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Hélia Rogério de Souza

Hélia Rogério de Souza

modalidade

Vôlei

data e local de nascimento

10/03/1970

São Paulo

BIOGRAFIA

 

Uma das mais carismáticas capitãs que a seleção brasileira de vôlei já teve encerrou sua carreira bem longe de casa. Com uma trajetória de 17 anos de quadra, Hélia Rogério de Souza Pinto, a Fofão, fez seu último jogo em uma arena olímpica em 23 de agosto de 2008, no Ginásio Indoor da Capital, em Pequim, na China. Depois de defender o Brasil na grande final contra os Estados Unidos e celebrar a vitória por 3 a 1, ela se despediu com medalha de ouro no peito e o título de melhor levantadora da competição.

Foi um dia mágico que coroou uma jornada de trabalho intenso e de muita persistência no sonho de ser campeã olímpica. Discreta em relação aos sacrifícios feitos na esfera pessoal e ao esforço que envolveu a sua rotina de atleta de alto rendimento, Fofão sempre buscou o silêncio e a quietude para não perder o foco e superar os desafios que se apresentavam, tanto nas quadras como na vida. 

“O principal ingrediente para o meu sucesso foi a resiliência. A gente passa por muitos desafios na vida, como a falta de oportunidades, por exemplo. E isso faz com que a gente deixe de confiar na nossa capacidade. Se você não acreditar na sua capacidade e no que você quer alcançar, acaba parando no meio do caminho. Fui muito resiliente e acho que isso foi um diferencial. Eu tinha tudo para desistir, tudo para não dar certo. Porém, as dificuldades, além de me fortalecerem e me permitirem saber do que eu era capaz, me levaram onde eu realmente queria chegar”, avalia Fofão em entrevista exclusiva ao Hall da Fama digital do COB.

Velha infância

No final da década de 1970, quando televisão colorida era coisa de gente rica e não havia internet, muito menos videogame, a meninada costumava brincar na rua, na maioria das vezes correndo atrás de uma bola. “Eu me apaixonei pelo vôlei brincando na rua. Era uma criança que fazia todo tipo de esporte. Falava que era esporte, eu gostava. Mas não tinha nenhum em especial com o qual eu me identificasse. Joguei basquete, handebol... gostava de tudo”, lembra a jogadora. 

Nascida em 10 de março de 1970, em Lauzane Paulista, bairro da zona norte de São Paulo, Fofão é a quinta filha de uma família de sete irmãos. Seu pai era conhecido por todos por ser o técnico do União Futebol Clube. “Era um time de futebol bem forte. Meu pai era sapateiro, o seu Tião, o homem do chapéu. A família já se destacava no esporte, mesmo de forma amadora, a gente já tinha o DNA forte do esporte”. Dois irmãos de Fofão jogavam futebol, enquanto três das quatro irmãs jogavam vôlei.  

Professora de visão

Seguindo o caminho das irmãs, a pequena Hélia começou a se aventurar no vôlei e, em função de sua habilidade, acabou chamando a atenção de dona Selma, professora de Educação Física da Escola Municipal de Primeiro Grau Marcos Mélega. Graças ao incentivo da mestra, Helinha e outras duas meninas participaram de uma “peneira” no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), no Ibirapuera. 

“No dia do teste, eu nem sabia direito o que tinha ido fazer lá. Ninguém me falou que era uma avaliação. Eu estava tão empolgada que nem perguntei o que tinha que fazer. Cheguei lá meio no escuro, junto com aquele monte de criança. A lembrança que tenho é que fui brincar de jogar vôlei. Não senti pressão alguma, porque para mim era divertimento e isso me ajudou e permanecer tranquila, não havia cobrança”, recorda. 

A “peneira” reuniu meninos e meninas de várias regiões da capital paulista, durante três dias. Fofão, então com 12 anos, foi a única aprovada. “Ali, eu não estava competindo, era como se estivesse brincando no meu bairro, era isso que eu tinha na cabeça. Eu corria atrás da bola, procurava o jogo, fazia o que mandavam. E isso acabou chamando a atenção dos avaliadores”, conclui.

