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Bernard Rajzman

Bernard Rajzman

modalidade

Vôlei

data e local de nascimento

25/04/1957

Rio de Janeiro

BIOGRAFIA


Início dos anos 1980, milhares de torcedores brasileiros acompanhavam atentos às imagens de um jovem jogador da seleção brasileira de vôlei: Bernard Rajzman. Alto, louro, bigodudo e muito charmoso. O camisa 12 ia para o fundo da quadra e enlouquecia o púbico ao dar uma “paulada” na bola, que caracterizava um tipo de saque que ninguém mais fazia no mundo, só ele. A voz do locutor Luciano do Valle, ou Luciano do vôlei, como era chamado na época, ecoava enquanto a bola alcançava uma altura inacreditável e caía como uma bomba, confundindo a recepção da equipe adversária. O saque ""Jornada nas Estrelas"" garantiu muitos pontos para o Brasil e ajudou a popularizar o vôlei no país.

“O Jornada é fruto da molecagem e da criatividade do brasileiro”, conta Bernard Rajzman. “Eu brincava na praia, desde criança. Com 14, 15 anos, comecei a fazer este saque, e muitos jogadores mais velhos diziam para eu deixar de ser palhaço, que eu estava querendo aparecer. Fui adaptando aos poucos, porque dependendo do vento ou da posição do sol, o resultado poder ser melhor ou pior. Eu brincava muito. Às vezes, na hora do saque, eu dava a paulada para o céu e saia correndo para o mar. Quando a bola caía, todo mundo perguntava onde estava o maluco. O maluco já tinha mergulhado e estava dentro d’agua”, se diverte Bernard em entrevista especial ao Hall da Fama do COB.

Da praia para a quadra

Foi em 1981, na final do Campeonato Sul-americano de Clubes, quando Bernard defendia a equipe da Atlântica Boavista contra o Ferro Carril Oeste, da Argentina, que o saque ""Jornada nas Estrelas"" estreou nas quadras. 

“No treino, de manhã, eu dava o saque, brincando, e o técnico Bebeto de Freitas perguntava se eu ia fazer aquela palhaçada no jogo. Eu respondia que de jeito nenhum, lógico que não”.

No terceiro set da final, quando sua equipe estava com ampla vantagem no placar, ele olhou para o banco e viu Bebeto rindo e brincando com os atletas. Diante disso, arriscou o Jornada. 

 “O primeiro saque pegou no pescoço do jogador argentino, todo mundo riu, fiz ponto e acabou o jogo”.

Em solo brasileiro

Mas a explosão do saque emblemático só aconteceu mesmo no Mundialito de 1982, realizado em setembro, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, reunindo as 12 melhores equipes do vôlei mundial. 

“Na primeira vez, fiz uma sequência de quatro pontos seguidos, que fecharam a partida contra a Coreia. Quando eu fazia o saque, na TV tinha até sonoplastia. No dia seguinte a esse jogo, a popularidade foi uma loucura, todo mundo queria o Jornada”, divide Bernard, ressaltando que o Maracanãzinho era um dos poucos ginásios cuja altura permitia a execução do saque criado por ele.

“O 'Jornada nas Estrelas' era muito importante taticamente, mas só podia ser feito em alguns poucos ginásios, como o Ibirapuera, o Maracanãzinho, o Mineirinho e o Gigantinho, que eram extremamente altos. Hoje as arenas não comportam mais isso”, pontua o vice-campeão olímpico William, capitão da Geração de Prata.

Vencendo os invencíveis soviéticos

Na partida final, o Brasil enfrentou a antiga União Soviética, equipe que tinha sido campeã olímpica em Moscou1980. 

“Eles nunca tinham perdido para ninguém. Nenhum país do mundo tinha ganhado da poderosa União Soviética”, destaca Bernard.

Eram 22 mil pessoas sentadas em arquibancadas de cimento - hoje são só 12 mil, que se sentam em cadeiras. Toda vez que Bernard ia para o saque, a torcida gritava: “Jornada! Jornada!”. Mas o jogador guardava seu trunfo para o final do set, quando havia a pressão sobre quem estava recebendo.

“O Maracanãzinho ainda tinha um holofote brilhante no teto. Então, quando se olhava para cima, era o mesmo efeito do sol, dificultando muito a visão. A bola pegava um efeito incrível e descia numa velocidade tremenda. Era muito difícil saber onde ela iria cair”.
Bernard recorda que Vyacheslav Zaytsev, capitão da União Soviética, quis arriscar e tirar uma onda, sacando o Jornada, mas a bola dele foi parar na arquibancada.

