Logo
Homeganeado
Reinaldo Conrad

Reinaldo Conrad

modalidade

Vela

data e local de nascimento

31/05/1942

São Paulo

BIOGRAFIA

Golfo de Nápoles, setembro de 1960, final da terceira regata da classe Finn na disputa da vela dos Jogos Olímpicos em Roma. Na linha de chegada, uma fragata italiana, que levava à bordo os juízes, trazia oficiais enfileirados na borda, todos vestidos de branco. Quando um brasileiro de apenas 18 anos cruzou em primeiro lugar, teve sua primeira vitória olímpica celebrada com um brado vibrante e inesquecível: “Urra!!! Urra!!!”.  

“Esse ‘Urra!’ ainda soa em meu coração. Realmente é uma emoção que vai ficar comigo até o resto da minha vida”, revela Reinaldo Conrad, responsável pelas primeiras medalhas da tradição vencedora da vela brasileira em Jogos Olímpicos. 

Campeão dos Jogos Pan-americanos Chicago 1959 na classe Snipe ao lado de Antônio Barros, aos 17 anos -quando estreou em competições internacionais-, ele se ressentiu por estar sozinho nos Jogos de Roma e acabou na quinta colocação.  

“Havia outros velejadores do Brasil, mas cada um estava num clube. Eu estava sozinho e não acostumado a estar sozinho. Sempre tive um proeiro, sempre velejei em barco de dois. Era a primeira vez que eu velejava num barco de uma única pessoa”, conta Reinaldo.  

“Uma das coisas de que eu senti falta nesses Jogos foi do apoio de um técnico ou de alguém que pudesse me apoiar em minhas decisões, me orientar. Cometi muitos erros nas regatas por tomar decisões sozinho. Um dos principais erros foi achar que eu estava num nível de competitividade semelhante ao dos Jogos Pan-americanos, onde nós ganhamos todas as regatas de maneira muito fácil”, prossegue. 



“O que eu estou fazendo aqui?” 

Reinaldo lembra que, na sua primeira manhã em Roma, ao abrir a janela do quarto, no alojamento da Vila Olímpica, deu de cara com uma pista de atletismo onde os principais atletas do planeta estavam treinando. Ao se deparar com alguns figurões do esporte, Conrad se questionou: “Puxa, o que é que eu vim fazer aqui?”. “Essa foi a primeira emoção do dia”, diz.  

A segunda emoção veio a bordo do trem, a caminho de Nápoles. Quando o trem começou a descer em direção ao balneário, o vento começou a bater muito forte no mar. “Devia estar a umas 40 milhas, estava no limite de vento para as regatas. Eu era leve, pequeno, tinha uns 75kg. Pensei: como é que eu vou sobreviver?”. Não só sobreviveu, como esteve em outras quatro edições dos Jogos, tornando-se pioneiro no pódio, fazendo história e colocando o Brasil entre as grandes potências olímpicas da vela.   

Brincadeira de criança 

Apaixonado por voar, o engenheiro Ernesto Conrad era piloto amador e foi um dos primeiros pilotos de planadores do país. Sua esposa, a dona de casa Ruth Elizabeth, foi atleta de natação do Esporte Clube Pinheiros na juventude, quando as competições eram realizadas no rio. Ambos se casaram e se tornaram pais de Reinaldo e Raph e tinham como hobby frequentar o Yatch Club Santo Amaro, que fica às margens da represa de Guarapiranga, em São Paulo, todo final de semana.  “A grande alegria minha de meu irmão era brincar na água represa, que não era poluída, era limpa, nós bebíamos água da represa e víamos os velejadores participando de regatas”, recorda. 

“O Reinaldo tinha 10 anos e eu oito, quando meu pai nos deu, de presente de Natal um barquinho a remo. Nós olhávamos maravilhados aqueles 'velhos' de 25, 30 anos, com seus veleiros de duplas muito lindos. Minha mãe costurou uma pequena vela de algodão e, com um mastro de bambu, começamos a imitar os 'velhos'”, relata Ralph Conrad. Esse foi o começo dos irmãos na vela.  