Vida de atleta

A partir da aprovação no teste, a rotina, daquela que viria a ser uma das mais conhecidas jogadoras do vôlei brasileiro, mudaria completamente. Acordar às cinco horas da manhã, enfrentar a baldeação entre duas ou três conduções para ir e outras tantas para voltar, aprender a andar sozinha pela cidade, ficar quase sem tempo para descanso e, além de tudo isso, ainda dar conta da escola. Esses foram alguns dos primeiros desafios de Hélia, a partir do momento em que foram iniciados os treinos, três vezes por semana, no Centro Olímpico. 

“Era tudo muito longe, o que tornava a rotina bem cansativa. Ali, comecei a ver o que era o esporte para valer, era preciso ter muita disciplina”, destaca Fofão, lembrando que costumava almoçar no Centro Olímpico, ajudar na limpeza da quadra e tirar um cochilo por lá mesmo. 

Vinda de família de origem simples, ela se esforçava para tornar a própria rotina o menos dispendiosa possível. As despesas com transporte, por exemplo, não eram cobertas pelo COTP, sobrecarregando o orçamento doméstico. “Até tudo dar certo, meu pai que segurou as pontas. Essa história dos treinos gerava gastos. Era um dinheirinho que fazia falta e eu só pensava em fazer tudo bem direito para não decepcionar a família”, revela Fofão. 

Na metade do primeiro ano no COTP, a postura equilibrada de Hélia diante de uma derrota chamou a atenção do Coronel Maurício Cardoso, coordenador do Centro Olímpico, e ela conseguiu patrocínio de uma empresa, no programa Adote Um Atleta. 

“Com o patrocínio, as coisas melhoraram muito, porque meu pai não precisava mais gastar dinheiro para me ajudar. Eu usava só o vale-transporte e deixava todo o dinheiro que recebia com meu pai, para colaborar nas despesas da casa. Fiquei feliz com esse avanço, porque sabia bem como era difícil para a minha família arcar com aquele meu projeto pessoal. E, de repente, poder contribuir, mesmo que não fosse com muito, era uma retribuição pelo o que o meu pai fazia por mim”, emociona-se Fofão. 

Nasce a Fofão

Hélia já estava há quase três anos no COTP quando João Crisóstomo, então técnico da equipe do Pão de Açúcar/Paineiras Esporte Clube, passou uma semana por lá, observando as jogadoras. Ao final deste período, decidiu levá-la para o time dele. Como achou as bochechas da menina muito parecidas com as do personagem do programa infantil Balão Mágico, o técnico simplesmente deixou o nome Hélia de lado e passou a apresentá-la para todos como Fofão. 

“Ele cismava com as minhas bochechas, ficava apertando toda hora. Não me vinha à cabeça quem era esse Fofão do Balão Mágico. Quando cheguei em casa, contei para o meu pai e ele odiou, ficou bravo, mas não teve jeito. As meninas também estranharam essa história de chamar uma pessoa de Fofão. Eu não gostava, ficava um clima meio estranho. Mas, aos pouquinhos fui, me acostumando.” O técnico dizia que o apelido era para diferenciar a jogadora Hélia de outra atleta, cujo nome era Hélina. 

O encontro que mudou uma vida

Foi no Pão de Açúcar/Paineiras E.C. que Fofão conheceu o técnico tricampeão olímpico José Roberto Guimarães, que, na época, comandava a equipe adulta do clube. Um dia, faltou uma levantadora e, de improviso, o técnico chamou a atleta, que era reserva, para jogar nessa posição. Dois anos depois, ele sugeriu a ela que mudasse de posição em quadra, assumindo um outro perfil e passando de atacante a levantadora. 

“A princípio, eu não queria, recusei. Até que teve uma hora em que falei para mim mesma: Por que não? Por que não tentar? E comecei a treinar com o Zé. Era um tempo extra, depois do treinamento regular. Ele me dava quase uma sessão de personal, tudo para me ensinar a ser levantadora.”