“O que ele levou de vaia... Aquilo foi desestabilizando a equipe soviética e crescemos no jogo. Foi uma vitória histórica por 3 a 2, com transmissão da televisão, que pela primeira vez mostrava um torneio inteiro. Da noite para o dia, nós nos transformamos de meros desconhecidos a ídolos nacionais”, festeja.  

“O saque Jornada para mim foi algo épico porque ninguém esperava, ninguém tinha noção de que um saque poderia ir, num recinto fechado, tão alto e, ao mesmo tempo, utilizar a iluminação do Maracanãzinho e deixar os adversários totalmente perdidos. Aquela final contra a União Soviética foi quando o vôlei chegou ao céu, com resultados surpreendentes, alcançando aos 40 pontos de audiência na televisão. O Brasil inteiro abraçando aquela geração e, principalmente, comentando muito mais do que as jogadas do futebol”, analisa o jornalista esportivo Álvaro José, dono de um vasto conhecimento sobre esportes olímpicos no Brasil. 

Fama, tietes e massificação

Graças ao resultado no Mundialito, os jogadores da seleção passaram a ser reconhecidos e abordados pelos torcedores em todos os lugares. Além disso, bonitões e carismáticos, viraram alvo do assédio de tietes apaixonadas.

“Quando eu comecei a jogar, não sabia se vôlei era esporte para homem, para mulher. Era preconceito puro. Diziam: ‘é esporte para fresco’, aquelas brincadeiras que hoje não têm mais espaço... A minha geração foi a precursora da evolução do esporte. As meninas tinham pôsteres dos jogadores na parede, mas eu não era o preferido. Havia outros muito mais procurados como símbolos sexuais: Montanaro, Renan, Bernardinho...”, observa Bernard. 

O criador do ""Jornada nas Estrelas"" chegou a fazer 26 comerciais de televisão. Toda essa exposição colaborou para o crescimento do esporte.

“A 'Geração de Prata' ajudou a massificar o nosso esporte, que passou a ser o segundo mais praticado e mais visto no país. E o Bernard é o cara que potencializou isso ao quadrado, com o 'Jornada nas Estrelas'”, observa o campeão olímpico Tande, que sacou o Jornada em partidas importantes pelo clube e pela seleção brasileira, na década de 1990, em homenagem a Bernard. 
Outro medalhista de ouro também teve em Bernard um modelo e espelho. Ponteiro-passador com características em comum com às do inventor do Jornada nas Estrelas, Nalbert escolheu o número 12 em sua camisa por causa de Bernard.

Brasil x União Soviética no Maracanã


Depois de conquistar a medalha de prata no Mundial de 1982, na Argentina, a seleção brasileira de vôlei disputou uma série de quatro partidas amistosas, pelo Brasil, contra a União Soviética, denominada “O Grande Desafio do Vôlei”, com transmissão ao vivo pela Record TV e narração de Luciano do Valle, que também foi um dos organizadores do evento. 

O quarto jogo, marcado para 17 de julho, no Estádio do Maracanã, teve de ser adiado para o dia 26, por conta da chuva. Tudo ia muito bem, até que um dilúvio atingiu o então maior estádio do mundo, ainda no primeiro set. 

“Aquele foi um jogo histórico também, que está no livro dos recordes, o Guinness Book. Nós jogamos com meia para não escorregar, trouxemos os carpetes que levavam até a quadra e botamos dentro da quadra para ter um piso melhor e jogamos com chuva. Eu lembro que para o Jornada tinha até uma figurinha na TV: ela batia no placar eletrônico e a bola entrava em órbita”. 

Numa noite memorável, o Brasil venceu por 3 sets a 1. 

“O saque 'Jornada' mais alto do Bernard, que eu vi, obviamente foi o do Maracanã, em 1983, quando 96 mil pessoas assistiram, debaixo de chuva, e viram o Brasil ganhar da União Soviética. Os soviéticos querendo jogar de qualquer jeito, arrastando o tapete para cobrir a quadra, jogando sem tênis. Aquilo para mim foi uma das maiores lições de esportividade. Eu vi o saque do Bernard ir quase ao céu, o Jornada foi realmente ao espaço”, relembra o jornalista Álvaro José. 

