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Sandra Tavares Pires

Sandra Tavares Pires

modalidade

Vôlei de praia

data e local de nascimento

16/06/1973

Rio de Janeiro

BIOGRAFIA

O verão de 1994 já havia começado quando o telefone tocou em um apartamento no terceiro andar do Condomínio Rubem Berta, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Naquela época só existia telefone fixo. Poderia ser uma ligação como qualquer outra. Não era. Dona Norma não reconheceu a voz do outro lado da linha, tampouco sabia quem era a tal Jacqueline que pedia para conversar com sua filha. Assim, dona Norma fez a única coisa que poderia fazer. 

“Sandra, tem uma Jacqueline aqui que está querendo falar com você”, ela disse, ao chamar pela filha.

Sandra também não entendeu. Ela não conhecia nenhuma Jacqueline, mas foi lá descobrir do que se tratava. Nem Sandra ou qualquer outra pessoa na família podia imaginar é que aquele telefonema mudaria completamente o rumo de sua vida. E a faria se encontrar com seu destino de uma maneira bastante inusitada.

No início, o atletismo

Sandra Pires nasceu em 16 de junho de 1973. Filha de dona Norma com o seu Arnaldo, era a caçula do casal e havia vindo ao mundo sete anos depois do irmão, Alex. Criada na Ilha do Governador, bairro de classe média do Rio de Janeiro, Sandra, quando pequena, gostava de saltar e de correr. Desta forma, quando lhe contaram que havia um esporte no qual ela poderia fazer as duas coisas, se interessou rapidamente.

“Meu primeiro esporte foi o atletismo, no ensino primário. Eu estudava numa escola pública, na Ilha do Governador, e eles não tinham muito o que oferecer, porque a única quadra, onde eram realizados todos os eventos da escola, como Dia dos Pais e Dia das Mães, não era coberta. A escola existe até hoje, chama-se Maestro Francisco Braga”, conta Sandra.

“Deve ter sido com uns 10 anos que eu comecei no atletismo. Era salto em distância na caixa de areia, salto em altura no colchão, e a gente também fazia corrida. Eu gostava muito de provas curtas. Eu lembro que não gostava muito de corrida longa. Me dava aquela dor aqui no lado. Era horrível aquilo. Eu acho que não sabia respirar direito. Então essa corrida mais de tiro, de explosão pura, era melhor para mim. Eu gostava muito e acho que foi ali que eu comecei a descobrir esse gosto por competir, fazendo atletismo numa escola municipal. Era um atletismo bem lúdico, aquela coisa bem de criança mesmo, mas já tinha o lado da competição que a gente acaba despertando, independentemente da idade. Era uma coisa sem muito compromisso, mas eu gostava de participar”, prossegue.

Apesar da paixão pelos saltos e pelas corridas de curta distância, o atletismo em breve ficaria para trás. Em pouco tempo, Sandra descobriria sua verdadeira vocação esportiva.

“Quando entrei no ensino médio, com 11 anos, fui para uma outra escola, o Colégio Cenecista Capitão Lemos Cunha, também na Ilha do Governador. Essa escola contava com uma estrutura muito legal. Tinha uma ótima quadra poliesportiva, horta, banda, teatro... E aí eu fui experimentar o vôlei. E me apaixonei”, lembra.

Incentivada pelo professor de Educação Física Serginho, Sandra mergulhou no mundo do vôlei e aquela nova modalidade a encantou profundamente.

“Ele me deu muita força. Tinha uma escolinha também. Eu fazia educação física e brincava de cinco corta no recreio. Depois, entrei para a escolinha do Serginho, que era ótimo professor, três vezes por semana. Foi ali que eu despertei para o vôlei. Como já praticara um pouco de atletismo, aquilo me ajudou porque eu tinha mais força e equilíbrio do que as meninas da minha idade, além de uma noção corporal melhor”, ressalta.

O vôlei e os meninos

Ter entrado na escolinha de vôlei foi uma decisão que significou a primeira guinada na vida da jovem Sandra. A partir dali o esporte passou a fazer parte de sua rotina de forma significante e essa decisão foi o alicerce que iria definir o destino daquela carioca que estava predestinada a se tornar uma campeã olímpica.