“Quando eu a vi tocar na bola pela primeira vez, o que me chamou a atenção foi a calma, a simplicidade. Ela fazia tudo com muita tranquilidade, sem muito alarde. Ela sempre foi uma jogadora muito comedida, muito simples na execução, mas muito objetiva. Ela sempre foi muito observadora, calada, ouvia muito e falava pouco. Eu nunca vi a Fofão brincando nem em treino, nem em jogo. Ela era muito séria, muito focada nos objetivos. Desde muito jovem, sempre foi assim”, lembra José Roberto Guimarães. 

Forjada pelo técnico

Talento natural e foco, porém, não eram nada sem esforço e dedicação. Fofão pagou um alto preço para se tornar levantadora. “No início dos treinamentos, sofri, chorei, briguei, xinguei porque, para ser levantadora, tem todo um processo, não é chegar ali e levanta pra cá, levanta pra lá. Eu achava que era isso”, confessa. A jogadora segue: 

“O Zé chegou com muita informação que eu não conhecia. E eu pensava: 'Meu Deus do céu, esse homem vai me matar, eu não consigo raciocinar'. Ele me pressionava e, para todas as orientações, sempre havia um porquê. Em um jogo, a levantadora é pressionada o tempo todo, eu precisava saber lidar com essa pressão. Mas, como ainda não estava preparada, ficava achando que ele não gostava de mim. Na minha cabeça, a história acontecia mais ou menos assim: ele não gosta de mim e está querendo me prejudicar. Eu não tinha uma outra visão. Até que chegou o momento em que ele explicou tudo para o meu pai: ‘Realmente, estou pegando pesado porque vejo muito potencial nela’.”
Fofão admite que pensou em desistir. Houve uma hora em que ela simplesmente não queria voltar para os treinos. Foi um período duro até que entendesse que a vida como levantadora era aquilo ali e que não seria fácil. O técnico era cuidadoso e, na verdade, estava preparando a atleta para encarar os desafios. “O processo todo foi muito difícil, chorei muito mesmo até entender qual era realmente a importância da levantadora. Foi quando decidi: não vou desistir, vou continuar, seguir em frente”, desabafa Fofão.

A surpresa de estar na seleção

Um ano depois de se tornar levantadora, em 1991, Fofão foi convocada, pela primeira vez, para a seleção brasileira adulta, pavimentando o caminho rumo aos Jogos Olímpicos. Anteriormente, ainda como atacante, a atleta viu ser frustrada a sua expectativa de ser convocada para o time juvenil. “Fui destaque como melhor atacante. Quando veio a lista das convocadas e vi que não estava entre as 18 ou 20 escolhidas, não lembro bem ao certo quantas jogadoras estavam sendo escaladas. Aquilo me chateou. Naquele momento, achei que tinha que parar. Fiquei desencantada. Nem em sonho passava pela minha cabeça ir para a Seleção adulta naquela altura”.

Mas o convite veio.Pouco experiente até então, Fofão conta que ficou assustada ao entrar no grupo com jogadoras mais tarimbadas. “Mas sempre pensei que precisava estar no meio das melhores. E o lugar ideal para evoluir era ali. Cheguei muito insegura, mas pensei: se quiser ser a melhor, não posso desistir. Então, fui adiante, com medo mesmo, mas eu fui.”  



Atleta olímpica

Ansiosa e cheia de expectativa, Fofão fez sua estreia olímpica em Barcelona 1992. Segundo ela, foi preciso fazer um esforço para evitar o deslumbramento. Naquela ocasião, a maioria das suas companheiras de equipe já tinha experimentado a emoção de estar em uma edição dos Jogos Olímpicos. 

“Do meu lado, eu pensava assim: 'Não é possível que elas não estejam sentindo o que eu estou sentindo!' Era um desespero de querer sair correndo. Todo dia, eu abria a janela para ver se era verdade, se eu estava lá mesmo, eu não tinha noção do que era aquilo ali”, explica. 
A campanha da seleção brasileira foi intensa. O encerramento da participação naquela edição olímpica se deu na disputa pela medalha de bronze, quando o Brasil enfrentou os Estados Unidos e ficou em quarto lugar após a derrota por 3 a 0. Para Hilma Aparecida Caldeira, uma das poucas estreantes em Barcelona ao lado de Fofão, de quem viria a ser uma grande amiga, a possibilidade de estar nos Jogos já foi um passo e tanto: “Foi uma excelente experiência, aprendemos muito. Passamos momentos incríveis”. 