Mais do que uma partida, o vôlei brasileiro ganhava espaço, credibilidade.

“Quando você tem o campeão, naturalmente, você tem os seguidores. O que faz o esporte crescer são os títulos. O único esporte que independe de resultados é o futebol, pode ser o último numa Copa do Mundo ou o primeiro, que a sua popularidade está garantida. O Luciano do Valle acreditou na gente. Ele botou fé, botou televisão, deu uma credibilidade muito grande e aquilo deslanchou. A maior prova é que, até os dias de hoje, a gente está sempre no pódio. Há mais de duas décadas o voleibol brasileiro é classificado pela Federação Internacional de Voleibol (FIVB) como o número um no mundo. Um esporte que é reconhecido. Vôlei é o esporte número um do país, futebol é religião”, argumenta Bernard.    

No início, tentativa com a bola laranja

Bernard costumava brincar de vôlei na praia, mas decidiu praticar outro esporte aos 12 anos, quando foi levado por um amigo, que jogava basquete na Escolinha do Fluminense, a bater bola no clube. A experiência não saiu como o planejado. 

“O técnico era o Renê Machado, pai do Marcelinho Machado, craque da seleção de basquete. Ele me convidou a me retirar porque eu não tinha nem jeito nem estatura para jogar basquete”, compartilha. “Na mesma hora, o lendário Bené (Benedito Silva, técnico de vôlei) me viu triste no vestiário. Eu estava tomando banho para ir embora, quando ele me chamou e falou: ‘Molecão, o teu negócio é vôlei. Pega essa bola e vai lá no paredão treinar, dar toque, bater, dar manchete’. Eu fui e aquele troço me pegou de uma forma tão contagiante que eu não consegui largar. A minha evolução foi muito rápida. Um mês depois, eu já estava jogando pelo mirim e pelo infantil do Fluminense. Com 14 anos, fui para a minha primeira seleção brasileira, com 15 estava na seleção adulta”, enumera Bernard, que hoje dá nome à quadra onde começou a treinar, quase ao acaso, aos 12 anos.
“O Bernardinho só existe por causa do Bernard. Eu sou Bernardo e ele é Bernard. Ele já jogava no Fluminense, já era uma referência nas categorias de base, quando eu cheguei. Por ser mais novo do que ele, virei Bernardinho, e ele me adotou um pouco. Era um craque, daqueles talentos únicos. Me entrosei muito bem com ele, que me dava uma força danada. A gente começou a jogar juntos e realmente criamos um entrosamento muito bacana”, comenta o ex-técnico da seleção brasileira de vôlei Bernardinho, companheiro de Bernard no Fluminense e na ""Geração de Prata"". 

“Meu pai nunca me viu jogar”

Sruldit Roger Rajzman, pai de Bernard, era um judeu polonês, fugitivo de campo de concentração que veio ao Brasil a passeio. Aqui conheceu a francesa Helene, casou-se com ela e teve filhos. O craque da ""Geração de Prata"", o caçula, nasceu em 25 de abril de 1957 e tinha apenas 13 anos quando o pai faleceu, em 1970, aos 53 anos. 

“Eu tenho meio que um trauma. Alguns meses antes da morte do meu pai, ele foi me levar para o Fluminense, onde eu ia participar de um jogo oficial contra a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil). Chegamos lá no fusquinha dele e descobrimos que o jogo seria na AABB. Eu não joguei e o meu pai nunca me viu jogar! Logo depois ele teve o derrame”, lamenta. 

Superação

O início da carreira de Bernard foi muito complicado.

“Minha mãe nunca tinha trabalhado, tivemos que nos virar. Às vezes faltava dinheiro até para pagar o ônibus. O Bené pagava o ônibus, ajudava de alguma forma. Foram muitas dificuldades mesmo. Tinha uma senhora no Fluminense, tia Helena, campeã pan-americana de atletismo, que nos ajudava muito também”, agradece.

O vice-campeão olímpico diz que dava treino na Escolinha do Fluminense, de vez em quando, para ganhar um lanchinho.

“A situação era muito difícil. Quando conseguia um uniforme de treinamento, tênis bom para poder treinar, era uma gratidão. Difícil, mas fomos fazendo da melhor forma”, compartilha. 

Aos 14 anos, Bernard foi convocado para a seleção brasileira pela primeira vez.