“Eu continuei treinando nessa escola e comecei a competir em clubes. Eu já treinava em alguns clubes lá na Ilha do Governador mesmo, era bem fominha de bola. Jogava todo fim de semana em todo lugar que podia. Onde eu morava é um lugar bem aberto. Tinha várias praças. Amarrava a rede numa árvore e num prédio e gostava de jogar muito ali. Era uma terrinha, não era areia. Jogava também no cimento, num outro lugar lá perto, onde tinha um complexo com algumas quadras. Eu ficava realmente pentelhando os homens para jogar. Eu pentelhava mesmo”, diz aos risos e divertindo-se com as lembranças.

Ter sido aceita pelos meninos foi outro ponto determinante na evolução esportiva de Sandra.

“Não tinha tanta mulher praticando, então acabei jogando mais com eles. E aquilo me ajudou a jogar melhor, porque você tem que fazer mais força para jogar com os homens. Tem que saltar mais. Por causa disso eu estimulei mais tudo, minha técnica e meu físico. E eles me aturavam. Eles já jogavam muito. Hoje em dia eles ficam super orgulhosos daquela pentelha que ficava atrapalhando o jogo. Olha o que ela é: uma campeã olímpica”.

Supergrasbrás e Rio Forte

A dedicação aos treinos e a insistência em jogar com os meninos logo renderiam frutos. Aos 14 anos, Sandra foi convidada pela primeira vez a jogar na categoria de base de uma equipe de ponta. Apesar de a experiência não ter sido longa, foi um episódio que a preparou para o que ela viveria um pouco mais adiante.

“Na escola, onde eu continuei jogando, o Serginho me botava para fazer coletivo com os meninos. Quando ia jogar torneios fora da Ilha, eu sempre me destacava. Tanto que a Supergasbrás, que era um time excelente na época, me convidou para fazer um teste quando eu tinha 14 anos. Fiquei uma semana lá. Por ser longe de casa, minha mãe ia comigo. Eu estava em um time forte, com meninas da minha idade. Treinei só uma semana, mas fiquei muito acanhada, com vergonha. As meninas já se conheciam e muitas tinham jogado juntas em outros clubes”, recorda Sandra, que enumera outros motivos para ter desistido.

“Eu estudava e seria muito difícil morar na Ilha do Governador e treinar em dois períodos. Não me via parando de estudar. Acho que estava na 8ª série e acabou que eu não voltei mais para a Supergasbrás.  O Flamengo, que também tinha um bom time, foi outro clube que me convidou, mas não fui. Continuei jogando em clubes na Ilha do Governador. Nunca deixei de jogar, mas jogava em times que não tinham a mesma estrutura dos da zona sul”, destaca.

Foi somente depois de alguns anos que Sandra Pires, após ter concluído o ensino médio, resolveu que era hora de apostar todas suas fichas no vôlei. Àquela altura, ela não tinha como imaginar, mas essa seria a decisão que a encaminharia para o vôlei de praia e que a levaria, pouco depois, aos Jogos Olímpicos Atlanta 1996, onde ela entraria definitivamente para a história do esporte brasileiro.

“Quando eu terminei o ensino médio, me convidaram para jogar no time da Rio Forte. Era hora de experimentar de verdade. Falei com meus pais e pensei: agora, ou entro para a faculdade ou tento o vôlei. Naquela época não tinha ensino online, então não dava para conciliar as duas coisas de jeito nenhum, ainda mais morando na Ilha do Governador e treinando na Urca. A Rio Forte treinava dentro do Forte da Urca. Eu tinha que pegar duas conduções para ir e duas para voltar e ainda fazer baldeação. Com dois treinos por dia, não tinha como fazer as duas coisas”, explica.

Ainda tentando se encontrar em quadra, Sandra, que à época tinha 1,75m, atuou em várias posições. 

“Joguei de meio e na entrada de rede no time juvenil. Eu era uma jogadora baixa, porém muito rápida. Eles estavam me testando e definindo qual posição eu jogaria. Eu jogava na entrada, na saída, e muitas vezes de meio. Foi ali que o lado profissional e de equipe começou para valer”, detalha.