Em 1954, um velejador da classe Pinguim convidou Reinaldo para ser o proeiro dele numa regata. “Foi a primeira vez que participei de uma regata, eu tinha 12 anos”, informa Reinaldo. 

No ano seguinte, os meus pais deram um Pinguim de presente para os irmãos. “A nossa primeira velejada foi de, mais ou menos, um metro. Andamos um metro, e o barco capotou ou capotamos o barco. Essa foi a nossa estreia, o nosso batismo. Aí, devagarzinho, fomos aprendendo com os velejadores da época, que nos ensinavam com alegria os mistérios da vela”, diverte-se.  

Como todos os irmãos, Reinaldo e Ralph tinham suas discussões. Para conquistar o comando do barco, Reinaldo usou uma estratégia única para não haver brigas. “Quando recebemos o Pinguim de nossos pais, ficou combinado de que um fim de semana quem comandava o barco era eu, e no outro fim de semana, meu irmão. Como eu adorava comandar, trocava meus brinquedos com ele para que ele me permitisse também comandar o barco nos fins de semana que pertenciam a ele. Isso durou um ano mais ou menos e foi bom acho que para os dois”, divide Reinaldo. 

Teoria e prática 

Segundo Conrad, na década de 50 chegar ao Yatch Club Santo Amaro era complicado porque não havia estradas, havia apenas uma pequena picada para chegar lá. Também não havia energia elétrica na região. “Meus pais nos deixavam no sábado à tarde no clube e nós pernoitávamos lá. À noite, no momento do jantar, nós jantávamos juntos com o pessoal mais sênior, de 20, 30 anos de idade. Ficávamos escutando os comentários que eles faziam sobre as suas regatas, sobre suas experiências e também fazíamos trabalhos manuais, fabricando pequenas peças para instalar nos barcos porque nessa época não havia uma loja em que você ia comprar as peças. Isso aconteceu durante uns dois ou três anos e foi extremamente importante para criar uma base de conhecimento e de habilidade manual, de como cuidar do barco, de como organizar o barco, de como regular o barco”, enfatiza Reinaldo. 

“Lá havia uma boa biblioteca de livros e revistas, onde, após o jantar, ficávamos lendo e discutindo para, na manhã seguinte, testar ideias e dispositivos para a regata da tarde. Foi o início, já com muito resultado. Com 15 anos, meu pai deu um Snipe para ele e, dois anos depois, Reinaldo já ganhou o Pan. Eu fiquei com o Pinguim e, aos 16 anos, ganhei também um Snipe”, completa Ralph Conrad. 



Sem compromisso no Pan 

Reinaldo Conrad praticou vela e natação por puro prazer e diversão. A brincadeira começou a se tornar séria quando ele foi convocado para representar o Brasil nos Jogos Pan-americanos Chicago 1959. “Era bom velejar, era bom participar de regatas, mas sem ser nenhum alvo mais sério, mais complicado, sem nenhuma meta. Ir para os Jogos Pan-americanos com 17 anos, para mim, era como estar velejando em Santo Amaro, na represa de Guarapiranga, apenas num país onde se falava Inglês e não Português. Era a mesma brincadeira, o mesmo contato com a água, o mesmo desprendimento de qualquer compromisso e isso é um fator importante, ir para a regata sem nenhum compromisso”, avalia.  

O cuidado e o carinho com que foi tratado pelo Major Sylvio de Magalhães Padilha, chefe da delegação, é uma das lembranças mais fortes da competição. “Eu era o mais jovem da delegação. Ele estava preocupado que alguma coisa pudesse me acontecer, eu me perder, sei lá... Antônio Marcos, que era o meu proeiro, tinha 18 anos na época. Íamos para o clube como se estivéssemos indo para o Yatch Club Santo Amaro. Eu me lembro que íamos a pé, tranquilos”, compartilha. 