“Me assustou porque foi na seleção brasileira juvenil, eu jogava em outra categoria, tinha 14 anos e Juvenil era até 18. Olha só a diferença!”, compara. “Foi uma surpresa muito grande, que me comoveu. Foi um estímulo enorme, meu deu ainda mais vontade de vencer”, emenda.  

Um ano depois, aos 15 anos, Bernard estava na seleção adulta. Em 1975, disputou os Jogos Pan-americanos pela primeira vez. Em toda a sua carreira, foram quatro edições do Pan, todos com medalha: três de prata e uma de ouro.

“Com 18 anos, eu estava nos meus primeiros Jogos Olímpicos Montreal 1976. Foi uma evolução muito grande e rápida”, avalia Bernard. 
“Conheci o Bernard bem jovenzinho, em 1972 ou 1973. Ele chegou à seleção brasileira como um garoto promissor, muito bem-humorado, dedicado, com algumas características físicas absurdamente grandes, tais como velocidade e impulsão. Não era um jogador tão alto e demonstrava já, desde aquela época, que era um atleta talentoso. E virou realidade rapidamente”, declara Antônio Carlos Moreno, capitão da seleção brasileira de vôlei que disputou os Jogos Olímpicos de 1968 a 1980. 

Montreal 1976

Na estreia olímpica de Bernard, o Brasil terminou na sétima posição.

“Jogos Olímpicos pela primeira vez para qualquer um, principalmente para os mais jovens, é uma Disneylândia. Você entra na Vila e encontra aquele restaurante gigantesco, que atende a 11 mil pessoas e tem pizza, sorvete, tudo o que existe de comida do mundo inteiro. Você fica maluco, quer experimentar tudo. Você se depara com craques, tantos atletas consagrados, que você fica perdido. E se não tiver alguém que te dê um puxão de orelhas, alguém que te dê uns beliscões para acordar, você pode perder a sua referência, engordar, perder o foco e até se perder no treinamento. Deslumbrar, não deslumbrei, mas você vai aprendendo. Na segunda Olimpíada já está escolado”, afirma.

“O Bernard era um destaque nos Jogos de de Montreal, já estava se consolidando. Acredito que de 1975 para frente, ele sempre foi o titular da equipe. Em 1976, tinha um papel predominante e dessa posição nunca saiu, sempre como titular absoluto. Antes dessa época, ele teve um progresso muito grande, já estava se tornando um jogador maduro, capaz de fazer uma leitura do jogo, de si próprio. Sempre foi um jogador muito produtivo”, observa Moreno.

“Eu conheço o Bernard desde 1976. Na verdade, eu assisti a ele jogando em 1975, em Porto Alegre, contra o Japão, e fiquei impressionado. Ele foi o cara que me inspirou a jogar voleibol”, revela Renan Dal Zotto, um dos craques da ""Geração de Prata"" e grande amigo de Bernard.

Desbravador na Itália

Em 1978, Bernard tornou-se o primeiro jogador brasileiro a disputar o circuito internacional. Defendeu a equipe da Panini, atualmente Modena, na Itália, e abriu caminho para as novas gerações. 

“Eu era muito marcado pela torcida adversária, porque era considerado o melhor do time. Eles tinham um caixão escrito “Rajzman” e me provocavam segurando o caixão durante os jogos. Na quadra, eu fazia um belo ponto, olhava para a torcida e jogava um beijo. Aquilo me motivava, me dava muito mais vontade de ganhar do que o normal”, revela, mostrando como aprendeu a superar as pressões externas.

“Até os anos 80, estivemos juntos numa passagem na Itália. Ele realmente se consolidou, entre 1978/80 como um grande jogador. Nas Seleções das Américas, tanto o Bernard como eu fomos escolhidos entre os seis melhores jogadores dos Jogos Pan-americanos, acredito que em duas edições”, conta Antônio Carlos Moreno, um dos grandes amigos que Bernard fez nas quadras. 

“Eu morei muitos anos na Itália e todo mundo tem uma lembrança muito grande dele lá, principalmente na região de Modena. Ele tem um prestígio muito grande por tudo o que fez na Itália também”, informa Renan. 

Lembranças e decisões em Moscou

São duas as lembranças mais marcantes do criador do Jornada nas Estrelas dos Jogos Olímpicos de Moscou, quando o Brasil ficou mais perto do pódio até então, em quinto lugar.

