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Bernardo Rocha de Rezende

Bernardo Rocha de Rezende

modalidade

Vôlei

data e local de nascimento

25/08/1959

Rio de Janeiro

BIOGRAFIA

Sempre inquieto, à beira da quadra, gesticulando muito e dando um show de caretas para demonstrar insatisfação, mesmo quando seu time está à frente no placar. Esta é a imagem emblemática de Bernardinho, cujo temperamento explosivo fornece matéria-prima vasta para a criação de inúmeros memes na internet.  

""A gente tem aquela imagem dele bravo, morde a camisa, morde a bola, está dando uma senhora bronca nos seus atletas, mas, ao mesmo tempo, não perde a linha de raciocínio dele. Ele aponta o erro, mas dá uma solução, tem um equilíbrio emocional para esses dois paralelos. Parece estar muito nervoso, mas, ao mesmo tempo, não perde a estabilidade e passa para os seus comandados a tática precisa para aquele momento. Ele tem aquele feeling da hora que tem que passar a mão na cabeça do atleta, da hora que tem que dar uma bronca; de saber diferenciar o atleta que suporta uma bronca um pouquinho mais forte daquele que não supera. Ele tem esse equilíbrio muito grande”, observa o vice-campeão olímpico William Carvalho, levantador e capitão da ""Geração de Prata.""

Foram essas características que levaram Bernardinho a oito participações em Jogos Olímpicos  – duas como atleta e seis como técnico. Ele soma duas medalhas de ouro, três de prata e duas de bronze, disputando quatro finais olímpicas consecutivas. Como poucos, garantiu o pódio nos dois naipes, e é o técnico mais vitorioso do Brasil. Seu segredo: trabalho duro e integridade. 

Talento e trabalho

Estereótipos à parte, Bernardinho é reconhecido por ter uma visão única do jogo, por ser perfeccionista e por acreditar que trabalho é a receita infalível para superar deficiências técnicas e também para transformar atletas talentosos em “virtuoses”. 

 “Eu devo muito do meu sucesso ao Bernardinho. Ele foi um treinador que acreditou em mim, no meu potencial, apesar de eu ter minhas limitações técnicas, de não ser uma jogadora talentosa. Como ele falava, eu era uma jogadora operária. Por meio de muito trabalho, de muita dedicação, consegui me tornar uma grande jogadora. Aprendi a recepcionar com ele, inclusive ganhando prêmio. Ele realmente foi um revolucionário no vôlei feminino e tem um lema que admiro muito e trouxe para a minha vida: a gente pode até perder uma partida, mas trabalhar, jogar, treinar mais que a gente, ninguém vai. Esse foi o grande diferencial dele, a perseverança, a habilidade de extrair o que cada um tem de melhor e contribuir para o grupo”, reconhece Virna, medalha de bronze em Atlanta 1996 e Sydney 2000 sob o comando de Bernardinho. 

“A importância dele na minha carreira foi total. Existe a Fernanda antes do Bernardo e a Fernanda depois do Bernardo, quando fui eleita a melhor do mundo várias vezes”, reforça a levantadora Fernanda Venturini, medalha de bronze em Atlanta 1996, que foi casada com Bernardinho por 21 anos. “Por ser mulher dele, ele pegava mais no meu pé como fazia com Bruninho (filho) também. Eu treinava mais que as outras”, pontua. 

“Fernanda é muito talentosa. Eu não podia pegar leve, ela tinha que ser talentosa e fazer mais do que as outras. É o que eu acredito: quem tem talento, tem que dar mais. Não posso cobrar 100% de quem tem menos talento, ele vai dar os 100% dele, que é menor do que o do outro. A Fernanda tinha muito talento, uma coisa incrível”, analisa o técnico, que tem duas filhas com a jogadora: Júlia e Vitória. 

Time de estrelas desde o início 

Bernardo Rocha de Rezende começou a praticar vôlei aos 11 anos, no Fluminense, “com um treinador excepcional” chamado Benedito da Silva, o Bené. O time contava com outros três astros da ""Geração de Prata"": Fernandão, Badalhoca e Bernard. 

“Foi o Bené que começou a me chamar de Bernardinho, para diferenciar do Bernard. Ele era um professor de vida, não tinha nenhuma formação acadêmica, mas era muito sábio. Meus pais conferiram a ele parte do tempo da nossa educação. Para você ver a importância que ele teve nas nossas vidas, os quatro irmãos jogaram com ele. Meu filho também. Só a minha irmã não jogou vôlei”, conta o carioca Bernardinho, que é o segundo filho do advogado tributarista Condorcet Pereira de Rezende e da dona de casa Maria Ângela Rocha de Rezende. 

