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Marcelo Bastos Ferreira

Marcelo Bastos Ferreira

modalidade

Vela

data e local de nascimento

26/09/1965

Niterói

BIOGRAFIA

Ele se define como um cara boa praça, bom astral, agregador e amigo. Passou 28 anos da vida dentro d´água, buscando a combinação perfeita entre as velas, o vento e as ondas para conquistar títulos mundo afora.  

Foram quatro disputas olímpicas, com três pódios, uma parceria muito bem-sucedida com Torben Grael e o direito de ser um dos primeiros atletas a integrar o seletíssimo hall dos brasileiros bicampeões olímpicos.  “Eu jamais pensei que o meu caminho ia ser a vela. A correnteza e o vento foram me levando”, conta Marcelo. 

Sem tradição 

Diferente de Torben, o “rei da família real brasileira da vela”, cuja tradição no esporte tem sido cultivada há gerações, Marcelo não tem antepassados campeões em sua genealogia. Como todo brasileiro dos anos 1970, jogava futebol na rua durante a infância. “Eu jogava tênis e jogo até hoje. Na escola, eu participava de tudo, handebol, futebol, qualquer esporte eu fazia. Adorava!”, lembra.  

Nascido em 26 de setembro de 1965, em Niterói, no Rio de Janeiro, Marcelo Bastos Ferreira é o filho caçula de um engenheiro da Petrobrás e de uma dona de casa que também atuava como uma espécie de secretária nos negócios do marido na construção civil. Márcio, o primogênito, e Ilana, a irmã do meio, completam a escadinha do casal que, entre 1963 e 1965, teve um filho a cada ano.  

Antes de se tornar velejador, o sonho do bicampeão olímpico era ser veterinário. “Eu pensava em fazer Veterinária, sempre tive uma ligação com roça, com fazenda. Gosto muito de passear, de andar a cavalo. Tenho um pouquinho de boi, coisa de sitiante, curto bastante a vida do interior e da roça”, conta.  

O envolvimento cada vez maior com o esporte o fez optar pelas marinas em vez das salas de aula, por regatas semanais em vez de provas bimestrais. Medalhas, e não certificados de conclusão, vieram como recompensa. Alguns de seus títulos valem ouro, literalmente.  



Seduzido pelo vento 

Aos 11 anos, quando Marcelo Ferreira sentiu pela primeira vez o prazer de velejar. “Eu fui pescar com um amigo, que tinha um Optimist. Não era velejar, não. Saímos com o barco, não tinha vento nenhum, e fomos pescar no São Francisco Praia Clube, em Niterói. Entrou um ventinho, o barco começou a andar, e eu achei aquilo fantástico, sem barulho, só o vento. Fiquei impressionado de ver o barco andando só com o vento”, recorda.  

Marcelo começou a frequentar o clube de vela a convite dos amigos, mas só iniciou no esporte dois anos mais tarde. “Na minha família ninguém velejava, não tinha nada a ver com vela”, ressalta. 

A maioria dos velejadores faz sua iniciação no esporte por volta dos sete anos num barco pequeno, chamado Optimist. O bicampeão olímpico teve um início tardio. “Eu comecei a velejar com o Lula, que é dono da escola CL Vela, junto com a Cíntia, na Marina da Glória. Eu fui proeiro do Lula aos 13 anos. Depois, nunca mais parei. Comecei a competir com esses barcos, que eram barcos-escola. O Pinguim era um senhor barco-escola. Essa classe nem existe mais no Brasil. Eu me apaixonei pelo mar, pela vela e fui ficando direto, velejando até 2013”, detalha. 

Irmãos Ferreira 

Em pouco tempo, a paixão pela vela contagiou a família Ferreira. “Meu irmão se tornou velejador depois”, informa. Os dois competiram juntos no Festival Hollywood, que reunia muitos velejadores, em várias etapas, disputadas em cidades diferentes Brasil afora.  

“Em 1982, na época que existia o catamarã Hobie Cat 16, fomos campeões estaduais, em Araruama. Depois, ele velejou na classe Tornado e tentou vaga para os Jogos Olímpicos 1988. Chegou a ganhar o pré-olímpico aqui, com o Clínio de Freitas, que veio a ser o proeiro do Lars Grael. Ele foi mudando e começou no triatlo, tornando-se um dos melhores brasileiros na categoria dele. O esporte está na família”, orgulha-se Ferreira. 

Sparring 

Ferreira ainda nem sabia que a vela seria o caminho que seguiria na vida quando conheceu Torben Grael, em 1983. “Eu fui velejar de Soling, no barco de sparring do Torben para os Jogos Olímpicos 1984. Velejavam ele, o Ronie Senfft e o Daniel Adler. E eu saía, às vezes, para treinar com eles de Soling. Íamos eu, o Clínio de Freitas e mais um. Eu ia no meio, fazendo balão. Conheci o Torben ali”, explica Ferreira.  

Barco de sparring é uma embarcação da mesma classe que ajuda na preparação do barco dos competidores. Os brasileiros conquistaram a medalha de prata na Soling em Los Angeles 1984. Foi o primeiro pódio olímpico de Torben Grael, que, no futuro, tornaria-se um dos maiores nomes do esporte brasileiro, com cinco medalhas.   

Grael e Marcelo também foram concorrentes na classe Laser. “Corremos umas regatas um contra o outro. A gente viajava junto com a galera de Niterói. A amizade começou por aí”, divide.  