De frente com o ídolo

Até aquele momento, a trajetória ascendente no esporte não havia motivado em Fofão a buscar, em um outro atleta do vôlei, inspiração para a carreira. A jogadora lembra que não fazia o estilo tiete. Mas, tudo mudou quando ela se tornou levantadora e começou a observar o estilo de Maurício Lima, levantador da seleção masculina. 

“Tornei-me fã do Maurício antes de Barcelona. Eu competia com outras levantadoras e queria sempre ter um diferencial para poder ter oportunidade na equipe, senão seria apenas mais uma jogadora. Comecei a observar o Maurício e disse: 'Poxa! É isso que eu preciso para poder aparecer'”, relata Fofão. Os dois se conheceram nos Jogos Olímpicos e a simpatia do jogador deixou a levantadora ainda mais fascinada por ele. Hoje, os dois são grandes amigos.

“Sinto-me muito honrado por ter sido exemplo para uma grande campeã. Este reconhecimento da Fofão é um dos grandes troféus da minha vida, serei eternamente grato. Por sua determinação e luta, ela é um exemplo a ser seguido”, elogia o bicampeão olímpico Maurício. 
Fofão presenciou a conquista histórica do vôlei masculino naquele 9 de agosto de 1992, quando o Brasil ganhou o primeiro ouro olímpico em um esporte coletivo. No dia da emocionante final contra a Coreia do Sul, Fofão estava no ginásio e ficou impactada com o feito brasileiro. 

“Aquilo mexeu muito comigo, a gente conseguia perceber a imensa repercussão de ter uma equipe brasileira no pódio. Ver os meninos com a medalha de ouro no peito foi muito forte, muita emoção, de verdade. E vendo aquilo, decidi que ali estava um objetivo a ser traçado, aquela era a meta: subir no pódio”, relata Fofão.


Uma nova postura

Com tudo o que viveu na sua primeira participação nos Jogos Olímpicos, Fofão voltou de Barcelona com outra mentalidade, com uma visão diferente do vôlei e do que pretendia para a carreira. “Viraram todas as chaves possíveis na minha cabeça. Comecei a nivelar o vôlei a partir dali. Concluí que aquele era o nível de esporte que todo atleta precisava experimentar. Os Jogos Olímpicos são uma competição especial, diferenciada, não tem outra que se equipare ou se assemelhe. O país para pelo esporte, para ver você. Não tem como voltar igual de uma edição dos Jogos, você só pensa em sempre estar ali, em vivenciar aquilo de novo”, empolga-se a atleta que, felizmente, pode repetir a emoção de estar nos Jogos Olímpicos por outras quatro vezes. 

Segundo Jogos Olímpicos, primeira medalha

Mais experiente e certa de que estaria por mais tempo atuando na quadra, Fofão embarcou com uma postura diferente para os Jogos de Atlanta 1996. “Eu não era mais aquela menina abobada. Não vivia mais aquele clima de novidade, estava, sem dúvida, mais preparada”, detalha. Sob o comando do técnico Bernardinho, a equipe teve um desempenho excelente e permaneceu invicta até a semifinal, quando esbarrou com Cuba e perdeu por 3 a 2. 

“Brasil e Cuba espelhavam uma das maiores rivalidades que o vôlei feminino historicamente já teve. A gente passava uma temporada treinando e guardava todas as forças, energias e estratégias para jogar contra as cubanas.”
Passado o trauma com Cuba, a seleção feminina do Brasil seguiu na competição e alcançou, em Atlanta, seu primeiro pódio olímpico, com um placar de 3 a 2 sobre a Rússia. Assim, veio um bronze com sabor de ouro. “Foi maravilhoso porque a gente merecia muito. A medalha resume a história daquele ciclo. Estávamos mais felizes do que a equipe que ficou com a prata. Elas chorando, e a gente fazendo uma festa porque aquele bronze representou ouro para nós”, festeja. “A sensação de subir no pódio, na minha segunda edição de Jogos Olímpicos, foi uma coisa linda. Que alegria fazer parte do grupo das três melhores seleções do mundo. Foi maravilhoso! O vôlei feminino, depois daquela edição dos Jogos, depois daquela medalha, mudou muito. Nunca mais foi o mesmo. A minha vida também mudou. Muitas portas se abriram para todos e todas que vivenciaram aquele momento”, constata Fofão.  