 Nascido em 25 de agosto de 1959, ele treinou natação, judô, futebol e tênis, incentivado pelos pais, antes que o voleibol tomasse conta da sua vida e do seu coração. 

 “Não era só jogar, jogar era o final. O dia a dia, a disciplina, tudo aquilo que envolve o processo para mim é fascinante”, revela.         

Sonho olímpico 

Desde que começou a praticar esportes, o maior desejo de Bernardinho era disputar uma edição dos Jogos Olímpicos. Nos Jogos de 1980, o sonho se tornou real.  

“O desfile de abertura em Moscou tinha o ursinho Misha, que era o símbolo dos Jogos, naqueles painéis humanos, para dar boas-vindas. Ele chora no desfile de encerramento. Foi uma emoção única, a delegação vestida de blazer, nunca esqueço, era um blazer azul claro, com uma camisa de gola rolê amarela. Eu me lembro de tudo e mais alguma coisa”, suspira. “Eu não tinha talento para isso, mas já que eu estou aqui, vou aproveitar, né?”, pensava ele. O Brasil terminou a competição em quinto lugar.  

A geração de Bernardinho deu início à grande revolução do vôlei brasileiro. 

“Foi um privilégio ter participado de um time com tantos craques, pessoas realmente especiais, com um treinador talentosíssimo, que era o Bebeto de Freitas. Aquela geração capitaneada pelo Bebeto e pelo Nuzman, como dirigente, criou as condições para o voleibol se tornar o que ele se tornou, primeiro no masculino, depois no feminino, os passos foram dados em paralelo e a construção foi sendo feita. Ali o vôlei ganha popularidade nacional. O voleibol se tornou uma força nacional, de lotar ginásios e estádios. Em 83, nós jogamos uma partida para mais de 90 mil pessoas num Maracanã chuvoso. Maracanã, não Maracanãzinho! Isso demonstra um pouco da força que o vôlei ganhou”, celebra.  

Pela primeira vez no pódio olímpico 

Bernardinho voltou a uma edição de Jogos Olímpicos em Los Angeles 1984.  

“Quando eu comecei a jogar vôlei, o Bebeto era um ídolo meu. Na minha geração, tinha Renan, Bernard e Amaury, que eram três jogadores excepcionais. Aliás, toda aquela geração era excepcional: William, Montanaro... Era um grupo realmente de um talento incrível”, diz. 

 E foi ao lado dos ídolos que ele subiu, pela primeira vez, ao pódio olímpico. Derrotado pelos Estados Unidos, por 3 a 0, na final, o Brasil sagrou-se vice-campeão. Nascia ali a ""Geração de Prata"", reconhecida no mundo inteiro por seus méritos.  

“Talvez tenha faltado um pouco de maturidade, de experiência, de vivência olímpica. Aquela geração foi desbravadora, o Brasil nunca tinha chegado próximo ao pódio, o time desbravou e talvez tenha cometido erros.Talvez, depois de uma vitória contra os Estados Unidos na chave, tenhamos negligenciado um pouco a final, pois jogamos abaixo do que poderíamos”, diagnostica.  

Nascido para ser treinador 

Inteligente, observador, líder por natureza, como ressaltam os amigos, Bernardinho sempre foi capitão nos times em que jogou, desde as categorias de base. Durante todo o tempo em que esteve na seleção, foi reserva do capitão William, mas manteve suas características de liderança. 

“Eu joguei muitos anos com o Bernardo no clube e na seleção brasileira, até mesmo voleibol de praia. Era um cara que enxergava, desde lá, o jogo de forma diferente. Foi um grande atleta, mas, acima de tudo, ele tinha um poder de liderança dentro de todas as equipes em que jogou e na seleção também. Mesmo não sendo o capitão, ele era um dos caras que liderava a equipe, de uma forma brilhante. Sempre deu sinais, desde de jovem, de que seria um grande treinador, um grande gestor”, declara o vice-campeão olímpico Renan Dal Zotto, que assumiu a seleção masculina quando Bernardinho saiu. 

 “O Bernardo nunca foi um atleta com muita habilidade, mas treinava muito. Na minha opinião, superava tudo porque tinha muita visão de jogo e conhecimento tático, fazia a distribuição certa para os seus jogadores, com isso fazia a diferença. Era impressionante o que ele treinava e conhecia do jogo”, detalha o capitão Wiliam. “Naquela época, ele já se apresentava como um grande treinador. O levantador já leva uma grande vantagem, porque conversa muito com os seus treinadores e todas as bolas passam pelas suas mãos. É ele que tem que ter a consciência tática, de fazer a distribuição certa, e isso ele tinha. Eu achava que ele seria um grande técnico, mas ninguém imaginava que ele iria se tornar o que se tornou, a grandeza de treinador a que ele chegou”, completa. 

