na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde se hospedou para fazer o tratamento. Nessa época, o suporte financeiro e emocional veio do então presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), João Havelange, a quem Adhemar mostrava-se eternamente grato.   

Filmes, Oscar, línguas e diplomas

Paralelo à sua carreira no esporte, Ferreira da Silva formou-se em Belas Artes, Educação Física, Direito e Relações Públicas, além de ter obtido o registro de jornalista profissional, em 1957. Conseguia se comunicar em inglês, espanhol, italiano, francês, alemão, finlandês e japonês. Como ator, Adhemar atuou na peça “Orfeu da Conceição”, a convite de Vinícius de Moraes, em 1956. Anos mais tarde, fez o papel de “Morte”, na adaptação da peça para o cinema. O filme “Orfeu Negro”, de Marcel Camus, uma produção franco-italiana, foi premiado com a Palma de Ouro, em Cannes, e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1959.  Também foi adido cultural do Brasil em Lagos, na Nigéria, entre 1964 e 1967. 

“A história do Adhemar é uma história ímpar. Ele é conhecido e jamais será esquecido não só pelas suas medalhas olímpicas, mas também pela sua leveza e até mesmo pela sua facilidade de falar línguas e a espontaneidade com que interagia com o público. Ele é uma lenda. Tinha facilidade para tocar o seu violão, tocar as suas músicas. Ele foi um gigante dentro do corredor de salto, mas foi um gigante da vida”, compartilha o atleta olímpico e recordista sul-americano do salto triplo Jadel Gregório. 

O lado humano do herói

Educado, elegante, culto, extremamente inteligente, disciplinado, acessível, humilde, Adhemar Ferreira da Silva rompeu barreiras sociais e raciais para além das marcas esportivas. 

“Um homem que incentivava a educação. Seu maior legado foi mostrar que é no conhecimento que a gente vai vencer”, define a filha Adyel, que revela ter visto o pai “desmoronar” diante da perda do filho caçula, Júnior, aos 26 anos, num acidente de moto. 

O bicampeão também vivenciou a morte da esposa Elza e do técnico Gerner, mas não gostava de lembranças tristes. Ele amava a nossa cultura e tinha orgulho do Brasil. Viveu para divulgar aquilo que acreditava: o esporte e a educação como ferramentas de transformação.

Fumante desde a juventude, Adhemar faleceu, no dia 12 de janeiro de 2001, num hospital, em São Paulo.

“Meu pai foi um olímpico humano. Ele iniciou no atletismo como fumante, tentou esconder isso do Gerner, mas não conseguiu”, esclarece Adyel. “O fumo é uma porcaria muito grande e meu pai morreu com o pulmão debilitado”, atesta.

Exemplo a ser seguido

Em 1993, Adhemar recebeu o título de “Herói de Helsinque”, junto com Emil Zatopek. Em 2000, foi agraciado pelo Comitê Olímpico do Brasil com o Mérito Olímpico. No ano seguinte, a entidade o homenageou com a instituição do Troféu Adhemar Ferreira da Silva, que premia a excelência na contribuição ao esporte, aqueles que tenham sido exemplos dentro e fora das competições. Em 2012, ele foi imortalizado no Hall da Fama do Atletismo, sendo o único brasileiro a representar o país no salão da IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo), em Monte Carlo, Mônaco. Em 2020, entrou para o Hall da Fama do COB. 

O jornalista e amigo Benê Turco destaca que Adhemar foi patrono de projetos importantes no atletismo. Também foi indicado para cargos relevantes. Em 2001, quando morreu, era presidente da Comissão de Atletas da CBAt: “A IAAF e o COB o condecoraram”, enfatiza Adyel. 

Adhemar sempre batalhou pelo esporte, dentro e fora das pistas. Fez escola e incentivou grande número de praticantes e novos medalhistas olímpicos no salto triplo, com destaque para Nélson Prudêncio e João Calos de Oliveira, o João do Pulo. 

Olímpico enquanto viveu

Adhemar também teve a oportunidade de participar de algumas edições dos Jogos Olímpicos como jornalista. Curiosamente, o bicampeão comemorou seu último aniversário – em 29 de setembro de 2000 - durante os Jogos de Sydney, na Austrália. Em mais uma prova de como gentileza gera gentileza, Adhemar foi recepcionado pela fã Rosemary Mula, uma das estudantes com quem havia conversado no alambrado do Estádio Olímpico, 44 anos antes, no dia em que se tornou bicampeão olímpico, em Melbourne 1956. Emoções e amizades que só o esporte é capaz de proporcionar. 

“Se eu não tivesse encontrado o esporte na minha vida, a minha situação seria outra. Menino pobre do bairro da Casa Verde, pais trabalhando, eu possivelmente ficaria pelas ruas. E qual seria o meu destino?”, questionou ele em entrevista disponível na internet. “Costumo dizer que não ganhei dinheiro como atleta, o que realmente não ganhei, mas ganhei o que há de mais importante, ganhei a vida. Por meio do esporte, pude conhecer e ter contato com pessoas do mundo inteiro. Comecei a viajar em 1948 e estou viajando até hoje. E olha que minha carreira terminou em 1960”, registra o livro “Herói Por Nós”, de Tânia Mara Siviero, de 2000. 

Adhemar Ferreira da Silva foi internado no mesmo dia em que desembarcou da sua última viagem. Vinha do Uruguai, quando passou mal, foi internado, falecendo poucos dias depois.



Adhemar Ferreira da Silva

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Medalhas em jogos olímpicos

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Adhemar Ferreira da Silva é Homenageado no Hall da Fama do COB em 2021

Adyel Silva, filha de Adhemar, recebeu homenagem póstuma ao triplista em evento durante o Prêmio Brasil Olímpico de 2021 em Aracaju (SE).

Adhemar Ferreira da Silva foi o primeiro bicampeão olímpico do país (Helsinque 1952 e Melbourne 1956), cinco vezes recordista mundial no salto triplo e porta-bandeira na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Roma 1960. Além de suas marcas e conquistas, Adhemar representa os valores positivos do esporte, como ética, espírito coletivo, eficiência técnica e física, respeito ao próximo e companheirismo.
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Hall da Fama do COB - Homenagens no Prêmio Brasil Olímpico 2021

Paula (basquete), Sebastián Cuattrin (canoagem de velocidade), Adhemar Ferreira da Silva (atletismo) e Tetsuo Okamoto (natação) foram homenageados no Hall da Fama do COB durante o Prêmio Brasil Olímpico em 2021. Adhemar e Tetsuo, atletas já falecidos, foram representados por familiares e receberam placas comemorativas enaltecendo a importância de seus feitos para o esporte nacional. 

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Adhemar Ferreira da Silva, o primeiro bicampeão olímpico do Brasil

Adhemar Ferreira da Silva foi o primeiro bicampeão olímpico do país (Helsinque 1952 e Melbourne 1956), cinco vezes recordista mundial no salto triplo e porta-bandeira na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Roma 1960. Além de suas marcas e conquistas, Adhemar representa os valores positivos do esporte, como ética, espírito coletivo, eficiência técnica e física, respeito ao próximo e companheirismo. Como mais um reconhecimento, o COB oferece anualmente o Troféu Adhemar Ferreira da Silva à uma personalidade da área que apresenta esses princípios em sua vida e carreira. 
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