Reinaldo lembra que o barco sorteado para eles usarem na competição era de um senhor que, na época, tinha 60, 65 anos, e estava adaptado para o dono. “Quando nós vimos o barco, decidimos pegar serrote, martelo e parafuso e mudamos uma série de coisas, sem nunca pensar em pedir autorização para fazê-lo. Disso eu me arrependo hoje ainda. Já imaginou, você empresta um barco para uma competição e aí os competidores vão lá e começam a serrar parte do teu barco?” Sentindo-se em casa, Reinaldo e Antônio Marcos conquistaram a medalha de ouro. 

Irmãos parceiros 

Quatro anos depois, ele estava literalmente em casa, ao disputar o Pan de São Paulo, em 1963. Embora já fizesse dupla com o alemão Burkhard Cordes, competiu ao lado do irmão Ralph, uma vez que Cordes ainda não havia se naturalizado brasileiro. “Competir em casa foi uma ajuda, conhecendo o local da regata, os ventos, isso ajuda muito o velejador. Ter meu irmão como parceiro era voltar ao tempo do Pinguim de novo. Meu relacionamento com ele era excelente, e tivemos a vantagem de conhecer o local da regata. O barco nos foi emprestado pelo Eduardo Souza Ramos, um grande amigo. Foi realmente muita alegria ter conseguido a segunda medalha nos Jogos Pan-americanos em casa”, detalha. 

Sempre muito incentivado pelos pais, Conrad foi prata no Pan de Winnipeg-1967 e conquistou o terceiro ouro no Pan da Cidade do México, em 1975. “Para mim, os Jogos Pan-americanos sempre foram um marco, uma competição amiga. Eu me sentia bem, tranquilo. Realmente tivemos performances excepcionais nos Pan-americanos”, constata.  

Fora de Tóquio 1964 

Depois de romper os ligamentos do joelho pela segunda vez, Conrad não teve condições de disputar os Jogos Tóquio 1964. “Eu havia rompido os ligamentos de um dos joelhos em 1959. Em 1962, rompi os ligamentos do segundo joelho e não podia mais velejar em barcos de uma única pessoa, pelo menos naquela época. Eu estava com os joelhos danificados e participei da eliminatória olímpicas da Star e de Flying Dutchmann, mas perdi”, relata. 

Nos Jogos Cidade do México 1968, Reinaldo Conrad fez dupla com Burkhard Conrad, seu parceiro de muitos anos, na classe Flying Dutchman, considerada a Fórmula 1 da vela. ""A gente sabia que podia conquistar um grande resultado. Um ano antes, no Mundial de 1967, nós tínhamos conseguido o quarto lugar. E eram os mesmos competidores"", declarou Burkard Cordes, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo por ocasião dos 50 anos da medalha. Em Acapulco, os brasileiros encontraram condições semelhantes às da represa de Guarapiranga, com ventos fracos. ""Estávamos acostumados com ventos assim. Tínhamos dificuldades com ventos fortes"", lembrou Cordes, na mesma entrevista. 

Reinaldo destaca a dificuldade com equipamento. “É importante lembrar as condições da vela da época. Nós praticamente não participávamos de competições durante o ano e, portanto, não conhecíamos o desenvolvimento dos barcos, velas, mastros etc, que outros países estavam tendo. Então você chegava nos Jogos Olímpicos ou num Campeonato Mundial e descobria que neozelandês tinha uma vela diferente, que o alemão tinha um mastro diferente, que o americano tinha um casco diferente, enfim, você chegava ao campeonato materialmente superado. E acabou que nós estávamos com o equipamento superado, no México”, ressalta Reinaldo. 

“De qualquer maneira nós estávamos lá para competir e tentar ter uma boa classificação. Conseguimos. Devo muito à parceria com Burkhardd Éramos como se fôssemos uma única pessoa, eu praticamente não precisava falar, ele já sabia o que eu ia fazer e vice-versa. A gente sempre se deu muito bem e tínhamos os mesmos objetivos”, emenda. 