Dirigindo jogadoras na Itália 

Em 1986, Bernardo se aposentou da seleção, mas continuou jogando no clube. Em 1988, foi convidado para ser assistente técnico de Bebeto de Freitas nos Jogos Olímpicos de Seul. Em 1989, estreou como técnico num time feminino da Itália.  

“A gente ainda estava casado quando a Dulce Thompson, que jogava na Itália e tinha jogado comigo durante muitos anos na seleção e na Supergasbrás, chamou o Bernardo para ser técnico lá em Perugia. Ele foi e conseguiu salvar o time. Acho que a partir dali ele entendeu... Eu achei que poderia ser uma coisa boa, porque ele já estava no final de carreira como jogador e não estava feliz. Ali foi uma grande chance, uma oportunidade que ele abraçou e começou a se desenvolver muito bem”, compartilha Vera Mossa, ex-mulher de Bernardinho, mãe do levantador Bruninho e atleta olímpica nos Jogos 1980, 1984 e 1988. 

“Eu já era pai do Bruno e precisava trabalhar. Na seleção não tinha salário. Se eu queria viver do vôlei, precisava arrumar uma coisa para fazer e realmente trabalhar, por isso fui para a Itália”, explica o técnico, que ficou no time feminino por dois anos e meio e depois se transferiu para uma equipe masculina, onde permaneceu por um ano.  

Presente nos Jogos  Olímpicos de Moscou, Los Angeles e Seul, ele assistiu às competições de Barcelona 1992 pela televisão.  

“Quem é esse louco?” 

Bem-sucedido na Itália, Bernardinho foi convidado por Carlos Arthur Nuzman, então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, para assumir a seleção feminina em 1993. 

 “A equipe vinha de uma derrota no Sul-americano, eu assumi, e a gente nunca mais perdeu um Sul-americano, onde tinha aquele trauma do Peru”, lembra. “Elas tinham ficado em quarto nos Jogos de 92, uma geração boa, muito talentosa, com Fernanda Venturini, Ana Moser, Marcia Fu, Ana Paula, uma bela geração. Era uma grande oportunidade”, emenda.   

O novo técnico promoveu inúmeras mudanças, incluindo nova metodologia de trabalho, filosofia de time em primeiro lugar, valorização do grupo, treinamento físico, estratégico, velocidade, bolas de fundo... 

 “Começaram a se estabelecer coisas que não eram padrões no feminino. Eu trouxe profissionais da área de preparação física para mudar o patamar de preparação. Atleticamente, nós precisávamos crescer e isso foi algo que nós fomos buscar, um padrão diferente naquele momento”, detalha o técnico, ressaltando que, no início, enfrentou certa resistência por parte das meninas: “Quem é esse louco que vem com trabalho, intensidade, cobrança?”, supõe sobre o pensamento da equipe. 

Assustador 

 Além das novas exigências, o temperamento de Bernardinho também assustou o time. 

 “Foi muito difícil lidar com o jeito dele porque era uma situação que a gente não conhecia, um técnico que tinha esse comportamento para dirigir uma equipe, ainda mais uma equipe feminina, assustou muito. Existiu uma barreira muito grande de aceitação mesmo. A gente falava: 'Ele é maluco!' Mas a gente via que o que ele fazia tinha sentido, que ele seguia uma metodologia, e acabou se adaptando. O que eu acho mais interessante nesse jeito dele é que essa exigência dele é no treinamento também. Mas confesso que no início foi bastante assustador”, divide a levantadora Fofão, que disputou cinco Jogos Olímpicos e contabiliza duas medalhas de bronze - Atlanta 1996 e Sydney 000 – e uma de ouro – Pequim 2008. 

Fazendo história com as meninas 

O primeiro grande desafio dos métodos de Bernardinho foi o Campeonato Mundial, disputado no Brasil, em 1994. A melhor colocação brasileira até então fora o quinto lugar, em 1960, também no Brasil. As meninas chegaram muito bem preparadas, tanto física quanto mentalmente. Já na primeira convocação, o treinador avisara que para disputar com as fortes russas e cubanas as brasileira teriam de ganhar massa muscular e teve a fundamental ajuda do preparador físico José Inácio Salles.  

A seleção fez uma campanha praticamente irretocável, chegando invicta à semifinal contra a Rússia, defensora do título. Depois de estar perdendo por 2 a 1, com apoio de uma torcida enlouquecida, veio a virada no tie-break e a sonhada vaga na final. A decisão foi contra um dos melhores times da história do vôlei feminino: Cuba de Mireya Luiz, Regla Bell, Regla Torres e cia. As cubanas chegaram à final sem perder um set e conquistaram o título que marcou o início de uma hegemonia de anos no esporte.  