“Eu me recordo de um jogo incrível, contra a Polônia, campeã olímpica. Entramos em quadra, antes de começar o jogo, apareceu o primeiro-ministro polonês. A equipe polonesa se perfilou à beira da quadra e saudou o primeiro-ministro. Quando o jogo começou, o ministro se sentou na tribuna de honra para assistir. Um a zero Polônia, dois a zero Polônia. Aí os poloneses pedem um tempo, o ministro encostou na quadra e se despediu da equipe da Polônia. Os jogadores se perfilaram, agradecendo a presença dele.  Depois da saída do primeiro-ministro, o jogo virou: dois a dois, três a dois, o Brasil ganhou”, vibra. 

Bernard conta que foi nesse mesmo jogo que Carlos Arthur Nuzzman, então presidente da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), sugeriu ao empresário Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, que montasse um time no Rio de Janeiro, já que os jogadores do Brasil estavam todos indo para a Itália e para outros lugares do mundo. Perder os ídolos seria ruim para as futuras gerações.

“O que faz o sucesso de um esporte são os seus ídolos. A torcida quer ver o ídolo, não quer ver os cabeças-de-bagre. Assim foi criada a equipe da Atlântica Boavista. Eu fui o primeiro atleta a ser contratado. A coisa ganhou uma dimensão muito grande, o esporte começou a crescer. As empresas passaram a investir no esporte, com um retorno fantástico”, festeja. 
O vôlei e a Atlântica Boavista foram fundamentais para o início da profissionalização do esporte no Brasil. A partir da criação dos clubes-empresa, os atletas passaram a ter recursos para se dedicar completamente ao esporte, sem ter que se preocupar com o sustento da família e com trabalho.  

“Começou a mudança aí, de fato. Aquela geração foi exatamente a transição dos atletas que treinavam um período por dia, três vezes por semana, para a minha geração, que veio treinando duas vezes por dia. A perfeição faz o campeão! A minha geração foi a transição dessa fase, contando com alguns atletas que participaram de Moscou. Eles começaram a treinar também em dois períodos e a coisa foi só evoluindo”, analisa Bernard.  

“Vale a pena ressaltar também que aquela geração foi encontrando novas condições de treinamento físico, novas descobertas, como a introdução da fisiologia do exercício. Uma evolução fora da quadra também”, constata Antônio Carlos Moreno.

Sacrifícios e vitórias

Com a “profissionalização” do vôlei no Brasil, a então futura Geração de Prata começou a explodir.

“O grande cabeça foi o Nuzman, que enxergava o vôlei com empreendedorismo, como uma coisa de profissionais. A evolução foi muito maior, os recursos começaram a surgir de uma forma gigante”, pontua. 

A Brasil passou a ganhar vários torneios mundo afora e ainda foi terceiro lugar na Copa do Mundo do Japão, vice-campeão no Mundial de 1982, na Argentina, e ouro nos Jogos Pan-Americanos de Caracas, em 1983. Apesar da profissionalização ter permitido se viver apenas de esporte, as condições estavam ainda bem distantes do que se vê hoje. Tudo foi com muito sacrifício.

“A gente viajava para o Leste Europeu, para os países da Cortina de Ferro - Romênia, Polônia, Bulgária, Rússia, Tchecoslováquia -, ficava dois meses lá e a comida que eles davam para a gente era uma coisa... A gente ia viajar levando lata de salsicha, ia buscar pão de madrugada, porque não tinha, era pouquinho. Nunca vou me esquecer da sopa de ameixa! Era o que tinha para comer. Dificuldade total. A gente costuma dizer que as gerações que vieram depois nasceram em berço esplêndido, não passaram por essas dificuldades. Muito embora sejam gerações que estão ganhando muito, é fundamental que eles saibam das dificuldades de quem abriu o espaço para eles, que a gente possa contar essa história para a juventude. O Brasil não nasceu campeão olímpico, ele veio lá de trás, buscando aos poucos, fazendo essa grande história do vôlei”, enfatiza Bernard. 

Pódio olímpico

Bernard destaca que não existia o jogador mais importante na equipe que disputou os Jogos Los Angeles 1984. 

“Tinham uns sete ou oito titulares e os outros que entravam faziam o seu papel importantíssimo. A gente começou, de fato, a crescer de uma forma que alcançou a condição de buscar um título olímpico. Em Los Angeles, nosso objetivo era ganhar o ouro, mas infelizmente, na final, não deu certo”, lamenta.