Pressentimento  

Reinaldo Conrad e Burkard Cordes estavam em sexto lugar na classificação geral na véspera da disputa final, em Acapulco. Embora, matematicamente, a chance de medalha não estivesse descartada, a dupla brasileira precisaria vencer, superando o inglês Paul Elvstron, que havia vencido as seis regatas disputadas.  

“Antes da última regata, eu tive um pressentimento de que nós poderíamos ganhar. Só que veio a questão: o inglês ganhou tudo até agora, como é que eu vou ganhar dele? Ah! Tranquilo. Eu vou ganhar, ele tira segundo e abro uma vantagem suficiente para ter uma medalha. Aí eu peguei um pedaço de papel carta e escrevi qual seria o resultado da última regata. Colei esse papel na porta do apartamento onde a gente estava morando e aconteceu”, festeja Conrad. 



Queimando a largada 

A dupla brasileira estava velejando em Acapulco havia duas semanas e estava tranquila, mas foi preciso superar alguns obstáculos para alcançar a vitória prevista no dia anterior por Conrad. Cordes teve seus movimentos limitados por conta de um inchaço no joelho e precisou de atendimento médico antes da competição e, no dia da regata, os dois queimaram a largada.  

“A gente queimou a saída e quando você queima - era assim naquela época -, tem que retornar. Como nós saímos próximos da boia de sotavento, retornar foi dar a volta em torno da boia e voltar para a regata. O comentário de um técnico holandês depois da regata foi: ‘Reinaldo, eu nunca vi alguém sair adiantado e retornar tão rápido para competição’. Ou seja, nós fizemos aquela manobra em torno da boia tão rápido que, mesmo retornando, a gente acabou saindo em primeiro”, detalha Conrad. A vitória prevista tornou-se real. 

Dando início a uma tradição na vela 

“O bronze em 68 para nós foi algo excepcional. A sensação de ser o primeiro medalhista olímpico da vela brasileira é de dever cumprido. Eu não tinha noção de que estava protagonizando um feito histórico. Eu sabia que estava nos Jogos, fazendo o melhor possível, tentando ser competitivo e já planejando para os próximos”, diz Reinaldo. “A gente não tinha ideia de que seríamos tão competitivos a partir dali"", disse Burkhard Cordes, em entrevista ao Estado de São Paulo. A família do velejador tem tradição olímpica. Ele é filho de Otto Cordes, atleta alemão do polo aquático, que conquistou medalha de ouro nos Jogos Amsterdã 1928 e prata em Los Angeles 1932. 

“Reinaldo Conrad foi um velejador que rivalizou até com o nossos tios Axel e Erik Schmidt na classe Snipe. Essa medalha de bronze dele realmente foi a precursora. Foi ele quem começou a saga da vela naquela famosa tabela de medalhas olímpicas. O bronze que ele obteve, nos Jogos Olímpicos México 1968 na classe Flying Dutchman, em dupla Burckhard Cordes, abriu o caminho para muitos outros velejadores terem inspiração de chegar ao pódio olímpico na vela”, ressalta o medalhista olímpico Lars Grael, bronze em Seul 1988 e em Atlanta 1996.  

“Reinaldo foi o precursor, o grande planejador e fez toda a diferença no início da vela brasileira. Hoje a vela tem sete medalhas de ouro e foi ele que abriu o caminho para todas elas”, pontua o jornalista Álvaro José. 

Segundo Reinaldo, nada mudou na vida dele e de Cordes após a conquista da medalha. “Continuamos a ser velejadores fim de semana, em Guarapiranga, e nos divertindo na água, enfim, velejando”, diz. 

Um novo proeiro em Montreal 

Quarto colocado na classe Flying Dutchman nos Jogos Olímpicos Munique 1972 com Burkhard Cordes, Reinaldo Conrad teve um novo parceiro nos Jogos de Montreal, em 1976: o paulista Peter Ficker.  