No pódio como titular

Dois anos mais tarde, em 1998, após Fernanda Venturini, até então a titular da seleção, anunciar a aposentadoria, Fofão assumiu a posição de levantadora. Foi nesta condição que ela avançou para a terceira participação em Jogos Olímpicos, agora em Sydney 2000. Mas, apesar da experiência, nem tudo foi perfeito. A imprensa questionava a capacidade da nova titular e, segundo ela, até mesmo algumas pessoas dentro da própria seleção encaravam a mudança com desconfiança. 

“Eu estava desacreditada por algumas pessoas, mas tranquila. Cheguei [na Austrália] com um problema muito sério no tendão de Aquiles e não consegui estar em quadra na estreia do Brasil. Sempre pensava: 'Não é possível que isso esteja acontecendo agora!' Viajei muito limitada fisicamente, com dor e desconforto. Bernardinho me deu um voto de confiança ao me levar para Sidney”, destaca.  

“A Fofão jogou numa época em que tinha outra grande levantadora, que era a Fernanda Venturini, duas craques de bola. Fofão sempre teve esperança quanto à chegada da oportunidade dela e foi o que aconteceu em Sydney. Nós tínhamos um grupo completamente renovado, um grupo inexperiente, no qual ela, juntamente comigo e com a Leila, desempenhava uma função de liderança. O mais legal da Fofão é que diante de um conflito, quando existia um desgaste – imagina muitas mulheres juntas, óbvio que as diferenças aparecem –, ela sempre tinha uma palavra de sabedoria, uma palavra no momento de pressão”, lembra Virna Dias, que também esteve em quadra Sydney 2000. “Ela era ouvida pelos técnicos e sempre muito respeitada por todas as jogadoras.”

Na campanha do Brasil naquela edição dos Jogos, a seleção voltou a encontrar Cuba na semifinal e a sofrer nova derrota: 3 a 2. Na disputa pelo bronze, a equipe venceu os Estados Unidos, por 3 a 0. “Foi uma sensação muito diferente por ser titular. Era a mesma medalha de bronze, mas com emoções diferentes”, define Fofão.  

A perda do maior fã

Em 2002, a jogadora, acompanhada por um grupo de atletas, decidiu deixar a seleção. Havia discordância em relação aos métodos usados pelo novo técnico, Marco Aurélio Motta. A situação que já não estava fácil profissionalmente, conseguia estar pior no campo pessoal. Naquele mesmo ano, Fofão perdeu o pai. “Meu pai faleceu e é como se metade de mim tivesse falecido também. Tínhamos uma parceria muito grande. Ele nunca me cobrou nada. Abraçou o meu sonho, desde o começo, acreditava muito em mim. Durante a minha vida toda, até ele falecer, sempre foi isso: eu não fazia nada sem conversar com ele, sem escutar sua orientação. Ele estava sempre junto, me apoiando em tudo. Mas não me viu ser campeã olímpica. O último título que ele viu foi o que ganhei pelo Minas”, recorda Fofão. 

De volta para a reserva

Passado algum tempo, o técnico José Roberto Guimarães assumiu a seleção feminina e trouxe atletas experientes de volta, incluindo a levantadora Fernanda Venturini, que deixou a aposentadoria para voltar a jogar pelo time nacional. Diante deste cenário, em Atenas 2004, Fofão voltou a ser reserva da equipe olímpica. O torneio feminino teve partidas duríssimas. Na semifinal contra a Rússia, o Brasil desperdiçou sete match points e a chance de disputar uma final inédita. Na decisão pelo bronze, a equipe foi derrotada por sua principal algoz: Cuba. Com a derrota por 3 a 1, a medalha não veio e Fofão não teve motivos para comemorar a sua quarta participação nos Jogos Olímpicos. 