Sem perspectiva de futuro 

Nos velhos tempos do amadorismo, apesar da paixão, Marcelo Ferreira não enxergava muito futuro na vela. “Eu não estava entendendo como viver de vela, não. Aqui, no Brasil, era todo mundo autodidata e amador, com raras exceções, tinha um patrociniozinho. Após os Jogos 1984, foi onde deu um start melhor. Depois vieram outras empresas apoiando a vela. Nunca pensei ser um profissional de vela”, sintetiza. 

Em 1988, Marcelo foi convidado a participar de uma regata nos Estados Unidos e descobriu que havia um mundo desconhecido lá fora. “Nessas velejadas que a gente dava por aí, eu vi que existiam profissionais de vela. A turma ganhava uma diária para velejar. A gente foi para o Havaí e ali eu vi que tinha um monte de gente que vivia de vela”, conta. 

Depois da competição no Havaí, o brasileiro foi para um campeonato em São Francisco. Foi quando resolveu morar um tempo em San Diego, nos Estados Unidos. “Fui para passar dois, três meses e fiquei quase um ano. Comecei a trabalhar lá com construção de barco e velejava com o Vince Brun, irmão do Gastão Brun, um cara que foi para os Estados Unidos muito cedo e era diretor da North Sail, uma das maiores velerias do mundo. Eu velejava com ele de Star e trabalhava no estaleiro”, lembra.  

O início de uma parceria campeã 

No final de 1988, depois de conquistar a medalha de bronze na classe Star ao lado de Nélson Falcão nos Jogos Olímpicos de Seul, Torben Grael telefonou para Marcelo, perguntando se ele tinha interesse em fazer uma campanha olímpica visando Barcelona 1992. A resposta foi positiva, Marcelo voltou ao Brasil e os dois começaram a campanha em 1989.  

“A gente enfrentou dificuldades, com pouco patrocínio. As coisas sempre muito caras, e a gente não tinha uma federação ou um Comitê Olímpico tão fortes quanto hoje”, destaca. “Funcionava assim: se a gente ganhasse o Campeonato Brasileiro, tinha direito a passagem para viajar para o exterior. Era só a passagem, não tinha hotel, não tinha diária, não tinha nada. A gente tinha uma verba muito limitada, tinha que viver e ainda pagar as contas de viagem. Para nossa sorte, a gente teve o casamento perfeito, lá fora, com a Lillia, uma fábrica do Star, barco que a gente velejava, que ajudava a gente. O cara cedia barco para os eventos, carro para locomoção e ajudava a gente ainda com alguma despesa. A cada título conquistado, ele dava uma merrequinha de prêmio”, explica.  

Viagens loucas 

Sem muitos recursos para as viagens, Marcelo e Torben armaram um esquema para economizar com hotel. “Quando a regata era no sábado, por exemplo, na Alemanha ou na Holanda, a gente saía daqui na quinta-feira à noite. Economizava uma noite porque dormia no avião. Chegava lá na Itália, que era a nossa base, pegava o carro, dirigia a noite inteira para chegar de manhã na Holanda ou na Alemanha. Chegando lá, montava o barco e ia para a regata. Quando acabava o campeonato, geralmente no domingo, a gente desmontava o barco e dirigia no domingo a noite toda para pegar o voo na segunda. Com isso, economizávamos umas noites de hospedagem”, ensina Marcelo.  

O esquema funcionou. Apesar do sacrifício físico, os resultados não demoraram a surgir. “Era pedreira, não era muito fácil, não. A dificuldade faz a gente aprender, né?”, conclui. 

Parceria improvável 

Torben Grael e Marcelo Ferreira têm temperamentos muito diferentes. “Marcelo é um homem generoso, fraterno, de absoluto carisma por onde passa. Do dono do banco ao funcionário da obra, ele é querido por todos”, analisa o jornalista Cezar Marques, amigo do velejador desde dos tempos da escola, em 1975, quando os dois tinham nove anos. “Crescemos juntos, ele é meu padrinho de casamento, irmão de uma vida, um amigo carinhoso, o tempo todo disponível. Parceiro de sentar à mesa para um vinho e também para qualquer ajuda no hospital, funeral, onde precisar”, emenda.  

Do lado oposto, Grael se define como um homem mais quieto, mais tímido, mais reservado e muito perfeccionista. “Um grande incentivador da minha carreira foi o Torben. Ele é um cara que te puxa muito, ele cobra demais, é exigente demais. Para mim foi bom, porque eu sempre fui um cara mais easy going, e ele é focadão. A química deu certo, foi ótimo”, comemora Ferreira.  

“Foram exatamente essas diferenças tão grandes entre nós que nos complementavam muito. Marcelo sempre brincalhão, amigo de todos, bom papo, aglutinador. Um trazia o outro mais para o centro e juntos éramos muito fortes. O principal é que sempre houve muito respeito e muita amizade”, descreve Torben Grael. 



Velas encardidas  

A nova dupla se tornou campeã logo na primeira disputa, em 1989: a Spa Regata, na Semana Olímpica Holandesa. “Foi uma vitória fenomenal. A gente chegou lá chamando atenção pelas velas. O Torben levou umas as velas velhas que ele tinha. Ele e o Nélson tinham corrido o Campeonato Mundial, na Argentina. Com aquela água barrenta do rio argentino, as velas eram praticamente marrons, era a vela que destoava da galera. Quando a gente subiu as velas para velejar, devem ter pensado: ‘Pô! Esses caras com essas velas velhas aí’. Só que, para a nossa surpresa, nós ganhamos cinco das seis regatas. Aí começou nossa campanha”, diverte-se Ferreira. 