“Só não participei com o Burkhard, em 1976, porque a previsão era de que teríamos vento forte em Montreal, e ele não era suficientemente grande para que a gente fosse competitivo. Então, convidei o Peter Ficker para velejar comigo. Sou grato ao Burkhard por tudo o que ele se esforçou e tudo o que fez por mim, somos grandes amigos, embora a gente se veja raramente”, explica Conrad. Cordes tem 1,77m de altura. Ficker tem 1,90m. 

O objetivo de Conrad e Ficker era ser competitivo. A dupla chegou a Montreal bem organizada. “Cada local tem características diferentes, por isso, a adaptação é muito importante. Chegamos 15 dias antes à Vila Olímpica e velejávamos das 10h às 16h, direto, chegando ao clube às 8h todos os dias”, recorda Peter Ficker.  

“Conseguimos ter uma sensibilidade tal que fazíamos até previsão de ventos correlacionada com o tamanho das gotas de orvalho, logo pela manhã, chegando ao barco: fraco, médio ou forte durante aquele dia. Claro que acompanhávamos as previsões do tempo sempre, principalmente a tendência de rodada de vento. Como tudo pode influenciar, quanto mais informações, melhor. Para não ficar na dúvida sobre que vela usar, compramos todos os tipos de velas que já haviam ganhado regatas no mundo”, emenda.  

Reinaldo lembra que a dupla tinha dois barcos. “Eu disse para o Peter: 'Dessa vez, estamos no mesmo patamar dos demais concorrentes'”, conta. A euforia durou até avistarem uma van branca, junto ao estacionamento dos barcos. Ao perguntar do que se tratava, Reinaldo soube que era uma van da NASA, que forneceria a previsão meteorológica exclusivamente para a equipe norte-americana. “Aquele estado da arte, que nós imaginávamos ter, desmoronou”, constata.  

Os organizadores tentaram compensar, fazendo uma apresentação sobre a previsão do tempo com técnicos da Aeronáutica Canadense todos os dias, às 8h, no auditório, para todos os velejadores. Mas essas previsões nem sempre eram acertadas. Em certa ocasião, depois de esperar uma virada do vento prevista que não aconteceu, Conrad preferiu ler a direção dos ventos da maneira mais tradicional: molhando o dedo e vendo de onde o vento vinha. 



Apoio psicológico 

Reinaldo destaca a importância do equilíbrio psicológico durante as disputas olímpicas. Ele relata que, na primeira regata, no lago Ontário, em Montreal, eles chegaram na décima colocação, enquanto os alemães orientais, considerados os favoritos por terem vencido o Campeonato Europeu e ficado em terceiro no Mundial, também chegaram numa posição desfavorável. 

“Quando a gente chegou em terra, o técnico brasileiro Wolfgang Richter nos abraçou, fez festa e disse: ‘Vamos para frente, já que a gente pode descartar uma regata, essa aqui é a que vocês vão descartar’. Ele nos deu um apoio psicológico muito grande. Do nosso lado estavam os alemães orientais, e o técnico deles os recriminava de maneira muito áspera. Resultado, nós tiramos medalha e os alemães orientais nunca mais apareceram entre os 10 primeiros ou praticamente não apareceram”, exemplifica Conrad. 

“Nos Jogos, uma coisa fundamental é a estrutura psicológica, porque você passa duas semanas ao lado do concorrente, vai para água com o concorrente, ao lado dele, guarda o barco ao lado do dele e, por ao lado eu digo um metro, dois metros de distância. Você convive com ele praticamente 12 horas por dia. Se você desmontar psicologicamente, está superado”, ensina.  

O condicionamento físico fez falta 

Segundo Conrad, as regatas da época de Montreal 1976, eram diferentes das atuais, os percursos eram longos, e a duração das regatas na classe Flying Dutchaman ficavam entre duas horas e duas horas e meia. Assim, uma das condições importantes para ser vitorioso era ter resistência física para suportar bem o longo tempo de competição. 