Vôlei de praia

O ano era 1990 e Sandra, aos 17 anos e ainda uma juvenil, sonhava juntar-se às estrelas do Rio Forte no time adulto. 

“Com 17 anos eu jogava no time juvenil da Rio Forte e treinava no adulto também.  O Rio Forte tinha um time adulto muito bom, que disputava a Liga, bons salários e grandes jogadoras, como Marcia Fu, Heloísa Roese, Sandra Suruagy. A Mônica e a Adriana, que depois ganharam a prata no vôlei de praia em Atlanta, também passaram por lá. Conheci a Andreia e a Ângela, que eram duas irmãs, conheci a Janina, a Ana Richa... Passei por muitas jogadoras famosas e consagradas no time principal. Eu jogava no juvenil e sempre fazia o coletivo com o time adulto. Meu objetivo era jogar naquele time”, diz.

Mas não demorou muito para que Sandra atentasse para o tamanho do desafio que teria pela frente para disputar uma vaga na equipe principal com todas aquelas atletas famosas.

“Eu observei que as mulheres eram gigantes. A Márcia Fu parecia um armário. Eu tinha um físico realmente privilegiado, saltava muito, mas era difícil ficar o tempo todo competindo com essas mulheres tão altas. E naquela época não tinha líbero. Hoje a gente tem essa figura e um jogador mais baixo pode treinar perfeitamente e se destacar, como a Fabi e o Serginho, dois ícones do vôlei, que são muito baixos para os padrões atuais”.

Então, em 1993, após alguns anos de treinos no time do Rio Forte, Sandra recebeu um convite que mudaria pela segunda vez sua vida. Na verdade, foi esse convite que pavimentou o terreno para que ela se tornasse uma campeã olímpica. 

“Eu fui convidada pela Karina Lins e Silva, que foi minha primeira parceira, para jogar vôlei de praia. Ela também morava na Urca e então eu treinava com ela na Urca, no meu primeiro ano no vôlei de praia, em 1993. O meu auxiliar técnico do vôlei de quadra, o Jacques, estava treinando a Karina e me chamou. Foram eles que me convidaram para jogar vôlei de praia. Eles viram em mim características de uma jogadora de praia. Muito veloz, bom físico, saltava bem, era levinha, com explosão. Para a praia você tem que ter muito isso”, conta Sandra.
A partir desse momento, ela passou a dividir seu tempo entre os treinos em quadra e os trabalhos no vôlei de praia. 

“Comecei a treinar com a Karina para a praia. Eu treinava três períodos. No intervalo entre o juvenil e o adulto eu batia uma bolinha ali na praia, dentro da Urca mesmo. Comecei a gostar. Chegou uma hora que eu tive que definir, porque o treino é diferente e não dava para ficar fazendo a parte física para o vôlei de quadra e seguir jogando vôlei de praia. Apesar de ainda não terem tantas etapas, eu tinha que me liberar da quadra para jogar alguns torneios na praia, embora eles acontecessem mais no fim de semana. E eram bem poucos. Acho que só tinha seis etapas por ano”, recorda.

“Eu fui jogando com a Karina e adorei a praia. Já me destaquei logo no início. A gente entrou no ranking e nós competíamos com a Isabel e a Roseli, destaques da época. E eu e a Karina fomos muito bem. Era hora de escolher. Estava me achando muito baixa para jogar vôlei de quadra e adorando jogar dupla, num ambiente aberto. Era outra energia, uma liberdade que a quadra não oferece. Gostei daquilo e arrisquei”.

Jackie e Wantuil

Durante os Jogos Olímpicos Barcelona 1992, o vôlei de praia foi disputado como esporte de exibição, sem valer medalhas. Depois disso, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu que a modalidade entraria para o programa olímpico nos Jogos de Atlanta, em 1996.

Essa decisão colocou Jacqueline Silva em uma encruzilhada. Depois de se destacar na seleção brasileira de vôlei e ter disputado os Jogos Olímpicos  Moscou 1980 e Los Angeles 1984 com o time brasileiro, Jacqueline, então levantadora titular do Brasil, entrou em rota de colisão com Carlos Arthur Nuzman, presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), em 1985, por reivindicar ajuda de custo para a seleção feminina, já que o time masculino recebia salários.