O ano de 1989 foi muito vitorioso para a dupla. Eles ganharam todas as Semanas Olímpicas e o Campeonato Europeu. “Só que a gente foi para o Mundial e foi um fiasco. Um Mundial que a gente achava que ia ganhar”, revela. “Ali tivemos a primeira lição: achar que vai ganhar. Não existe essa de achar que vai ganhar. A semana foi muito complicada nesse campeonato e a gente não velejou com o nosso 100%, não. O resultado já deu um: ‘Opa! Presta atenção!’. Não existe jogo ganho. A gente terminou esse Mundial muito chateado com o nosso desempenho, o que fez a gente repensar as nossas estratégias”.  

Em 1990, Marcelo e Torben não colecionaram tantas vitórias quanto em 1989, mas conquistaram o seu primeiro título mundial na classe Star, em Cleveland, nos Estados Unidos. “E a gente ganhou o Europeu também”, acrescenta Ferreira.  

Chegada a Barcelona 

Depois de uma sequência de seis medalhas, sendo duas de ouro, em quatro edições consecutivas dos Jogos Olímpicos – de Montreal 1976 a Seul 1988 -, a vela do Brasil chegou a Barcelona, em 1992, carregando uma boa dose de expectativas. Torben já contabilizava dois pódios seguidos, com uma prata na Soling, em Los Angeles 1984, e um bronze na Star, em Seul 1988. Marcelo era estreante.  

Pouco antes dos Jogos Olímpicos, os dois haviam conquistado o título da Semana da Alemanha e da Semana da Holanda. “Torben já estava envolvido em regatas de barco grande lá na Itália. Foi um ano de pouco treino. A gente corria os eventos, mas não treinava muito”, ressalta Marcelo.  


Barco lento 

O velejador relembra que, por conta de uma situação financeira meio apertada, eles venderam a vela, o mastro e outros itens do barco antes dos Jogos. “Quando eu cheguei em Barcelona, o Torben ainda não estava lá. Aí me chega uma caixa de vela, que era só pegar e medir, fazer a medição das velas. Levei aquilo para a medição, tudo carimbado, pronto! O Torben chegou, fomos velejar. Botamos as velas pra cima, e a gente não andava nada. Era o barco mais lento que tinha na água. Como é que a gente ia velejar nos Jogos Olímpicos assim? Mas não tinha mais o que fazer! Já estava feito”, constata.  

“A gente nem começou mal a campanha, tiramos oitavo e um segundo lugares. A gente estava em terceiro depois de duas regatas. Mas aquilo foi dando uma agonia, porque a gente estava vendo que o barco não rendia, não conseguia acompanhar os caras que a gente sabia que eram péssimos”, lamenta. “O nosso problema era a velocidade do barco. O conjunto de velas com mastro não casou, a gente não testou. O barco que estava bom, a gente vendeu. Foi isso o que aconteceu. Aí os Jogos Olímpicos foram por água abaixo. Terminamos em 11º lugar”, resigna-se Marcelo Ferreira.  

""Havia uma expectativa tão grande, que foi uma decepção para geral. Tinha uma galera que estava muito bem, antes dos Jogos, e ninguém conseguiu nada em Barcelona. Foi a pior participação olímpica da vela do Brasil”.  

Cada um para um lado 

Depois de Barcelona, a dupla brasileira da Classe Star não voltou ao Brasil. Torben ficou fazendo campanha na America´s Cup. Morou na Nova Zelândia e na Itália. Marcelo foi para a Itália, onde, além de velejar, trabalhou como diretor comercial de um estaleiro. “Fiquei morando lá, de julho de 1992 até dezembro de 1994”.   

Com a competição de vela disputada no Porto Olímpico, dentro da Vila Olímpica, em Poblenou, em Barcelona, Marcelo diz não ter sido impactado pela atmosfera festiva dos Jogos. “Os Jogos Olímpicos têm um clima totalmente diferente, mas depois a gente acostuma a conviver com isso. No início é tudo novidade. E cada um leva de uma maneira”, simplifica. “Eu também nunca fui um cara muito bom de mídia. Nunca fui preocupado em estar na mídia ou ficar falando com mídia. Sempre fui um cara meio ‘deixa acontecer’”.  

Se a dinâmica de convivência com os grandes nomes do esporte não afetou o estreante na vela, a frustração de não conquistar o resultado esperado trouxe uma grande lição, que ele compartilhou em conversa com o veterano Torben Grael. 

“A competição muda de nome. Regata de final de semana é igualzinha à regata olímpica. Só que o peso na cabeça da gente, por ser uma competição tão importante, é o que faz toda diferença na maneira como a gente vai se comportar dentro d´água”. Se você for para os Jogos, tiver uma experiência ruim e não retornar mais, você não vai saber como é que vai fazer para melhorar. A gente teve oportunidade de ir a mais edições. E correr regata olímpica, para a gente, era como correr qualquer uma outra. Não porque fomos a muitos Jogos, mas porque, realmente, a modalidade é aquela ali: é o vento, é o mar, são as boias de largada. Elas são idênticas às regatas de fim de semana que você faz. Você não pode colocar na sua cabeça: estou nos Jogos Olímpicos. Vai dar pânico! Eu estou correndo uma regata, só que o nome dela é outro”, ensina.  

Uma nova chance 

Em 1994, Marcelo e Torben decidiram voltar para o Brasil para fazer a campanha para Atlanta 1996.  