“Hoje, olhando de longe, vejo que o que nos faltou em Montreal foi preparo físico suficiente. No último pedaço do percurso, nós sempre perdíamos uma ou duas colocações, e a única explicação era o cansaço físico. A gente não tinha treinamento, não tinha preparação física, nada do que se faz hoje”, informa Reinaldo, que, durante toda a sua carreira, só entrava no barco para treinar nos finais de semana e nunca se dedicou à atividade física específica para competição. 

Mais um bronze 

Apesar das limitações, a dupla brasileira conquistou mais um bronze. “Se em uma das regatas a gente tivesse chegado um lugar à frente, uma posição melhor, nós teríamos sido prata. Não conquistamos a medalha de prata porque, ao contrário de Acapulco, eu não acreditei que seria possível”, confessa. “A conquista dessas medalhas mostrou que a vela brasileira era competitiva, que não temos que temer competidores de quaisquer outras partes do planeta. Os brasileiros sabem velejar e o fazem de maneira excepcional. Eu acho que as medalhas que eu consegui conquistar abriram essa porta para as grandes conquistas que vieram a seguir”, reconhece.   

“Reinaldo, junto com seus tripulantes, abriu os caminhos com suas duas medalhas de bronze para as demais conquistas da vela que vieram após aquelas pioneiras conquistas em 1968 e 1976, assim como o tricampeonato dos gêmeos Schmidt nos anos 1961, 1963 e 1965. Eles mostraram à nossa comunidade o caminho dos Mundiais”, observa bicampeão olímpico Torben Grael, detentor de cinco medalhas em Jogos Olímpicos.  

Estratégia errada em Moscou 

Na última edição olímpica que disputou, Reinaldo Conrad fez dupla com Manfred Kaufmann e terminou na oitava colocação na Flying Dutchman. “A gente fez um ajuste no barco que não deu certo. Nós levamos alguns anos para descobrir por quê. Fico triste com o resultado que tivemos porque poderíamos ter chegado em uma melhor posição. Foram os Jogos para os quais nós treinamos mais. Mas Moscou não foi a nossa despedida, até hoje não me despedi”, enfatiza Reinaldo, que tentou uma vaga nos Jogos Rio 2016.  

“Eu gostaria de ter participado no Rio, mas não havia nenhuma classe de barco em que eu me encaixasse fisicamente e, por isso, não participei de nenhuma eliminatória. Para o Fynn e para o Laser, eu sou muito pequeno, e para os catamarãs e 470, sou um pouco pesado. Como não teve Star, realmente não tinha classe para mim”, lamenta.  

Foi em Moscou 1980 que Marcos Soares e Eduardo Penino, na classe 470, e Alex Welter e Lars Bjorkström, da Tornado, conquistaram as primeiras medalhas de ouro da vela brasileira.  

“Nas regatas da conquista de medalhas do pessoal do YCSA, que eram o Alex Velter e o Lars Bjorkström, o Reinaldo Conrad estava lá e ele sempre ajudava, cooperava com os amigos, palpitava e tudo mais, porque a comunidade da vela é uma só. Ele foi um cara que sempre dividiu o conhecimento”, destaca o jornalista Álvaro José.   

Pouco treino, muito conhecimento do barco 

Reinaldo Conrad nunca se dedicou ao condicionamento físico. Teve um excelente professor de Educação Física no antigo ginásio e colegial (atuais Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio) e andava de bicicleta no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), onde fez faculdade, mais nada. “Nunca fiz exercício físico além de velejar, porque eu preferia ficar mais horas na água do que em terra fazendo exercício”, revela. Os treinos na água eram eventuais. “Meus treinos se resumiam a um eventual velejar no sábado e no domingo. Digo eventual porque muitas não tinha vento, outras vezes não tinha água”, completa. Mas uma das atividades a que ele se dedicou com afinco, desde o início, foi ao acerto do barco. 