Em sua trajetória até o pódio, a seleção brasileira foi derrotada pela Coreia, por 3 a 1, na fase eliminatória. 

“Não era normal a gente perder para a Coreia. Se a gente não ganhasse o jogo seguinte, contra a equipe americana, estaríamos fora dos Jogos. Houve uma concentração total de todos em busca daquela vitória. Nós fizemos o impossível, uma partida perfeita, e os americanos ficaram de boca aberta, não entenderam nada. Demos de 3 a 0”, lembra. 

Na semifinal, O Brasil venceu a Itália, por 3 a 1, e reencontrou os Estados Unidos na final, quando os americanos deram o troco, devolveram o 3 a 0 e deixaram os brasileiros com a prata.

Com o melhor resultado até então da história, aquela passou a ser chamada da geração de ouro do vôlei brasileiro. Era o melhor grupo já formado no país. A expressão ""Geração de Prata"" passou a ser usada, de fato, após o Brasil conquistar o ouro em Barcelona, em 1992, Com Maurício, Tande, Marcelo Negrão, Giovane e cia. 

“Naquele dia, nada deu certo. Não adianta a gente culpar A, B, C ou D. O time americano estudou a gente, como cada um jogava, cada posição, com grande eficiência. Os americanos jogaram muito bem, fizeram uma partida praticamente perfeita. Foi impressionante. Eles mereceram. Foi um três a zero daqueles que não deu para se ter a menor dúvida de quem levava o mérito daquela medalha”, resigna-se Bernard.

Agitando a bandeira

No pódio, era visível a tristeza e a decepção dos jogadores. Bernard destoava, agitando a bandeira verde-amarela. 

“Eu não fiz festa. Já entrei no jogo com a ideia de levantar uma bandeira no pódio, qualquer que fosse a medalha. Estava todo mundo triste. Tínhamos perdido o jogo, a chance de conquistar o ouro. Naquele momento é normal você ficar muito abatido, mas, no dia seguinte, já comemora a prata. Afinal, melhor a prata do que o bronze ou ficar sem medalha. Eu levei aquela bandeira para o pódio e resolvi, na hora de receber a medalha, levantá-la e valorizar a bandeira brasileira para todo mundo ver que o Brasil é uma grande nação no esporte também”, detalha.

Campeão na praia

Depois de 17 anos na seleção brasileira, Bernard encerrou sua carreira no vôlei de praia, onde começou brincando, na infância. Sagrou-se duas vezes campeão mundial, antes de o esporte se tornar olímpico, e foi em busca de novos desafios.

“Eu me aposentei aos 32 anos de idade, para a época, não era cedo, não. Eu já não estava tendo rendimento ideal para continuar mantendo o meu nome, que eu consegui criar depois de tantos anos. E se você para de produzir da melhor forma, você cai no conceito popular também. Imaginei que era a hora de parar, encontrar outra coisa, e tocar a minha vida”, explica.

Bernard não aceitou ser treinador por dois motivos: segundo ele, não leva jeito e não gosta. “Depois de você viver 17 anos numa seleção brasileira, onde se privou de tantas coisas na vida para estar em quadra, eu não achava justo continuar como treinador para ter todos os problemas de todos os atletas, além dos meus”, opina.

Olímpico fora da quadra

Depois de encerrar sua carreira nas quadras, Bernard assumiu a Secretaria Nacional de Esporte, no governo do presidente Fernando Collor de Mello – cargo equivalente a Ministro dos Esportes, em 1991. Antes dos Jogos Olímpicos Barcelona992, o criador do ""Jornada nas Estrelas"" foi decisivo na conquista de patrocínio das empresas estatais para as diferentes modalidades. Uma dessas negociações teve como resultado, além dos recursos que garantiram a preparação da equipe, o retorno dos atletas da seleção brasileira de judô, afastados das competições internacionais desde 1989, por causa de um protesto contra a Confederação Brasileira, presidida por Joaquim Mamede. 

“Existia uma briga entre o presidente Mamede e um grupo de judocas liderados pelo Aurélio Miguel, campeão olímpico em Seul 1988. Desde 1989 a turma começou a boicotar as competições. Os atletas se rebelaram. E eu resolvi cair de cabeça para ajudar. Fui atrás do Mamede, do Aurélio, dos atletas. Consegui, por meio de papo e do patrocínio do Banco do Brasil, que os atletas e a Confederação voltassem a se entender. Sem isso, não teríamos a medalha de ouro do Rogério Sampaio. Ele não teria ido aos Jogos Barcelona 1992”, alegra-se Bernard.