“A gente conseguiu um patrocínio, que era da Cutty Sark. O estaleiro já estava rodando bem, tinha barco à beça e tinha veleria interessada em apoiar a gente. Então seria um custo menor de campanha. A gente tinha apoio do Comitê Olímpico do Brasil, que já era melhor, mas não era nada assim, que resolvesse a vida. Se a gente não tivesse patrocínio individual, não dava pra fazer nada. A gente acabou fazendo 94 e 95 com o apoio da Cutty Sark. As condições melhoraram com o estaleiro, a cada vitória, tinha um prêmio melhor. A gente começou a fazer viagens para correr dois eventos, para minimizar custos”, detalha. 

Barco feito pelo parceiro  

A campanha começou muito ruim, com um mau resultado no Mundial da Itália. Em 1995, as coisas começaram a melhorar. Em 1996, a dupla brasileira contou com um barco novo, projetado por Torben Grael. “O Torben teve uma fábrica de barcos aqui, no Brasil, onde ele construiu o Snipe, um barco com que ele começou velejar e se consagrou muito. Fizemos um barco diferente para Atlanta”, festeja. “Lá, o mar tinha uma onda muito difícil, curta, e entrava muita água no barco. E esse barco realmente revolucionou. A gente embarcava água e secava rápido o barco. Isso era uma vantagem para a gente”.  

A preparação para Atlanta foi muito melhor. Torben e Marcelo foram para lá um ano antes dos Jogos disputar o Pré-olímpico. “Foi uma preparação para ganhar os Jogos, mas a gente não chegou lá favorito. Havia países que eram mais fortes que a gente”, avalia Marcelo.  

“A base de Atlanta era uma chata, no meio do oceano. Você saía pelos canais de Savannah, andava quase uma hora por dentro daquilo e chegava a uma ilha de chata, eles fizeram a base olímpica dentro d´água”, descreve Ferreira. As condições de velejar eram parecidas com as do Brasil. “Primeiro, a água boa, quentinha, ondas de oceano como a gente está acostumado a velejar fora da baía de Guanabara. Às vezes o mar ficava mais grosso, a onda crescia, parecia que a onda era mais alta do que a nossa. A nossa é vagalhão, onda de oceano. Mas, na parte mais rasa, fazia uma onda diferente. Isso favoreceu muito a gente"".  

Dieta de engorda 

Ao se depararem com os adversários, os brasileiros da classe Star perceberam que estavam leves demais e, ao contrário do que acontece com a grande maioria dos atletas, precisavam ganhar peso. Naquela época, o peso era livre, não havia limite máximo estabelecido na classe. 

 “Para nossa surpresa, eu era um dos caras mais leves mesmo pesando 119kg. O Torben tinha 87kg. Tinha gente com 130kg. O sueco, um policial, era um armário, pesava 134kg. O italiano também pesava mais de 130 kg”, recorda. “O peso faz diferença quando você bota o barco no mar com onda, precisa de mais pressão”. 

Diante daquela situação, a dupla começou a comer muito para ganhar peso. “Nós éramos os anti-atletas”, diverte-se Marcelo. “Colocávamos despertador para acordar e comer de madrugada. Comíamos hambúrguer, tomávamos sorvete... No final da história, o Torben saiu dos Jogos com uns 93kg, e eu, com cerca de 125kg. A gente chegou 20 dias antes, e a nossa preparação foi o contrário: em vez de fazer muita parte física, nós nos dedicamos bastante à ingestão alimentar”.   

Campeões olímpicos 

Das 11 regatas programadas, só 10 foram realizadas. Uma foi cancelada devido às más condições do tempo. Os australianos lideraram durante oito regatas, mas Marcelo e Torben assumiram a ponta na nona. Na final, brasileiros e australianos tinham chances de conquistar o ouro.  

“Na realidade, começamos a fazer uma marcação forte na largada dessa última regata, pois queríamos ficar sempre juntos deles. Como tínhamos vantagem, e eles precisavam ganhar, ficaram pressionados e acabaram queimando a largada”, compartilha Torben, que conquistou sua terceira medalha olímpica, completando a coleção com um bronze, uma prata e um ouro. “A gente já vinha na frente e ao chegarmos perto da boia, quando o Marcelo viu a placa, realmente foi aquela comemoração. Estávamos cientes de que tinha dado certo”.   

“Foi uma regata que a gente ganhou no último dia. A gente vinha brigando com os australianos. Quando a gente chegou na boia, estava lá a plaquinha indicando que a Austrália tinha largado escapado. A gente só precisava chegar ao final da regata, sem se estressar. Fomos levando o barco pisando em ovos. Comemoramos só depois que cruzamos a linha. Foi uma loucura quando acabou a regata”, festeja Marcelo.  

Os suecos Hans Wallén e Bobby Lohse chegaram em primeiro na regata final e ficaram com a medalha de prata. Os brasileiros garantiram o lugar mais alto do pódio com a terceira colocação na final. Os australianos Colin Beashel e David Giles ficaram com o bronze.  “Não só fomos campeões, mas o Brasil foi o melhor país no esporte da vela, assim como em 1980”, frisa Torben Grael. 

Clímax e anticlímax 

Atlanta foram os Jogos em que os brasileiros mais brilharam. Além do ouro de Marcelo e Torben, Robert Scheidt também se sagrou campeão na classe Laser, e Lars Grael e Kiko Pelicano ficaram com o bronze na Tornado.  

“Foi uma evolução do esporte. A vela estava em alta depois de 1996. Todo mundo com medalha, foi a melhor campanha do Brasil, na época, deu uma sacudida. Surgiram patrocinadores para alguns eventos, como a Vivo, e  isso ajudou muito a desenvolver a vela. Você via vela na televisão, coisa que não acontecia nunca”, comemora Marcelo.  