Jacqueline resolveu fazer um protesto e durante um treino da seleção usando a camisa do uniforme do lado do avesso. Aquilo enfureceu Nuzman. E ela perdeu a queda de braço. Acabou cortada da seleção e sem espaço para atuar nos clubes brasileiros, que não queriam contratar uma jogadora tão polêmica por medo de retaliação da CBV.

Diante dessa realidade, Jacqueline resolveu que daria uma guinada em sua vida. Mudou-se para os Estados Unidos onde, na Califórnia, tornou-se uma estrela de uma modalidade que estava surgindo para as mulheres: o vôlei de praia.

Considerada a Rainha da Praia na Califórnia, Jackie Silva, como passou a ser chamada nos Estados Unidos, foi convencida de que, sendo o principal nome das areias entre as mulheres, ela precisava disputar os Jogos Olímpicos na estreia modalidade, em Atlanta, em 1996.

De início, Jackie relutou. Para disputar os Jogos, Jacqueline, que só jogava com atletas norte-americanas nos torneios nos Estados Unidos, precisava encontrar uma parceira no Brasil. Então, ela recorreu ao amigo e técnico Wantuil Coelho e pediu que ele a indicasse uma atleta com a qual ela pudesse realizar o sonho de tornar-se uma campeã olímpica.

“Falar da Sandra para mim é muito fácil, porque eu descobri a Sandra em um torneio em Cabo Frio. Era uma jogadora com um porte físico excelente, inteligente e com boa técnica, o que me chamou atenção. Então, quando a Jackie me ligou perguntando se tinha alguma jogadora que tivesse características que completassem as dela eu disse que sim”, conta Wantuil.

O telefonema

Jacqueline confiava na avaliação de Wantuil. E decidiu que precisava conhecer aquela jogadora. Foi então que o telefone tocou naquele apartamento no terceiro andar do Condomínio Rubem Berta, na Ilha do Governador.

“A Sandra para mim foi um desses encontros na vida que deu certo”, resume Jacqueline. “Voltando dos Estados Unidos, eu vim para o Rio de Janeiro procurar a minha parceira para competir em Atlanta. Fiquei sabendo dessa jovem jogadora, muito atlética. A chamei para fazer um treino comigo em Ipanema”, continua.
Sandra, obviamente, se lembra bem do episódio. “Ela me chamou para bater uma bola. Já era final do ano mesmo, quando você encerra o ciclo e tem que decidir se vai continuar com sua parceira ou trocar. E veio esse convite da Jackie”, conta. “Eu só a conhecia pela televisão. O nome dela era muito forte. Rainha da Praia na Califórnia, já tinha ouvido muito falar nela no vôlei de praia. Sabia que era um nome muito forte”, prossegue.

Sandra conta que não sentiu medo ou ficou intimidada pelo convite.

 “Eu não tinha muito medo das coisas. Na verdade, eu acho que não tinha era noção do que estava acontecendo. E é até melhor não ter noção porque aí você não sente medo. Então fui lá bater bola”.

Jacqueline tem uma lembrança marcante de seu primeiro encontro com Sandra. “Chamou-me muita atenção o vigor dela, é claro, mas, principalmente, lembro-me de que a Sandra cortou uma bola para fora e ficou com muita raiva por causa do erro. Tinha um lado que era muito bom na Sandra e que demonstrava que ela queria melhorar, que não aceitava qualquer erro. Isso aí foi um ponto bem importante na hora de decidir”, revela Jackie.

Sandra diz que o início dos trabalhos com Jacqueline foi difícil, mas que as coisas aos poucos foram se acertando.

“Foi um pouco tenso para mim, porque ela era uma jogadora que dominava todos os golpes e fundamentos. Tinha total domínio do que estava fazendo e eu ainda estava buscando esse domínio. Eu acho que fiquei um pouco tensa. Porém, com o passar dos treinos, fomos ganhando intimidade, fui me soltando e o jogo começou a fluir. Quando você joga com alguém que é muito bom, você evolui rapidamente. Foi ótimo para mim. A gente bateu uma bola, fomos batendo mais bola e até o dia que ela falou para jogarmos juntas”, diz Sandra.
“Nós treinamos alguns dias, algum tempo, e então ela falou: bem, então vamos jogar? Só que não é aqui no Brasil, não. A gente tem que ir para a Califórnia. E aí é que começa toda a história”, prossegue Sandra.