“A volta da Fernanda em Atenas 2004 foi complicada para mim, porque eu vinha de uma sequência de idas aos Jogos Olímpicos como titular. O Zé assumiu a seleção, falou para todo mundo voltar e disse que a gente teria as mesmas chances de brigar pela titularidade. Ali eu já não era mais a Fofão de 1992 nem a de 1996, eu já era uma outra Fofão. Achei que ia ter a minha oportunidade. E foi bem difícil porque não tive. Isso me machucou muito. Voltei a ser aquela atleta Fofão lá de antigamente, perdi a confiança. Pensava comigo mesma: 'Será que sou tão ruim, que não tenho capacidade?' Voltei de Atenas com isso na cabeça. Sem dúvida, 2004 foi bem difícil para mim, ficaram muitas marcas pesadas. Acabei indo jogar fora do Brasil e foi aí que consegui resgatar a Fofão de novo. Falava comigo mesma: 'Não esqueci de nada! Está tudo aqui dentro, era só um respiro que eu precisava para me reorganizar'.” 

Fofão x Fernanda

Impossível contar a história de Fofão sem destacar a longa e acirrada disputa pela vaga de titular na seleção que foi travada, por anos a fio, entre ela e Fernanda Venturini. Afinal, quem era a melhor? Com a palavra, Bernardinho, técnico de ambas:

“Eram duas excepcionais levantadoras, que se desenvolveram juntas. Houve uma competição sempre muito sadia, com enorme espírito de colaboração. Talvez, a Fofão, por sua personalidade, tenha amadurecido e se tornado completa com o tempo. A Fernanda, talvez um pouco mais criativa, arrojada. Fofão mais linear, muito eficiente e [uma atleta] que, com o tempo, incorporou um arsenal de opções incrível”. 
    
O técnico tricampeão olímpico, José Roberto Guimarães, também opina: 

“Vivemos aquela situação de ter duas jogadoras no mesmo nível, nascidas no mesmo ano, na mesma geração. As duas eram muito boas, diferentes na sua maneira de jogar. A Fernanda bloqueava melhor do que a Fofão, mas a Fofão tinha outros atributos melhores que a Fernanda. Fernanda era uma líder, falava mais, se colocava mais. A Fofão era mais tímida, na sua maneira de liderar, de conduzir e mais jogadora para o time. A existência da Fernanda na vida da Fofão foi importante pelo fato de uma puxar a outra, uma não queria perder posição para a outra. Era a minha visão. Acho que elas se completavam nesse sentido de uma tentar ser melhor ou melhorar o nível da outra.”



Rivalidade?

Apesar das comparações constantes, as duas levantadoras são unânimes em garantir que a rivalidade entre elas nunca existiu. “Aprendi muito com a Fernanda. As pessoas acham que éramos rivais, mas a gente só queria a mesma coisa, ela queria ser titular e eu também. Sempre foi uma relação de muito respeito. Acho que a postura dela como atleta me influenciou bastante. Ela se exigia muito no treino, nunca estava satisfeita, isso fazia com que eu também me cobrasse mais. Havia muita troca boa entre nós. E isso me fez evoluir, aprendi muita coisa boa com ela sem que ela soubesse. Já que ela era melhor, por que não observar as coisas que ela tinha de positivo?”, diverte-se Fofão. 

Fernanda segue a mesma linha de raciocínio. “Nunca houve rivalidade, uma sempre ajudava a outra! Aprendi muito com a Fofão e vice-versa. Acho que a nossa Seleção foi muito bem, o vôlei foi muito bem, porque havia duas grandes levantadoras. Diversas vezes falei: pena que eu e a Fofão somos da mesma geração.” De acordo com Fernanda, “a concorrência pela mesma posição foi benéfica no sentido de que uma exigia mais da outra e o treino era sempre de alto nível. Eram duas levantadoras do mesmo nível, era isso que a gente tinha de bom. O Bernardo que ganhou. Ela levantava uma bola para trás melhor que a minha! Nesse sentido, ela tinha mais precisão. As duas defendiam e passavam muito bem, tanto eu quanto ela, a gente jogava com velocidade. Se ela estivesse começando ali, quando eu parei, e fosse em frente, seria excelente para a seleção brasileira. Não tenho a menor dúvida, porque ela é uma extraordinária levantadora”. 