“Aí, para nossa surpresa, quando acabou isso tudo, em 1997, a classe Star saiu dos Jogos, e os patrocinadores também. Voltamos à estaca zero. O Torben continuou com a vida dele de barco de oceano. Eu fui velejar de Soling, uma classe que tinha se tornado olímpica, de quilha, barco grande, com o Alan Adler”, resume. 

Bicampeão mundial sem Torben 

Em meio a essa turbulência, Marcelo Ferreira disputou o Campeonato Mundial, em 1997, com o alemão Alexander Hagen, em Algarrobos, nos Estados Unidos, e sagrou-se bicampeão mundial na classe Star.  

“O peso dos Jogos Olímpicos é muito maior, mas o feito do Mundial eu considero mais difícil”, avalia. “Nos Jogos você sabe que tem um xis número de participantes, um de cada nação, o Mundial não. No Mundial você tem três americanos que podem ganhar, três ingleses, dois brasileiros... A pirâmide vai estreitando, é mais difícil”, avalia Marcelo.  


Retomando a parceria 

O bicampeão ensaiou fazer uma campanha olímpica com Alan Adler para disputar os Jogos Sydney 2000, na classe Soling, mas, com a volta da Star ao programa olímpico, a parceria com Torben Grael foi retomada.  

“Foi uma preparação muito leve. Como o Torben morava fora, a gente se encontrava no Brasil para correr regata. Em 1998, tinha a Prada como patrocinador, um negócio mais evoluído. A Federação também, já tinha ajuda de custo, passagem, hospedagem. A coisa foi melhorando gradativamente”, reconhece. 

No Mundial da Eslovênia, em 1998, Marcelo e Torben tiveram que superar dois desafios. O primeiro foi a falta de treinos. “Foi um ano em que a gente velejou muito pouco, muito pouco mesmo”, lembra. O segundo foi o impacto emocional causado sobre a dupla com a notícia do grave acidente sofrido por Lars Grael,  durante uma prova no Brasil.  O irmão de Torben, detentor de duas medalhas olímpicas de bronze (Seul 1988 e Atlanta 1996) na casse Tornado, teve a perna esquerda amputada, mas voltou a velejar. 

A dupla brasileira estava no lago de Como, na Itália, quando recebeu a informação. “O negócio foi complicado. A gente não sabia se ia embora, se ia para o campeonato. A gente acabou indo para Milão naquela noite para tentar embarcar para o Brasil. Até que o Axel, o outro irmão do Torben, ligou e disse que não havia nada que nós pudéssemos fazer para ajudar o Lars no Brasil e nos aconselhou a velejar e torcer, porque a situação ainda era muito crítica. Aí fomos para o Mundial, mas foi um astral horroroso, muito ruim, sabendo da situação toda, o Lars entre a vida e a morte...”, revive Ferreira.  

Apesar do clima ruim, os brasileiros sagram-se vice-campeões mundiais. “Chegamos em segundo, perdemos por um ponto para o australiano de quem a gente ganhou nos Jogos Olímpicos em 1996. Classificamos o país e garantimos a vaga olímpica”, divide. 

Quase bi em Sydney 

Em Sydney 2000 tudo estava dando muito certo para Marcelo Ferreira e Torben Grael, e o sonho de igualar o feito de Adhemar Ferreira da Silva, conquistando o bicampeonato olímpico, parecia mais perto do que nunca. “Para a nossa surpresa, a gente andava muito, andava um absurdo. Tanto que a gente foi bem até o último dia. Chegamos no último dia com cinco pontos à frente dos adversários. Teoricamente, seriam os Jogos mais fácil para a gente”, relembra Marcelo.  

Mas havia um neozelandês no meio do caminho na água.  

“Tivemos um adversário neozelandês, que foi a pior coisa para a gente. Esse cara concorria direto com Torben para ser tático da Prada, na America´s Cup. Ele foi para lá para destruir a nossa vida. Foi uma coisa horrorosa, foi um negócio desagradável. Ele não foi para ganhar os Jogos, ele foi para destruir o Torben, coisa pessoal. A gente ficou desesperado porque não tinha muito o que fazer. Se você pegar um sujeito que vai ficar a semana inteira te atazanando dentro da água, você vai ter problemas, não vai conseguir velejar. A gente andava tão bem que não precisava se preocupar muito de ser o primeiro a largar. A gente só precisava fazer o arroz com feijão, mas esse cara fez a gente pagar tanta penalidade, se meteu em várias confusões com a gente nas largadas, durante a regata. Isso faz parte do jogo, mas... Ele estava dentro da regra, mas era um mau caráter danado. Ele estava pensando em assumir a vida de tático da Prada. Então ficou uma briga pessoal de barco grande, e ele levou para dentro da vela olímpica. Foi ruim”, desabafa Marcelo.  

Na regata final, já com o bronze garantido, os brasileiros perderam a chance de conquistar a medalha de ouro porque queimaram a largada.  
“Fomos com esse danado para a largada, largamos escapados, nós e eles. A gente nem sabia que tinha largado escapado. Mas, de qualquer forma, a gente não ganharia o ouro, porque velejou muito mal a última regata. Fomos para o lado errado, brigando com o cara e, quando a gente viu que estava escapado, não adiantava nada. A gente até fez a regata, mas chegou mal, a gente perderia de qualquer jeito. Perdemos velejando, o que é pior ainda. A única vantagem é que o pior que a gente poderia fazer, a gente fez, que era ficar com o bronze”, lamenta.  