Formado em Engenharia Aeronáutica no ITA, onde ingressou como aluno número um, Reinaldo sempre teve paixão pela inovação. “Um dos segredos da vela competitiva é inovar. Você inova com o casco, inova na vela, no mastro, na regulagem nos cabos de aço, enfim, no leme. Você vai inovando, e uma das grandes inovações, que eu aprendi logo, em 1955, com um senhor que nos orientou muito na classe Pinguim, chamado Flávio Caiubi, foi a regulagem do barco”, detalha.  

Apesar do conhecimento acadêmico e dos títulos internacionais, Conrad nunca perde a oportunidade de aprender, seja com quem for. “Sempre que eu vejo alguém velejando, procuro saber como ele organiza o seu barco. E, dentro disso, um dia andei de jangada, lá em Recife, Pernambuco, e notei que o jangadeiro colocava a bolina para frente e nós, velejadores, púnhamos a bolina um pouquinho para trás, nunca para frente. Eu perguntei para ele: Por que o senhor põe a sua bolina para frente? Dentro da simplicidade dele, ele disse: ‘O barco corre mais’. Daquele dia em diante, eu comecei experimentar colocar a bolina inclinada para frente no vento fraco, e o resultado foi positivo. Ou seja, você tem que estar aberto para aprender o tempo inteiro e depois testar. Algumas vezes dá certo, outras vezes não”, apregoa. 

Referência para os futuros campeões 

A habilidade de Reinaldo Conrad para acertar os barcos é destacada pelos maiores nomes da vela do Brasil. “Ele teve uma influência grande não só sobre mim, mas sobre uma geração toda de velejadores. Eu cresci no mesmo clube que ele, o YCSA, cresci admirando o Reinaldo. Quando eu era pequeno, me lembro dele velejando, preparando o barco dele. Ele tinha como característica saber muito bem regular os barcos. Ele velejou em barcos muito técnicos, como o Flying Dutchman, onde ele ganhou as medalhas olímpicas, mas também com o Star, o Soling, o Snipe. E em todos esses barcos, a característica principal era que ele sabia tirar o máximo de velocidade, regulando o barco, acertando o mastro, a vela. Ele tinha essa capacidade de acertar o barco para as condições e ele investia muito tempo em ter o melhor equipamento, o equipamento mais moderno, e regulá-lo com precisão. Esse era o ponto forte dele. Engenheiro de formação, ele tinha uma capacidade enorme. Ele tem a cabeça de engenheiro e isso ajuda muito nessa questão da física ligada ao barco. Esse era um ponto que o diferenciava dos demais”, detalha o bicampeão olímpico Robert Scheidt, o maior medalhista olímpico da vela brasileira. 

“Reinaldo sempre foi muito técnico. Desde o início na vela, nós estudávamos muito em livros e artigos da Europa a aerodinâmica, a hidrodinâmica e as táticas de como aproveitar melhor os ventos, procurando as rajadas e evitando as zonas de ventos fracos na raia de competição. Como engenheiro formado pelo ITA, ele sempre usou do conhecimento técnico para otimizar a forma de fazer contrapeso, o posicionamento das velas, aproveitar as ondas para surfar”, descreve Ralph Conrad. 

“Metódico, o Reinaldo Conrad foi aluno número 1 do ITA, quase que um cientista da vela. Ele tratou o esporte da vela como ciência, muito mais como intuição, e velejava no barco mais sofisticado da época entre as classes olímpicas, que era o Flying Dutchman. Ele tinha uma capacidade enorme de armazenar dados e fazer experiência e testes com velas, ajustes e regulagens. Traçava uma trajetória para uma campanha olímpica com um nível de seriedade, um nível de sofisticação muito grande. Eu acho que isso mostrou para muitas pessoas que a vela não era só o físico, não era só a intuição e a intimidade com o vento, tinha que ter normas, métodos, organização, planejamento. Ele era um velejador amador, tinha uma profissão em paralelo, tinha um tempo limitado para dedicar à campanha olímpica, mas esse tempo foi extremamente aproveitado dentro de uma disciplina germânica que ele tinha”, analisa Lars Grael.  