Vendeu o Chevette e foi para a Califórnia

O batismo de fogo de Sandra Pires ao lado de Jacqueline se deu nos Estados Unidos, especificamente na Califórnia, um local que Jackie Silva sentia-se extremamente segura.

“Foi uma surpresa geral. Eu nunca tinha ido para os Estados Unidos.  Morava na casa dos meus pais e o problema era financiar a viagem, porque por mais que eu fosse morar na casa dela, usar o carro dela, a bicicleta dela, eu tinha que me manter lá. Vendi o meu Chevette por 3 mil dólares e fui para a Califórnia. Foi assim que tudo começou”, narra Sandra.

Vender o Chevette para financiar a viagem foi a parte fácil. Na família, a decisão pegou todos de surpresa, principalmente o namorado de Sandra, Lívio.

“Já namorávamos havia quatro anos e ele quis ficar noivo. A Jackie conta essa história e ri pra caramba. Eu iria sair do país e ele quis ficar noivo. Noiva, fui para a Califórnia, competir com as melhores jogadoras da época do vôlei de praia. A gente sabia que aquilo era importante, a Jackie principalmente, porque jogava lá e sabia que o nível era muito forte”, diz Sandra.

“Meus pais tomaram um susto, mas sempre me apoiaram. Foi um susto para todo mundo. Foi de repente, mas também não seria para sempre. Era uma coisa rápida. Naquela época foi uma mudança de cultura muito grande, de língua, e ainda morar com a Jackie, que eu nem conhecia direito. Encarei muita coisa nesse começo”, diz Sandra.

Pelas contas dela, as duas embarcaram no final de março para os Estados Unidos, indo morar em San Clemente, na Califórnia. No início, Sandra conta que a adaptação não foi muito fácil.

“Eu me sentia muito só. Na casa era só eu e ela. A gente treinava, a gente malhava, mas ela já conhecia outras pessoas, saia, tinha amigos. Fiquei muito só na casa. E naquela época não tinha internet, que facilita muito. Se tivesse eu estaria ligada com todos os meus amigos, com a minha família. Realmente nesse ponto a internet é fantástica. Mas não tinha isso. Era telefone mesmo. E telefone era caro. Eu não tinha com quem conversar e até conhecer as pessoas foi um pouco difícil”, recorda.
“Nos torneios, sim, tinham outros brasileiros, o Anjinho, o Loyola. A Holly, que era uma americana que falava português porque namorava o Anjinho. Fui conhecendo outros brasileiros e a criar meu ambiente”.

O período de adaptação não foi só no lado pessoal. Dentro de quadra as duas levaram um tempo para engrenar em um universo em que as jogadoras norte-americanas já estavam totalmente adaptadas ao vôlei de praia.

“Lá na Califórnia nós tivemos muita dificuldade para ganhar no início e acertar o time. Nós treinávamos sozinhas e então era desgastante porque não tinha um técnico. A gente treinava às vezes com um técnico que pagávamos por hora. Era diferente daqui, onde contávamos com uma equipe e podíamos treinar quantas vezes quisesse por dia. Era só eu e ela. E ela tinha que me ensinar a jogar. Não era muito fácil”, conta Sandra.

“Só que a gente jogava muito. O americano, ao contrário do brasileiro, joga mais do que treina. A gente aqui treina mais do que joga. A gente treina muito no Brasil. Lá eu jogava muito. Todo fim de semana jogava torneio e o próprio treino a gente marcava com outras duplas das competições. E a Jackie ia me corrigindo. Às vezes a gente fazia treino com o Patt Zartmann, que era o técnico dela de lá. E era isso. Então demoramos um pouco para evoluir e para ver essa evolução”.

Quando as duas engrenaram, as vitórias vieram rapidamente.