À época, o jornal O Globo revelou que as brasileiras tinham apelidado o treinador de Karpolzinho, numa alusão a Anatoly Karpol, o técnico russo multicampeão e conhecido pelas broncas homéricas que dava nas jogadoras à beira da quadra. “Se eu ganhar a metade do que ele ganhou já terá sido ótimo”, disse Bernardinho sem se importar com a comparação. 

Apesar do apelido, as meninas da seleção tinham verdadeira devoção ao jovem treinador, como fica clara na declaração de Márcia Fu: “Se o Bernardo mandar a gente bater a cara na parede no treino, nós batemos, porque sabemos que dará resultado”. 

A fantástica geração cubana foi uma pedra no tênis das brasileiras nos anos seguintes. Nos Jogos Olímpicos Atlanta 1996, a expectativa era chegar à final, mas a estratégia traçada não deu certo. O Brasil estava na mesma chave de Cuba, a grande favorita, e o plano era ir vencendo as partidas e terminar a etapa classificatória em primeiro ou em segundo, para cruzar com Cuba novamente apenas final.  Na fase eliminatória, as brasileiras venceram todas as partidas, inclusive contra Cuba, por 3 a 0, quebrando a invencibilidade do time. Porém, as cubanas começaram mal e terminaram em terceiro lugar. Com isso, Brasil e Cuba acabaram se enfrentando novamente na semifinal, e as adversárias levaram a melhor. 

“Fizemos dois a um, com chance de fechar o jogo. Elas venceram o terceiro, o quarto set, o tie break e levaram. Foi uma final antecipada, foi terrível! Menos de 48 horas depois, o time tinha que voltar à quadra, após uma derrota tão dura, para ganhar da Rússia. E foi duro, como foi duro! Foi 3 a 2 a fórceps, mas conseguimos”, destaca Bernardinho.   

“No dia seguinte à semifinal, ele reuniu a equipe e falou: 'A nossa seleção não merece sair daqui sem uma medalha, por tudo o que foi feito, pelo trabalho, a gente tem que entrar em quadra amanhã porque a gente vai para lá, não para buscar a medalha de bronze, a gente vai buscar a medalha de ouro' Ele falava com sangue no olho. Aquilo ali foi o diferencial, ele ganhou o grupo. E quando a gente entrou na quadra foi realmente para buscar o ouro. Acredito que, talvez, se a gente tivesse se sentido derrotada no jogo contra Cuba, depois nós não conseguiríamos esse feito para o vôlei feminino, que era trazer a primeira medalha olímpica tão merecida. Ele foi fundamental nessa conquista”, diz Fofão.  

Um bronze inédito. As meninas do Brasil estavam no pódio olímpico pela primeira vez. Embora tenha entrado para a história como o técnico da equipe que conquistou a primeira medalha olímpica do vôlei feminino, Bernardinho desvia o foco de si mesmo.  

“Eu não sou afeito a esses marcos, tenho uma memória especial por ter estado com essas meninas. A medalha do treinador é poder observar a equipe lá em cima, a bandeira subindo, elas ali perfiladas. Esse é o grande marco para mim” diz. 

Cuba de novo, bronze de novo 

O ciclo olímpico até Sydney 2000 foi marcado por renovação. Veteranas se aposentaram e jovens jogadoras se juntaram ao time. E mais uma vez seleção brasileira esbarrou em Cuba, na semifinal, e perdeu a chance de ir à final. Desta vez, porém, conquistou o bronze, com tranquilidade, ao vencer os Estados Unidos por 3 a 0.  

“Cuba era a pedra no nosso sapato olímpico”, brinca Bernardinho. “Faltava competência, crescer, fazer o que as gerações seguintes conseguiram fazer. Em 2004, as meninas não foram bem, mas 2008 e 2012 brilharam. Não havia mais o domínio de Cuba. Em 2000, Cuba começa a declinar. Entre 1992 e 2000, Cuba foi absolutamente dominadora. Foi complexa a questão com Cuba, tricampeã olímpica. Depois o Brasil ascende muito, sob o comando do Zé Roberto, com várias jogadoras excepcionais surgindo, crescendo. A 'Geração de Prata' abriu portas para que as gerações sucessivas viessem, talvez a 'Geração de Bronze' do feminino tenha aberto portas para as 'Gerações de Ouro' que vieram. Tudo é um processo, você vai crescendo. O feminino se viu no pódio, como medalhista e dali para dar um passo... Foi um passo que as equipes do Zé Roberto deram”, constata.   