O atacante passador da ""Geração de Prata"" também atuou na política, como deputado estadual no Rio de Janeiro e como presidente do Conselho Nacional de Esportes. No COB, foi Chefe de Missão em diversos eventos, como os Jogos Pan-americanos Guadalajara 2011 e os Jogos Olímpicos Londres 2012. É membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) desde 2013. 

“O Bernard é excelente pessoa, sempre muito bem-humorado, um grande amigo. Fora das quadras, ele desempenhou papel fundamental no COB e é o nosso representante junto ao COI, o que muito nos orgulha”, observa o vice-campeão olímpico José Montanaro Júnior, um dos ícones da ""Geração de Prata"".

“É um cara que passou por todas as áreas do esporte e merece todo o reconhecimento por fazer tudo com maestria”, completa Renan, o atual técnico da seleção brasileira de vôlei masculino.

Diferenciado na quadra

Muito além do ""Jornada nas Estrelas"", os atributos técnicos de Bernard são reconhecidos e exaltados pelos seus companheiros de equipe.

“Ele era um jogador muito veloz, fazia jogadas impressionantes, de uma precisão incrível. Passava demais e isso é muito importante para mim, porque ele passava sempre na minha mão. Além do Jornada nas Estrelas, ele tinha um saque balanceado, flutuante, muito bom. As jogadas em velocidade dele facilitavam para que prendesse o bloqueio e eu pudesse também acionar os outros jogadores”, analisa o capitão William.

“Bernard era um ponto fora da curva, daqueles caras Top 5 da história do vôlei brasileiro e um dos grandes do vôlei mundial, que chegaram e assombraram o mundo. As principais características dele eram a velocidade, a grande capacidade atlética e a coragem de enfrentar os momentos de dificuldade. Ele foi, além de tudo, um revolucionário, não tinha medo. As coisas que ele fazia realmente eram únicas, gerando popularidade ao vôlei. O 'Jornada nas Estrelas' virou um marco. Ele é um inovador. Junto com uma geração, da qual ele é um dos grandes protagonistas, Bernard tirou o vôlei da posição de um esporte bacana, legal, para se tornar um esporte popular, nacional”, exalta Bernardinho. 
“Se eu tiver que citar hoje cinco jogadores, ele estaria entre os melhores do mundo, não tenho a menor dúvida. Em alguns quesitos muito importantes, como velocidade de ataque e de raciocínio, ele era insuperável. Um jogador versátil, muito versátil”, afirma o técnico da seleção brasileira de vôlei masculino, Renan Dal Zotto. 

Quem só o assistiu jogar, também se rende à genialidade de Bernard. 

“Ataque velocíssimo, o saque que realmente quebrava qualquer recepção e, principalmente, um passe que beirava a perfeição”, enumera o jornalista Álvaro José. 

“É um dos caras mais habilidosos que eu vi jogar. Ele passava lá atrás e vinha bater uma primeira bola com dois tempos, coisas absurdas. Eles eram os Globtrotters do voleibol e o Bernard, um dos mentores disso. Todos os técnicos falavam que nunca viram medo no Bernard jogando, o tempo inteiro aguerrido, o tempo inteiro vibrando. Tinha uma habilidade absurda”, detalha Tande.

Família atlética

Bernard tem quatro filhos e o amor ao esporte continua forte na família. Phil Rajzman, o mais velho, é bicampeão mundial de longboard. Bianca, a única menina, mora na Austrália há 20 anos. Guilherme e Bernardo optaram pelo basquete.

“Casa de ferreiro, espeto de pau. Ninguém foi para o vôlei, apesar de eu ter uma quadra de vôlei de praia aqui na minha casa”, diverte-se. 

O vice-campeão olímpico também tem quatro netas. A paixão pelo vôlei ainda pode voltar a predominar entre os seus descendentes. É esperar para ver!