Falta de treinos 

Na visão de Torben Grael, o ouro não veio em consequência da falta de treinos. “Nós fizemos excelentes Jogos em Sydney. A questão é que estávamos com muito pouco ritmo, pois eu passei três anos na equipe Prada de America’s Cup e só tivemos pouco mais de seis meses de preparação. É muito pouco”, admite. 

“Em compensação, a Prada nos patrocinou nas campanhas de Sydney e de Atenas, como também patrocina Martine (Grael) e Kahena (Kunze) – bicampeãs olímpicas, com ouro no Rio 2016 e em Tóquio 2020. Mas a falta de ritmo nos levou a cometer alguns erros que, normalmente, não fazíamos. Mesmo assim, chegamos ao último dia com cinco pontos na liderança. Infelizmente, queimamos a largada e tivemos de nos contentar com o bronze."" 

“A medalha caiu na água” 

Marcelo e Torben terminaram a competição muito chateados e ficaram impressionados ao verem a comemoração dos noruegueses, que conquistaram o bronze na classe Soling. “Cara, que festa maravilhosa! E a gente foi detonado pela imprensa que dizia: ‘Os perdedores’. Coisa de maluco!”, critica. “Para a gente foi muito ruim porque a semana foi muito boa, no geral, e no último dia demos esse mole... Quando acabou, a gente falou: ‘Temos que fazer outros Jogos para pegar essa medalha que caiu na água!’”, lembra Ferreira. 

Em busca do segundo ouro olímpico 

Depois de vencer o pré-olímpico em 2003, Ferreira e Grael estavam focados na preparação para Atenas 2004. “Foi uma preparação brilhante. Nessa foi tudo perfeito!”, festeja Marcelo.  

“Nosso grande trunfo foram os treinamentos antes dos Jogos Olímpicos. A gente foi testando muita coisa. A gente não estava pensando em ganhar campeonato, não. A gente estava pensando em testar coisas porque a gente queria ganhar os Jogos. O foco eram os Jogos, não o Mundial, não a Semana de Vela, nada disso”, enfatiza Marcelo Ferreira. “A gente testou 300 velas, testamos várias coisas, posicionamento de quilha, de barco. O barco novo, que foi feito lá no estaleiro, funcionou. A gente chegou à Grécia com apoio, financeiramente estava tudo equalizado, tudo bacana”. 

Os resultados da dupla brasileira da Star, antes dos Jogos, não foram muito expressivos, o que os tirou da lista de favoritos à medalha. “A gente não chegou como favorito a Antenas, pelo contrário. Favoritos eram o sueco e o inglês. A gente fez uma campanha sempre ali, tirando bons resultados, mas não ganhando nada” divide Marcelo. 

Ao contrário dos Jogos de Atlanta, onde se dedicou a ganhar peso, Marcelo Ferreira teve que emagrecer para Atenas. “A gente tinha uma fórmula, já que a classe Star tinha feito limite de peso, e nessa fórmula, o ideal era eu com uns 105kg e o Torben com cerca de 90kg”, compartilha. “Eu emagreci cerca de 12kg em um mês e pouco, dois meses, e velejei em Atenas com algo em torno de 104kg quilos. Isso fez bem para a minha saúde. Eu perdia peso com muita facilidade quando era mais jovem”, conta.  

O sparring brilhou demais 

Antes de chegar aos Jogos Olímpicos, a dupla treinou muito no Lago de Como com Alan Adler (que representou o Brasil na vela, nos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984, Seul 1988 e Barcelona 1992) e Ronie Senfft (1984). “Treinamos muito velocidade, manobras. Foi perfeito. A gente planejou chegar 100% dessa vez, tanto fisicamente, quanto em velocidade de barco. E foi o que aconteceu”, orgulha-se.   

Ao chegar em Atenas, Marcelo e Torben fizeram um primeiro treinamento fundamental com os também brasileiros Alan Adler e Ronie Senfft, que atuaram como sparrings.  “A gente levou dois barcos para os Jogos, o Alan Adler foi velejando nas semanas anteriores e era o cara mais rápido, depois éramos nós. Aí fizeram um protesto para a gente tirar o nosso segundo barco da Marina Olímpica porque a gente estava em vantagem”, informa Marcelo. “Tinha gente lá também de sparring, só que o Alan estava voando. Foi muito engraçado isso. Ele chamou muita atenção”, ri. 



Meta: ser bicampeão olímpico 

Até 2004, Adhemar Ferreira da Silva, do salto triplo, era o único brasileiro a ostentar a honraria de bicampeonato olímpico. Concidentemente, Marcelo Ferreira e Torben Grael ficaram alojados na “Casa Centaurus”, juntamente com Robert Scheidt, também da vela, e os jogadores Giovane e Maurício, da seleção de vôlei, todos com grandes chances de repetir o feito de Adhemar no pódio.  

“O prédio nosso era o maior astral, de energia boa. A galera toda junta, todo mundo ali já tinha ganho medalha antes”, elogia Marcelo. 

Porta-bandeira da delegação do Brasil na Cerimônia de Abertura, Torben Grael saiu na frente dos demais candidatos a bi, ingressando numa outra lista onde o bicampeão do atletismo também figurava. ""Como atleta que defendeu o país, acredito que o meu pai torcia por seus contemporâneos e por todos os que vieram depois dele. Ver um novo brasileiro como bicampeão olímpico era uma expectativa constante”, opina a cantora Adyel Silva, filha de Adhemar Ferreira da Silva. 