Ele sabia ler o vento 

Outra característica exaltada pelos amigos é que Reinaldo Conrad sabia ‘ler o vento’. “Eu diria que ele lia tudo. Talvez, em outra encarnação, ele tenha sido um daqueles comandantes de barco do Caribe que sabiam quando tinha furacão e quando não tinha, muito antes da era do satélite”, brinca Álvaro José.  

“Aprendemos a observar os pássaros, a diferenciar a cor da água quando há uma rajada de vento, das águas com maior reflexo quando por ali há calmaria, a conversar com pescadores sobre as correntes do mar, a ver o período de marés e a posição da lua, que têm influência nas correntes; a ver o tipo de nuvens, a hora do dia, as margens com morros e árvores. Com isso, ele realmente ‘lia’ os ventos”, justifica Ralph. 

Logo depois de se formar em 1965, Reinaldo Conrad passou a se dedicar a projetos industriais. “Tive a alegria de, junto com um grupo finlandês, formar uma empresa de engenharia no Brasil, que se tornou a maior da América da América Latina e uma das maiores no planeta”, conta. 

A ética foi a marca registrada no esporte e no mundo corporativo. “Reinaldo é um nome respeitado tanto no Brasil como no exterior, sendo seu legado o exemplo de ética, conhecimento e de sempre competir para ganhar, nunca para prejudicar alguém, por exemplo, ficar tirando o vento de outro barco com sua vela ou usar algum equipamento fora do regular. E por ser muito humilde, velejando pelo prazer e não para ser alguém mais do que outro”, elogia Ralph Conrad. “Todos os funcionários dele o reverenciavam pela calma e pela educação”, informa Álvaro José. 

Surpresa 

A inclusão do seu nome no Hall da Fama do COB foi recebida por ele com surpresa e gratidão. “Foi uma surpresa, um elogio, um motivo de alegria e gratidão a todos aqueles que me permitiram chegar aqui. Realmente sou grato aos meus proeiros, aos meus técnicos, a todo o pessoal do YCSA e da vela brasileira”, agradece Reinaldo, citando uma extensa lista de nomes que foram importantes na sua carreira. 

“É merecidíssima essa entrada do Reinaldo no Hall da Fama. Ele foi realmente um precursor na classe Flying Dutchman. As primeiras medalhas olímpicas da vela foram conquistadas por ele”, ressalta Robert Scheidt.  

Casado com Maria Isabel e pai de Mark, um campeão de Kyte Foil, muito mais do que homenagens e recordações, Reinaldo Conrad faz planos para voltar a competir. Segundo ele, a vela é um esporte democrático, que não tem limite de idade nem grandes exigências físicas. Ele ainda veleja e participa de um ou duas regatas por ano, mas anseia por mais.  

“Vou tentar voltar à água, vou tentar treinar, coisa que eu nunca fiz ou praticamente não fiz, não nos termos que se usa a palavra treinar nos dias de hoje. Tentar ter uma preparação física, enfim, tornar a ser competitivo”, planeja. Alguém duvida? 
Reinaldo Conrad

4

Medalhas em jogos olímpicos

Vídeo

Reinaldo Conrad Biografia para o Hall da Fama

Exímio conhecedor dos barcos e dos ventos, Reinaldo Conrad foi um dos pioneiros da tradição do Brasil nas competições de vela. O brasileiro subiu ao pódio para receber o bronze nos Jogos Olímpicos Méxio 1968 e Montreal 1976. Também foi tricampeão pan-americano.
HomenageadoHomenageado

GALERIA DE FOTOS

RESULTADO EM DESTAQUE

ediçãoresultadoprova
Jogos Pan-americanos
1º LugarOuro
Jogos Pan-americanos
1º LugarOuro
Jogos Pan-americanos
2º LugarPrata
Jogos Pan-americanos
1º LugarOuro

ACERVO

)