Persistência para chegar lá

Como conta Fofão, o trauma de 2004 foi sendo superado. Ela se casou, foi jogar na Europa e viu sua confiança voltar. Em 2006, depois de muito ponderar, aceitou o convite de José Roberto Guimarães para voltar à seleção, desta vez, liderando um grupo jovem. “Eu não queria que as pessoas guardassem de mim aquela imagem de 2004. Pensei em mim mesma e decidi voltar. Eu estava disposta a reunir toda a minha experiência de vida e a vivência olímpica para aplicar em quadra, nos Jogos Pequim 2008”. 

Fofão preparava-se para chegar a mais uma edição dos Jogos Olímpicos com 38 anos. “Eu tinha muito medo porque as meninas eram muito mais jovens. Felizmente, estavam em uma fase de amadurecimento tão grande, que não tivemos problemas. Elas viveram aquele ciclo por mim, porque viram a minha luta diária. Eu não deixava de treinar, não deixava de fazer nada. Elas abraçaram um pouquinho a minha causa porque sabiam que seria a minha última vez nos Jogos. Foi incrível ver o nível de amadurecimento dessas meninas e tê-las liderado também. Eu costumava falar: se a gente quiser chegar longe, eu tenho a fórmula, mas a gente não pode errar”, conta. 

Sheila, uma das estreantes em Pequim, confirma que a união das jogadoras naquele momento e frisa que a liderança de Fofão era natural, leve. “E o principal: ela dava exemplos dentro e fora de quadra, passava confiança, tranquilidade”, lembra a bicampeã olímpica.

Serenidade e segurança

Em Pequim 2008, Fofão não era apenas a levantadora titular, mas a grande líder do time. “Na nossa estreia na China, enfrentamos um adversário tranquilo, a Argélia, equipe contra a qual a gente já tinha jogado algumas vezes. Mesmo assim havia uma tensão no ar. Eu ficava atrás da Fofão na fila para entrar na quadra e lembro de olhar para ela, que já estava na quinta participação olímpica, e perguntar: ‘Você está nervosa?’. A resposta foi: ‘Com certeza!’. Aquilo me acalmou. Pensei: 'Se a Fofão está nervosa, posso ficar também e está tudo certo'”, relembra a bicampeã olímpica Fabizinha. 

Fofão destaca que as meninas a tinham como uma referência forte. “Na hora que o time estava perdendo, todo mundo me olhava e eu pensava: 'Meu Deus do céu, me dá uma luz, alguma inspiração para falar qualquer coisa'. Elas ficavam esperando uma resposta, uma ajuda, uma solução. Sou levantadora, tenho que raciocinar, mas ali precisava cuidar de mim e delas também. Foi muito pesado, mas de uma forma positiva, porque era o que eu queria muito era sair dos Jogos com uma medalha de ouro. A história ali era a seguinte: ou a gente voltava com o ouro ou ninguém voltava mais para o Brasil”, brinca Fofão. 

A companheira de equipe, Walewska, completa: “Nós éramos as mais experientes em 2008. Ela soube entender o que o time precisava para trilhar o caminho da vitória. Com sua liderança silenciosa, Fofão me ensinou a ouvir mais do que falar e a fazer sempre o que fosse melhor para o grupo. Sempre muito contida, ela falava baixo, mas quando falava todos paravam para ouvi-la.” 

Irretocável

A campanha do vôlei feminino em Pequim foi um show! Vencendo sete partidas sem perder um set sequer, a seleção brasileira chegou à final confiante em uma vitória. Entrou em quadra para enfrentar os Estados Unidos e levou a melhor, vencendo por 3 a 1, conquistando assim uma inédita medalha de ouro. Fofão foi eleita a melhor levantadora da competição. O grande responsável por transformá-la de atacante em levantadora estava ali, presente. Por isso, a conquista dourada do vôlei brasileiro e do esporte olímpico do país foi ainda mais especial para Fofão e José Roberto Guimarães.
 