O “excesso de alegria” dos brasileiros na Cerimônia de Abertura dos Jogos gerou polêmica. “A abertura foi uma bagunça! Foi uma farra danada”, confessa Marcelo. “O Torben levando bandeira... Acabamos nos excedendo um pouquinho nas brincadeiras e naquele drinque, chamado de ‘urso’, uma cachaça grega que veio no kit de boas-vindas, um troço. Teve um pouco de excesso, que motivou até uma reunião de chamada de atenção, um puxão de orelha na galera. Mas isso foi muito antes da competição”, pontua.  

Tudo deu certo! 

Ferreira e Grael estrearam em Atenas com um quinto lugar. “A gente começou bem. No primeiro não foi extraordinário, mas foi bom”, lembra Marcelo.  

Depois de um quarto lugar na segunda regata, os brasileiros venceram a terceira e a quarta, e ficaram em segundo na quinta e na sétima. “A gente liderou praticamente toda a competição e ganhamos com um dia de antecedência. As coisas foram se encaixando”, rememora Marcelo Ferreira. 

Em 26 de agosto de 2004, sem ter que disputar a última regata, os brasileiros da classe Star entraram para o seletíssimo hall dos brasileiros bicampeões olímpicos. Robert Scheidt havia igualado o feito de Adhemar Ferreira da Silva, conquistando a medalha de ouro na classe Lase em 21 de agosto.  

“Eu conheci o Adhemar e passei a vida inteira ouvindo falar da história e do bicampeonato olímpico dele. Igualar essa marca foi um grande feito”, avalia Marcelo. “A gente demorou muito a quebrar essa barreira das duas medalhas de ouro e, de repente, vários atletas seguidos quebraram. A Casa Centaurus foi o prédio do ouro: o Giovane e o Maurício estavam lá e também foram bi, assim como nós e o Scheidt. Foi fantástico!” 

“Meu pai e os Grael sempre tiveram uma relação de muito respeito. Acho que essa cordialidade envolvia o Marcelo também. Ele ficaria muito feliz com o bicampeonato olímpico deles. Eu me alegrei bastante, em 2004, quando outros ouros olímpicos foram, finalmente, conquistados por atletas que já eram campeões. Já tinha passado da hora! Foi merecidíssimo”, opina Adyel Silva, filha de Adhemar, que faleceu em 12 de janeiro de 2001.   

Com quatro Jogos Olímpicos disputados e três medalhas conquistadas, Marcelo Ferreira não tem dúvidas ao apontar a disputa de Atenas como a mais especial. “Ali para mim foi o ápice. Atlanta 1996 foi bom, mas, para a minha história olímpica, a melhor foi lá em Atenas. Primeiro porque eu fiz turismo para ver aquelas obras todas. É bacana demais você estar ali, no berço do olimpismo, e conseguir ainda se consagrar com uma medalha de ouro. Foi demais!”  

“A conquista das duas medalhas de ouro foi especial. A de Atlanta 1996 porque foi a primeira e porque vínhamos de um mal resultado em Barcelona 1992, quando ficamos em décimo-primeiro lugar”, avalia Torben Grael. “E Atenas 2004 porque era o berço do olimpismo. Levei a bandeira na abertura e fomos bicampeões. Foi uma maneira super especial de fechar esse ciclo”, completa. 



Happy hour diário 

Como a Marina ficava distante da Vila Olímpica, Marcelo Ferreira e Torben Grael estabeleceram um “quartel general” num posto de gasolina, onde pegavam o ônibus para voltar para a Vila.  

“Como sempre, a vela tem esse negócio de ficar destacada porque, tirando Barcelona, onde a Marina era dentro da Vila Olímpica, geralmente a gente fica mais distante. A gente passa o dia inteiro fora da Vila Olímpica. Em Atenas, eu quase não fiquei lá. A gente sai muito cedo, acorda, toma café e vai para a Marina. Quando sai de lá, já está de noite. Não temos muito convívio dentro da Vila Olímpica. Até temos algum contato, mas, no refeitório, chega todo mundo com a sua equipe e ninguém se mistura muito”, detalha Marcelo.   

“A gente tinha um ponto de encontro da vela, lá perto da Marina. Tinha um posto de gasolina para onde a gente ia e, de lá, pegava um ônibus para ir para a Vila Olímpica, todo dia.  A gente fazia as nossas atividades, depois tomava uma cervejinha para dar aquele relax nesse posto de gasolina, todos os dias. Quando ganhamos a medalha de ouro, o dono fechou o posto para ir para a nossa premiação. Foi muito legal!."" 

Prazer em competir 

Marcelo Ferreira avalia que, no tempo em que competiu, a vela era um esporte mais descontraído e isso colaborou para o seu prazer em competir e sua disposição para conquistar os títulos. 

“Essa turma que está aí é superatleta. Acho que a gente tem que poder fazer um pouco de tudo na vida. Tem coisas que são muito radicais. Eu jamais conseguiria fazer para um programa desse sem sair para tomar uma taça de vinho. Não precisa encher a cara, mas acho que faz parte do treinamento. Relaxamento mental faz parte da preparação física. Se não, a pessoa estoura. Tem gente que tem overtraining porque não dá uma relaxada, não só porque tem ginástica demais”, avalia.  

O jornalista Cezar Marques, grande amigo desde a infância, revela que essa pausa para descontração é própria de Marcelo Ferreira, que, sempre que possível, não perdia a chance de desfrutar dos prazeres da boa mesa, sem perder o foco da disputa. “Em várias competições, inclusive, em Jogos Olímpicos, quando não tinha vento e a regata era cancelada, lá ia o Marcelo improvisar uma churrasqueira e queimar uma carne para a galera. Ele é um ótimo churrasqueiro”, elogia. “Marcelo é agregador, sedutor, carismático, um amigo amoroso aos extremos. Como atleta, é um touro indomável, dotado de muita técnica e determinação. Como diz o ditado: ‘pra ele não tem tempo ruim’. E não tem mesmo, ainda que seja no mar”, complementa. 