Desafio no masculino 

Depois de garantir dois bronzes olímpicos com as meninas, em 2001 Bernardinho recebeu a proposta de assumir a seleção masculina, que não havia alcançado um bom resultado nos Jogos Sydney 2000. 

 “Foi difícil tomar a decisão porque eu estava muito bem no feminino. Eu imaginei duas coisas: que o feminino poderia ter um novo um treinador, que poderia agregar novas formas e conhecimentos, como aconteceu. E para mim o masculino era um desafio novo, eu acreditava que poderia trazer muita coisa do feminino, agregar a nossa experiência no masculino e fazer uma coisa diferente do que estava sendo feito. Diferente, não é melhor, nada disso, é diferente”, relata o técnico. 

Bem recebido pelo grupo, o novo técnico não teve maiores dificuldades além das comuns a toda fase de adaptação. 

“No início, foi um tratamento de choque, realmente. A gente treinava muito, praticamente não tinha folga, mas logo percebeu que a essência do trabalho dele seria essa, de muito sacrifício, muito suor, muito treinamento, muita preparação e que isso é que daria confiança de a gente chegar nos momentos importantes e decidir em certos momentos. A gente se questionou: 'Será que precisa treinar tanto? Será que precisa fazer isso tudo?' E quando o primeiro resultado veio, logo na Liga Mundial, a gente viu que sim, que era necessário e que aquele seria o nosso mantra, aquela seria a nossa marca de trabalho”, diz o campeão olímpico Nalbert. 

Campeões e futuros campeões 

A estratégia de Bernardinho foi mesclar jogadores jovens a atletas consagrados, como os campeões olímpicos Giovane e Maurício. 

 “Eles eram campeões olímpicos que vieram como soldados. Giovane dizia: 'Se eu ficar no banco, eu vou ser o melhor banco que o voleibol já teve, o melhor reserva'. Esse espírito que eu queria trazer. Como é que um jovem poderia chegar à seleção e dar menos que os 100% que o campeão olímpico estava dando lá? Eles foram exemplos”, explica o técnico. 

“Tenho um carinho muito grande pelo Bernardinho porque ele me deu a oportunidade de me reinventar. Eu estava voltando da areia, da praia, em 2000, ele assumiu e eu tive a oportunidade de voltar para a seleção e continuar por mais um ciclo. Foi um período muito positivo. Eu me identifiquei muito com a forma dele de treinar. Num determinado momento, eu estava quase desistindo, ele não me deixou desistir e foi importante para eu me reinventar, para encontrar o meu papel dentro do processo, dentro de um cenário completamente diferente. É uma pessoa extraordinária que consegue tirar o máximo de todo mundo”, elogia o bicampeão olímpico Giovane Gávio.  

Pressão e favoritismo 

Em 2003, a equipe brasileira assumiu liderança do ranking mundial e ganhou a Copa do Mundo e o Mundial, tornando-se a grande favorita à medalha de ouro  em Atenas 2004.  

“Fizemos um ciclo olímpico espetacular. Ele é o grande responsável por tudo isso, o grande gestor. Chegar aos Jogos Olímpicos carregando esse favoritismo não é fácil, é uma responsabilidade maior. Nós sabíamos que era grande coisa a gente chegar lá e ser campeão olímpico de novo. O Bernardo é um cara espetacular dentro e fora de quadra. É dedicado, perfeccionista, otimista. Ele sabe como poucos fazer o time pensar num só objetivo”, analisa o levantador Maurício Lima, ouro em Barcelona 1992 e em Atenas 2004   

Enfim, campeão olímpico 

No ano dos Jogos, Nalbert se machucou, as dúvidas se juntaram à pressão, mas tudo deu certo. Mesmo perdendo para os Estados Unidos na fase de classificação, por 3 a 1, o Brasil se superou e venceu os americanos, por 3 a 0, na semifinal. O bicampeonato olímpico foi assegurado na vitória sobre a Itália por 3 a 1 na final. O título que não conquistou como jogador, Bernardinho teve a oportunidade de alcançar como técnico.  

“Eu tive a honra de trabalhar, mais uma vez, com uma geração com muito talento. Realmente a geração de 2004 foi das mais brilhantes, conquistou tudo, tudo. A gente tem uma coisa que chama triple crown (tríplice coroa), que é conquistar Mundial, Copa do Mundo e Olimpíada no mesmo ciclo. Dois países fizeram isso: Brasil, nos anos 2000, e Estados Unidos, nos anos 90. S.ó, ninguém mais”, orgulha-se o técnico. 