“Quando terminou o jogo, pensei comigo mesma: sou campeã olímpica com a pessoa que fez de tudo para que eu me tornasse uma levantadora. É muito surreal porque ele acreditava que eu seria a melhor levantadora do mundo. ‘Eu não quero que você seja uma levantadora, eu quero que você seja a melhor’, era o que ele falava! Depois de terminada a partida, quando abracei o Zé, agradeci e falei: 'Conseguimos!' E ele respondeu: ‘Não é que você aprendeu direitinho?’ A nossa história é simplesmente maravilhosa!”
Na versão de José Roberto, o relato deste momento também é de arrepiar! Para ele, a emoção de ter a Fofão como capitã e como jogadora, naquela final, foi dobrada. 

“Praticamente a vi nascer para o vôlei e, naquela altura, poder dirigir a Fofão já mais madura, mais plena, foi uma glória. Foi uma satisfação enorme, principalmente em função de eu ter acompanhado todo o sacrifício feito por ela, durante toda a carreira, para chegar onde chegou. Fofão é um exemplo de persistência, de caráter, de moral, de tentar mais uma vez, de não desistir nunca. Ela deixou um legado extremamente importante para as jogadoras que sonham em ser ‘Fofões’. Foi uma atleta fundamental para a história do vôlei brasileiro, do vôlei do mundo. Para mim, no período de 2005 a 2008, ela foi a melhor levantadora do mundo!” 

Capítulo final

Fofão está no Hall da Fama do Vôlei desde 2005. Mais dada à ação do que às conversas, ela deixou as quadras em definitivo em 2015. A atleta é definida por Katia Rubio, autora do livro ‘Toque de Gênio – A História e os Exemplos de Fofão’, como uma campeã tímida, que não se enquadra de forma alguma no estereótipo de atleta superstar. 

Com este perfil discreto, a jogadora deixa a emoção fluir e se permite voltar sempre ao momento de concretização do sonho maior da carreira. “A gente imaginava como ia ser ser quando ganhasse o ouro, mas quando a gente de fato ganhou, fiquei paralisada. No auge da comemoração, quando as meninas me jogaram para cima, a sensação era que eu queria ficar parada lá no alto! Quando vejo minhas fotos, recordo a sensação de estar nos braços das colegas e a vontade de parar o relógio naquele momento. Houve uma hora em que soltei o meu corpo e, se elas não me amparassem, eu despencaria no chão. Soltei meu corpo porque tudo aquilo ali coroava toda a minha história. Cada vez que elas me jogavam para o alto, vinha a sensação de missão cumprida, de gratidão por tudo. Aquele momento foi e continua sendo especial, muito forte”. A capitã do time, que vestiu a camisa de número 7 em Pequim, definiu marcos ao longo de toda a carreira com consistência impressionante. Natural que fechasse sua experiência olímpica nas alturas, confirmando uma trajetória que a menina Hélia ousou sonhar e a atleta Fofão teve confiança e paciência para realizar.


Hélia Rogério de Souza
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Fofão conta sua trajetória no vôlei após ingressar no Hall da Fama do COB

Uma das maiores atletas olímpicas brasileiras na história, Fofão tem três medalhas olímpicas no currículo: ouro em Pequim 2008 e bronze em Atlanta 1996 e Sydney 2000. A levantadora aproveitou a visita da equipe do COB para contar um pouco de sua trajetória no esporte.
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Aurélio Miguel, Fofão e Servílio de Oliveira são eternizados no Hall da Fama do COB

Os medalhistas olímpicos Aurélio Miguel (judô), Fofão (vôlei) e Servílio de Oliveira (boxe) são os mais novos integrantes do Hall da Fama do COB. O trio foi homenageado durante o Congresso Olímpico Brasileiro, realizado em Salvador (BA).
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Hélia Souza Pinto, a Fofão, é homenagada no Hall da Fama do COB

Uma das mais carismáticas capitãs que a Seleção Brasileira de Vôlei já teve encerrou sua carreira bem longe de casa. Com uma trajetória de 17 anos de quadra, Hélia Rogério de Souza Pinto, a Fofão, fez seu último jogo em uma arena olímpica em 23 de agosto de 2008, no Ginásio Indoor da Capital, em Pequim, na China. Depois de defender o Brasil na grande final contra os Estados Unidos e celebrar a vitória por 3 a 1, ela se despediu com medalha de ouro no peito e o título de melhor levantadora da competição. 
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