“Eu tenho uma convivência muito grande com ele, é uma relação quase que fraterna”, divide Renan. “No decorrer desses anos, dessas décadas, mesmo várias vezes jogando em time separados, a gente sempre foi muito amigo. Eu posso dizer que o Bernard está na lista dos meus melhores amigos. É uma questão até familiar, porque a esposa dele é muito amiga da minha esposa também. A gente se fala direto. É um cara que, à medida que o tempo foi passando, parece incrível, fomos nos aproximando cada vez mais. É um cara brincalhão, inteligente, muito disponível, preocupado com tudo e com todos. Ele me ajudou muito na minha recuperação (da COVID-19 em 2021), dando uma atenção incrível e se disponibilizando para qualquer coisa. É uma pessoa diferenciada, com um coração enorme e que eu respeito demais. Tenho ele num lugar muito especial no meu coração”, emociona-se Renan.

Homenagem em vida

Primeiro brasileiro a entrar para o Hall da Fama do Vôlei Mundial, em Massachusetts, nos Estados Unidos, em 2005, Bernard Rajzman atribui tudo o que conquistou na vida ao vôlei.

“O voleibol me deu muitas alegrias. Abertura de conhecimentos, de países, de línguas, pessoas, amigos, recursos econômicos. O esporte foi tudo na minha vida! Não sei o que seria de mim se eu não tivesse sido jogador de vôlei. Se eu pudesse voltar atrás, eu faria tudo o que fiz, tim tim por tim tim, sem o menor arrependimento”, agradece. 

Enredo da Escola de Samba Unidos de Lucas, no Carnaval do Rio de Janeiro, em 2003, ele coleciona honrarias como a Ordem do Rio Branco, Ordem do Mérito Desportivo, Ordem do Mérito Aeronáutico, Ordem do Mérito Forças-Armadas e Ordem do Mérito Olímpico. Bernard é o primeiro jogador de vôlei que entrou para o Hall da Fama do COB por causa de seus feitos dentro de quadra. Os também ex-jogadores Bernardinho e José Roberto Guimarães foram homenageados por suas conquistas como treinadores. 

“O COB está diretamente ligado à minha vida. Há tantos anos, oficialmente ou não, eu atuo sempre querendo ajudar o movimento olímpico brasileiro. Para mim é um reconhecimento do órgão mais importante do esporte brasileiro pela minha trajetória também como atleta. Reconhecimento do meu país, o COB representa o país. É uma honraria que eu recebo com humildade, mas com grande alegria, porque é o reconhecimento que, certamente, é muito limitado, não são todos que têm. O melhor ainda é que estão fazendo antes de eu morrer, né? Não quero ser nome de rua! O que tiver que ser, eu quero ser antes de morrer. Um reconhecimento em vida é uma coisa linda, maravilhosa, que a gente pode se orgulhar e passar para tantas gerações, sua família, seus filhos... É muito bacana dividir essa alegria com todos”, festeja.

Bernard Rajzman

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Medalhas em jogos olímpicos

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Bernard Rajzman recebe homenagem do Hall da Fama do COB em 2021

Bernard Rajzman foi um dos símbolos da Geração de Prata do vôlei brasileiro, dono da medalha de prata dos Jogos de Los Angeles 1984, e conhecido mundialmente pela criação do saque Jornada nas Estrelas.
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Bernard e o saque Jornada nas estrelas

Início dos anos 1980, milhares de torcedores brasileiros acompanhavam atentos às imagens de um jovem jogador da Seleção Brasileira de Vôlei: Bernard Rajzman. Alto, louro e bigodudo. O camisa 12 ia para o fundo da quadra e enlouquecia o púbico ao dar uma “paulada” na bola, que caracterizava um tipo de saque que ninguém mais fazia no mundo, só ele. Era o saque Jornada nas Estrelas. Bernard Rajzman foi um dos símbolos da ‘Geração de Prata’ do vôlei brasileiro, dono da medalha de prata dos Jogos de Los Angeles 1984, e conhecido mundialmente pela criação do saque ‘Jornada nas Estrelas’.
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Lives Especiais do COB: Desafios da gestão no novo cenário esportivo

Painel on-line Desafios da Gestão no novo cenário esportivo

Participantes:
Paulo Wanderley (Presidente do COB), Mizael Conrado (presidente do CPB) Andrew Parsons (Presidente do IPC, membro do COI) e Bernard Rajzman (membro do COI, medalhista olímpico).
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Campeonato Mundial de Vôlei
1º LugarOuro
Masculino
Jogos Pan-Americanos
1º LugarOuro
Masculino
Jogos Pan-Americanos
2º LugarPrata
Masculino
Jogos Pan-Americanos
2º LugarPrata
Masculino
Jogos Pan-Americanos
2º LugarPrata
Masculino

ACERVO

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