“Eu tinha o objetivo de pelo menos ganhar um torneio. Isso era um objetivo super valioso para mim. E nós ganhamos três torneios, inclusive o de San Diego, tipo um Grand Slam dos torneios de lá. Ganhamos em San Diego, em Belmar e acho que em Milwaukee. Eu tenho esses troféus até hoje”, conta Sandra.
Jacqueline enumera as qualidades da parceira que fizeram a diferença.

“A Sandra é uma pessoa determinada, disciplinada e que gosta de treinar. Isso foi muito importante porque nós conseguimos fazer um time que uma das características mais importantes era que as duas gostavam de treinar. As duas queriam se superar a cada treino. Isso foi fundamental para o desenvolvimento da dupla”, diz Jacqueline. 

De volta ao Brasil

A temporada do batismo californiano durou quatro meses, durante o verão. Era hora de voltar ao Brasil e encarar os torneios do circuito internacional e buscar a classificação para os Jogos de Atlanta.

De volta ao Rio de Janeiro, as duas passaram a treinar com Wantuil Coelho e a evolução tornou-se ainda mais evidente. Não demorou muito para que Jackie e Sandra Pires dominassem as areias no Brasil e no circuito internacional.

“A gente voltou para a o Brasil e em 1995 começamos a jogar o Circuito Mundial e o Circuito Brasileiro. Estávamos voando, ganhando de todas as duplas. Conquistamos com muita facilidade o Circuito Brasileiro e o Circuito Mundial. Nós estávamos virando uma máquina de jogar”, conta Sandra.

Para ela, alguns fatores foram cruciais para o domínio que a dupla adquiriu. “Estávamos naquela evolução do time, da química, do entendimento do jogo, da leitura do adversário, eu e ela lendo o adversário da mesma forma. Aí nosso jogou começou a aparecer. Tudo aquilo que a gente tinha sofrido na Califórnia valeu muito a pena. Nós tínhamos aprendido muito e era a hora de colocar em prática”, enumera Sandra.

Foi nesse momento que os Jogos de Atlanta se tornaram um objetivo no horizonte da parceira de Jacqueline. 

“Em 1995 comecei a pensar em Olimpíada, na classificação. Ganhar a medalha de ouro foi uma coisa que chegou mais tarde. Depois que eu me tornei favorita foi que passei a ver a oportunidade de conquistar a medalha de ouro, quando eu já estava ganhando aqui no Brasil”, explica.

Atlanta 1996

Os Jogos Olímpicos de Atlanta foram disputados de 19 de julho a 4 de agosto de 1996, por 10.318 atletas, de 197 países.

Para o Brasil, em especial, a competição se tornaria histórica por vários motivos. Além do ouro inédito entre as mulheres que viria no vôlei de praia, foi em Atlanta que o Brasil superou, pela primeira vez, a marca de 10 medalhas conquistadas em uma mesma edição.

O país terminaria a competição com 15 pódios – três ouros, três pratas e nove bronzes – e além do ouro nas areias, veria nascer seus dois de seus maiores atletas olímpicos: os velejadores Torben Grael e Robert Scheidt. Ambos  conquistaram em Atlanta o primeiro ouro de suas brilhantes carreiras.

Para Sandra, então com 23 anos, e Jacqueline, com 34, os Jogos de Atlanta foram diferentes desde o início. Determinada a conquistar a medalha de ouro, Jackie tratou de evitar a badalação da Vila Olímpica e alugou uma casa longe dos holofotes.

Com dois Jogos no currículo, Jacqueline sabia que os elementos de distração da Vila Olímpica eram uma ameaça. Além disso, pesou o fato de que as partidas do vôlei de praia seriam disputadas em um parque na cidade de Jonesboro, que integra o condado de Clayton, distante 30 quilômetros de Atlanta.

Ciente de que o deslocamento para os treinos tornaria a logística complicada, Jacqueline tratou de usar seus contatos e, por meio de um amigo, chegou a Richard Anderson, um norte-americano que era apaixonado por vôlei de praia. Além de alugar uma casa em Clayton, Richard disponibilizou a própria residência para os treinos da dupla.

Para Jackie, era o mundo perfeito. Com ela, Sandra e Wantuil longe das distrações, o trio se preparou para a missão que teriam de brigar pelo ouro para o Brasil.