“Eles tinham um talento incrível e uma vontade de trabalhar única. Esse time foi referência mundial, você jogava com a camisa amarela e todo mundo assustava, todo mundo nos reverenciava. Eles tinham uma característica que os campeões têm que ter: eles se sentiam confortáveis no maior desconforto possível. Eles tinham essa característica dos espartanos, ou seja, eles queriam sangue, esportivamente falando, eles gostavam dos grandes desafios, isso é uma coisa que os grandes campeões têm em comum, e eles são grandes campeões”, emenda.  

Disciplina e polêmica 

Um dos fatos de maior destaque no ciclo olímpico para os Jogos Pequim 2008 foi o corte de Ricardinho, capitão da equipe, às vésperas dos Jogos Pan-americanos 2007, no Rio de Janeiro. A vaga aberta foi preenchida por Bruninho, filho de Bernardinho, terceiro levantador. 

 “Ter o Bruno ao meu lado em Pequim foi maravilhoso, mas, ao mesmo tempo, muito duro, porque ele substituiu o Ricardinho que era a referência. Se você parar e pensar na história, quatro anos antes ninguém acreditava no Ricardinho. Nós acreditamos porque eu via nele um talento único, mas tem um momento em que o Ricardo desalinha um pouco dos valores. Não foi problema de caráter, de forma alguma. Eu não me orgulho nem um pouco de ter feito o que eu fiz, mas era necessário ser feito, porque eu precisava que a seleção lutasse pela sua cultura e pelos seus valores, que são integridade, time em  primeiro lugar e trabalho duro. São valores dos quais a gente não pode abrir mão. Eu tive que tomar uma atitude daquela. Você não tem noção do quanto eu sofri. Não era para ser o que foi, mas aí vem a mídia. É quase uma briga de família que você quer tornar pública, propositalmente, para criar uma celeuma maior e impossibilitar re-conexões, destruir pontes. Tem ego também, tem um monte de coisa nessa história”, explica Bernardinho sobre o corte de Ricardinho, sem conseguir conter a emoção.  

“Talvez eu tenha errado com o Ricardinho, mas o momento era para fazer aquilo. Eu penso assim, se eu tivesse feito alguma coisa tão injusta, como algumas pessoas quiseram mostrar, movido pelo nepotismo, você acha que o restante da equipe teria lutado por mim e me seguido como líder durante tantos anos? É simples responder a isso, mas ninguém quer ver isso com bom senso. Foi muito duro, muito, muito duro. Em 2007, no Pan-americano, o Bruno foi vaiado no Maracanãzinho lotado. Não era justo com ele porque o responsável era eu, ele não tinha nada a ver com isso”, emociona-se.  

“Filho do técnico” 

Em pouco tempo, Bruninho tornou-se titular da equipe, mas não sem antes ser exigido ao extremo.  

“Foi incrível ter o Bruninho em Pequim, fazendo o trabalho dele, o time dando suporte porque eu brigava muito com ele Eu fui muito duro com ele. Ele disse uma coisa numa entrevista que me deixou até (pausa para a emoção). Ele disse assim: ‘No final de semana, eu evitava o meu pai. Eu ia para casa dele e ele fugia’. Eu queria mostrar justiça e aí eu cobrava dele, eu era justo com ele, os jogadores brigavam comigo. Errei muito, mas na tentativa de fazer o melhor”, confessa Bernardinho. 

“Ser filho do treinador não é simples. As dificuldades que eu tive foram as normais: ser cobrado, às vezes ter os olhares de julgamento ainda maiores, principalmente no início. Eu tive que provar que eu merecia estar ali”, desabafa Bruninho que, segundo o pai, herdou o talento da mãe, Vera Mossa.  

Duas finais, duas pratas 

Sem o favoritismo dos Jogos Olímpicos anteriores, o Brasil chega à final contra os Estados Unidos em Pequim 2008, tendo perdido uma única partida para a Rússia, por 3 a 1.  A equipe perdeu o oposto Anderson e se ressentiu. 

 “A gente fez 1 a 0 e tinha chance de jogar mais com eles. Claro que eles poderiam ganhar. O time dos Estados Unidos chegou depois de lutar, chegou com méritos, mas se a gente tivesse essa peça... No quarto set, eu mudo o time e jogo sem o oposto de função. O Anderson fez falta porque ele era o backup natural do André Nascimento. A gente fecha Atenas 2004 com o Anderson dentro, o Mundial de 2002 com o Anderson, era aquela troca correta, perfeita que nos dava um algo mais. Não é um álibi, apenas uma avaliação técnica que poderia ser um pouco diferente”, esclarece Bernardinho. A seleção brasileira é derrotada por 3 a 1 e vai para o pódio desolada. Era a segunda medalha de prata da história do vôlei masculino.  

Em Londres 2012, o Brasil fica novamente com a prata, ao ser derrotado pela Rússia, na final, por 3 a 2.  