“Claro que a preparação física é fundamental. Na verdade, é a somatória de tudo que faz o cara chegar ou não. Esse papo de o sujeito tomar uma cerveja, comer um pouco errado, isso varia de modalidade para modalidade. As meninas da ginástica, por exemplo, eu acho um absurdo aquelas meninas passando uma fome danada, desesperadas, pedindo um pedacinho de chocolate escondido. Não pode funcionar isso! Como é que a pessoa vai fazer os que elas fazem passando uma fome louca?”, questiona.  

O fato de poder tomar uma cerveja ou uma taça de vinho, saborear um churrasco e contar com uma flexibilidade maior em relação ao peso não significa que Marcelo Ferreira vivenciou uma carreira sem sacrifícios.  

“Eu abri mão de tudo! Primeiro, você está sempre fora nas datas importantes, é impressionante. A gente ao menos estava em casa em Natal e Ano Novo, mas o resto: aniversários de família, de mulher, de pai, de mãe, de irmão, quase sempre você está viajando. Não eram viagens de cinco dias, de 10 dias. Eram sempre viagens longas de, no mínimo, 20 dias”, contabiliza Marcelo. 

“Depois que eu tive filho, isso era uma coisa que me matava. Eu tenho três filhos – Frederico, Vicente e Tomás. Hoje eu vejo o que eu perdi com o Vicente e com o Frederico, porque o Tomás é o meu chaveiro. Eu estou com ele o tempo inteiro. Ele vai para cavalgada comigo, eu o levo para as aulas de tênis, eu o levo para tudo, eu curto ele como eu não consegui curtir os outros. Isso é uma coisa que, realmente, paro, olho e digo: Essa parte eu não peguei. Minha mulher sofreu muito com isso porque ela trabalha, tem a empresa dela. Ela sozinha com dois filhos pequenos... Depois ainda teve a Volta ao Mundo para complicar mais ainda. Foi um negócio pesado, muito tempo fora. Eles encontravam com a gente, mas é muita abdicação. Eu abri mão de muita coisa”, afirma Marcelo, citando a mãe de seus filhos, Renata Botto. 

Um proeiro diferenciado 

Numa época em que apenas os timoneiros eram reconhecidos pelo público e pela imprensa, Marcelo Ferreira conquistou o seu espaço. “A mídia era engraçada, porque só falavam Torben, Torben. As pessoas em torno falavam: ‘Pô! O cara veleja sozinho?’ Porque antigamente era assim. Eu acho até que eu fui um cara que, no final, sobressaí. Não sei se foi porque eu ganhei outros títulos sem o Torben e também pelo meu jeito de ser espontâneo, brincalhão, acabei entrando no mercado. Mas não foi nada programado. Eu poderia ter feito muito mais coisas em termos de vida social, imprensa, aproveitar um pouco, mas não era a minha praia. Eu prefiro viver do meu jeitinho largado por aí, curtindo”, diz Ferreira. 

“Marcelo sempre teve muita presença, sempre foi muito bom com a mídia e foi decisivo em inúmeros momentos. Sua simpatia contagiante sempre abriu muitas portas”, reconhece Torben.  


Hall da Fama 

Marcelo Ferreira parou de competir profissionalmente em 2011. “De vez em quando, ainda dou uma velejada, mas não estou mais nem em Clube de Vela. Eu tinha barcos pequenos de passeio, vendi. Estou seguindo a vida”, diz ele. 

Embora muito feliz e realizado com o sucesso alcançado no esporte,  não teve dificuldade de virar a página e partir em busca de novos desafios assim que encerrou sua carreira na vela de competição. “Eu acho que a vida é feita de fases”, justifica. “Depois de viver quase 30 anos no mar, velejando, eu mudei. Simplesmente fui tocar a vida profissional, fazendo outras coisas: construção civil, hoje eu tenho piscicultura, não tem nada a ver com o ramo que a gente exerceu na vida. Eu tenho outras atividades, adoro viajar, gosto de cavalgar, gosto de fazer 300 programas diferentes. A vela me colocou no mundo, me deu vários ensinamentos, mas foi uma fase da minha vida, as coisas mudam. E ainda bem que as coisas mudam! Eu não aguento ficar numa situação de monotonia”, compartilha ele, traçando um paralelo com o estilo de vida do seu parceiro Torben Grael, a quem considera como irmão. “Ele e a família dele vivem vela 24 horas por dia, 365 dias no ano”, pontua. 

O velejador acrescenta à sua galeria de conquistas um posto no Hall da Fama do COB. 

“Marcelo, com seu bicampeonato olímpico e mais uma medalha de bronze, é um dos maiores atletas olímpicos do Brasil e merece muito um lugar no Hall da fama do COB”, sentencia Grael. 

“Ter esse reconhecimento dentro do país, pelo Comitê Olímpico Brasileiro, realmente, me enche de orgulho”, finaliza o bicampeão olímpico.  
Marcelo Bastos Ferreira

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Medalhas em jogos olímpicos

Vídeo

Marcelo Ferreira Biografia para o Hall da Fama

Marcelo Ferreira foi a quatro Jogos Olímpicos e subiu três vezes ao pódio. Ao lado de Torben Grael, o velejador tornou-se um dos primeiros atletas a intregrar o seleto grupo de bicampeões olímpicos.
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