“Em 2012, foi a derrota mais dura que a gente sofreu. Fizemos 2 a 0. O placar estava 21 a 19, faltando quatro pontos, o ouro estava aqui, e a gente perdeu. Vira e mexe eu me pego pensando no porquê. Faltou um pouco de vigor físico ao time, mas foi uma mescla. O Giba estava com a canela ruim, com fratura; o Dante começou a sentir o joelho; o Leandro machucou o adutor na quarta-de-final; o Wallace passou a ser titular. Você vai perdendo opções, contra um time muito forte fisicamente. E aí a gente perde aquela final”, lamenta o técnico, ressaltando que a seleção tinha conquistado um patamar tão elevado que, quando não ganhava o ouro, gerava frustação. “Você não conquistava a prata, perdia o ouro. A medalha de prata você ganha depois de uma derrota, o bronze você ganha depois de uma vitória. A gente lembra da derrota ainda”, completa. 

Ouro em casa é especial 

Nos Jogos de 2016, no Rio de Janeiro, depois de vencer as duas primeiras partidas, contra México e Canadá, por 3 a 1, o Brasil perde para os Estados Unidos e para a Itália, também por 3 a 1, e se vê obrigado a vencer a França para não ser desclassificado. 

 “Se você me perguntar qual foi o jogo mais tenso de 23 anos de seleção, eu falo: foi o jogo contra a França, em 2016. Se a gente tivesse perdido aquela partida, a gente teria ficado em nono lugar. A França era uma das favoritas ao ouro, ficou no meio do caminho. A gente ganhou o jogo mais tenso do mundo, 3 a 1, no sufoco”, recorda Bernardinho. Na semifinal, a equipe, engasgada com o resultado da final dos Jogos anteriores, atropela a Rússia, por 3 a 0.  

Considerada favorita e invicta na competição, a Itália chega à final de forma brilhante.  

“Nós estudamos, mudamos a forma de jogar e fomos para a final: 3 a 0, sempre com dois pontos de diferença. Não foi fácil. O último ponto do jogo está totalmente gravado na cabeça. Eu me lembro de cada detalhe”, revela Bernardinho.  

O Brasil era ouro mais uma vez, o terceiro ouro da seleção e o segundo do técnico mais vitorioso do esporte nacional. Era a sétima medalha olímpica na quarta final consecutiva. E o que isso significa para ele?  

“Eu, sinceramente, não sou muito de fazer balanços. Até porque o treinador não ganha medalha física. Eu tenho uma medalha como jogador e seis réplicas de medalhas. Mas se olhar, quatro finais, dois ouros e duas pratas olímpicas, na história, quem tem isso no esporte coletivo? A NBA, no basquete nos Estados Unidos, talvez; Cuba no feminino tem três ouros, mas não tem quatro seguidas. São conquistas que ninguém tem, num país que não tinha a tradição nem as condições de alguns outros países, mas que realmente fez por onde. Eu era uma peça com relevância dentro do negócio, mas eu tive gerações incríveis, com características diferentes, os espartanos lá atrás, uma geração diferente em 2016”, enfatiza. “A ficha demorou muito para cair. Eu estava anestesiado depois daquela partida. A emoção foi vê-los lá em cima. Se você sonha chegar nos Jogos Olímpicos, o máximo do sonho é o pódio e a bandeira subindo. O apogeu do sonho é ouvir o hino nacional tocando. Eu tive duas chances de ver isso. Emoção maior ainda é isso tudo acontecer com seu filho em cima do pódio”, festeja.  

“Ser campeão olímpico no Brasil foi algo especial para toda a equipe. Para mim mais ainda porque foi a minha despedida com a camisa da seleção brasileira e encerrar a carreira com o título no nosso país foi a melhor coisa do mundo”, festeja Serginho.         

A foto que resume tudo 

Para Bernardinho, ver as famílias celebrando a vitória junto com os jogadores foi especial.  

“Ver o Bruno ganhando um ouro olímpico na nossa cidade, onde ele nasceu e eu nasci, as minhas duas filhas abraçadas com ele... (pausa para a emoção). Foi a imagem mais linda que vi na minha vida”, comove-se. 

Ele lembra que, depois que a premiação terminou, todas as famílias foram para o pódio: a mãe do Wallace, o Lucão sozinho com a bola na barriga porque tinha acabado de nascer o filhinho dele e a esposa não estava lá, o pai do Lucarrelli, que faleceu em 2020, filhos, esposas... A Vitória no meu ombro e a Júlia do meu lado e o Bruno lá, obviamente. A mãe da Vera Mossa, avó do Bruno. Aquela foto das famílias no pódio para mim é a imagem mais emblemática. Aquilo era o time, entendeu? Se não fosse por essas pessoas, nada teria acontecido. Se eu pudesse botar na minha casa uma foto da conquista olímpica, não seriam os 12 atletas, seria essa foto, meio bagunçada, mas com todo mundo lá”, conta. 

“Eu não sou um cara muito religioso, mas, de vez em quando, converso com o Papai do Céu. Eu não me esqueço de ver a avó do Bruno, dona Maria Helena, mãe da Vera Mossa, na cadeira de rodas, sentada lá, com o tercinho dela rezando, quando a gente ganhou o jogo da França. Quando a gente conquistou a medalha de ouro, eu a vi lá e disse: 'Papai do Céu, eu não quero mais nada, não. Você já fez muito por mim, está tudo certo, deixa que eu toco agora'. Eu não podia pedir mais nada, não”, confessa.      

Um homem de família 

Economista de formação, Bernardinho demostra extrema gratidão aos pais – ao pai pela inspiração e à mãe pela disciplina -, aos irmãos e à família.  Aliás, família é uma das coisas mais valorizadas por ele.  

“A distância dos meus filhos foi o preço a ser pago. Não vi o nascimento da minha segunda filha, não vi festa junina durante nove anos, o Bruno foi batizado aos nove anos de idade porque eu não tinha tempo para fazer as coisas. Eu sempre fui muito família, vamos almoçar junto, vamos estar juntos. Tenho certeza de que em muitos momentos eu falhei, isso é duro. Deixei a seleção e não melhorou muita coisa, minha vida continua louca, mas eu tenho tentado cada vez mais estar próximo, estar sempre presente, não só ser o provedor, mas mais do que isso”, divide.  

Definindo-se como work in progress (trabalho em progresso, em inglês), ele diz que não é um homem realizado e que ainda quer muita coisa ainda.  

“Sou grato por tudo o que eu tive, sou grato pelas lições que a vida me deu também, mas quero melhorar muito ainda, quero fazer muito ainda. Eu me definia erroneamente como perfeccionista lá atrás. Eu sou um caçador de evolução, quando acho que não estou melhorando, não estou me evoluindo, me sinto mal. Tenho humildade para aprender. A cada momento que passa, a única coisa que aumenta são as minhas dúvidas”, completa.   

Embora tenha encerrado a carreira na seleção brasileira, ele continua a atuar como técnico no clube e se dedica a ministrar palestras, aos negócios (restaurantes, uma rede de academias, uma escola de vôlei e uma empresa de ensino), ao Instituto Compartilhar e aos livros. Tem dois dois publicados:  “Bernardinho – Cartas a Um Jovem Atleta - Determinação e Talento: o Caminho da Vitória” e “Transformando Suor em Ouro” - e um em produção, sobre derrotas e lições. 

Hall da Fama 

A entrada no Hall da Fama do COB o deixa constrangido.  

“Eu não tinha o menor talento para estar onde eu estou, eu não tinha a menor condição de estar no Hall da Fama do COB. Eu estar lá do lado de pessoas por quem tenho uma admiração enorme, um respeito gigante, que me inspiraram sem saber que inspiraram, imaginar que agora eu estou ali com uma leva, meio que inicial desse movimento espetacular que é o reconhecimento, é uma honra. Eu me sinto um pouco constrangido de estar do lado de gente que eu acho que é melhor do que eu, que tem um quê de talento, de dom. Existem alguns esportistas que têm algo de divino, quase uma obra de arte, um Michelangelo fazendo alguma coisa. Eu sou um pintor de parede! Tenho que ralar, trabalhar muito para fazer alguma coisa. Pode me colocar lá no final do Hall da Fama”, brinca.  
 
Bernardo Rocha de Rezende

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Medalhas em jogos olímpicos

Vídeo

Bernardinho é homenageado no Hall da Fama do COB em 2019

Como jogador, Bernardinho participou das campanhas dos Jogos Olímpicos Moscou 1980 e Los Angeles 1984, onde a equipe conquistou a prata. Assumiu o comando da seleção feminina em 1994, ajudando a equipe a conquistar a medalha de bronzes em Atlanta 1996 e Sidney 2000. A partir de 2001, Bernardinho virou técnico da seleção masculina e levou o Brasil a mais três pódios olímpicos: ouro em Atenas 2004 e prata em Pequim 2008 e Londres 2012. 

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Masculino
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3º LugarBronze
Masculino
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3º LugarBronze
Jogos Olímpicos
3º LugarBronze
Jogos Olímpicos
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Jogos Olímpicos
2º LugarPrata
Jogos Olímpicos
2º LugarPrata
Jogos Olímpicos
1º LugarOuro

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