Para Sandra, contudo, por ser sua primeira Olimpíada, havia algo com o qual ela sonhava e que acabou se transformando em frustração.

“Eu estava focada. Eu sou muito focada e acho que isso era o que me ajudava. Porque realmente algumas coisas aconteceram. Eu queria desfilar (na abertura), mas a Jackie falou que seria muito cansativo, que eu não deveria ir, pois poderia comprometer nosso jogo. Fiquei chateada, mas acabei cedendo. Queria muito desfilar. Eu via todos os atletas desfilando quando assistia pela televisão e era uma parte muito legal. Os meus pais poderiam me ver, a minha família, meus amigos, todo mundo poderia me ver. Eu não iria desfilar e ninguém iria me ver, mas eu seguia muito as coisas que ela falava. E ela sempre tinha as teorias dela e o poder de convencimento. Lembro-me que eu falei que ela desfilara em 1980 e 1984, o que foi replicado bem diretamente: é mais não ganhei medalha alguma. Ela tinha esse poder de convencimento muito forte, argumentos. Não queria que nada atrapalhasse”, pondera.
Sem ter desfilado nem vivido o clima da Vila Olímpica, Sandra guarda poucas recordações de bastidores dos Jogos Atlanta 1996.

“Eu fiquei tão focada nas coisas que eu tinha que fazer que dos Jogos em si eu quase não vi. Sem internet ninguém via muita coisa. Era só pegando o telefone e ligando. E a gente ficava muito no treino, fazíamos comida em casa. A única coisa que a Jackie liberou foi o meu namorado, o Guilherme, porque ela sabia que iria me fazer feliz. E eu não sei nem como ela deixou o Guilherme entrar na casa”, diz Sandra.

Cinco passos

A caminhada olímpica de Jacqueline e Sandra começou em 23 de julho, diante de uma dupla da Indonésia formada por NiRahayu e EngelKaize, facilmente superada por 15/2. Naquela época, os jogos eram disputados em apenas um set, de 15 pontos, à exceção da final, jogada em melhor de três sets de 12 pontos.

Sandra lembra que não houve nervosismo para a estreia. “Não foi um jogo nervoso porque o time era bem inferior. Eu já sabia disso porque nós tínhamos jogado com elas. E a gente tem muito respeito pelo adversário. Se é um time fraco tem que ganhar logo. Não tem que ficar enrolando. Isso é respeito. Não tem que dar nada. É ganhar e acabou. Eu não fiquei tensa porque como éramos cabeça-de-chave, fizemos a estreia contra esse time mais fraco”, explica.

O segundo desafio foi logo no dia seguinte. Diante das australianas Liane Fenwick e Anita Spring as duas tiveram um jogo mais equilibrado, que terminou em vitória das brasileiras por 15/13. Em 25 de julho, o Brasil viveu seu primeiro confronto nacional no vôlei de praia nos Jogos de Atlanta. As rivais eram Mônica Rodrigues e Adriana Samuel.  Jacqueline e Sandra atropelaram as adversárias por 15/4.

O próximo compromisso foi contra as norte-americanas Barbra Fontana e Linda Hanley. Com uma vitória por 15/8, Sandra e Jackie completaram o primeiro objetivo do time nos Jogos Olímpicos: elas estavam classificadas para a final.

Do outro lado da chave, Mônica e Adriana, que haviam disputado a repescagem, encararam e venceram uma dupla australiana e, dessa forma, a final do vôlei de praia seria 100% brasileira. O Brasil, enfim, iria comemorar a primeira medalha de ouro conquistada por mulheres na história dos Jogos Olímpicos

Contra a euforia

Indagada se durante a caminhada até a final houve algum momento em que ela duvidou se as duas chegariam à final, Sandra responde sem hesitar: “Não. Eu só senti tensão no último jogo, porque eu sabia que já era medalhista. E aquele pensamento ali estava me atrapalhando: já sou medalhista de prata na minha primeira Olimpíada. Que massa! Aquilo estava me atrapalhando, tirando um pouco o foco do jogo para a final”.

Para complicar, Mônica e Adriana mudaram a estratégia na decisão e resolveram apostar em uma nova tática para tentar chegar ao ouro. Em vez de fazer o que elas sempre tinham feito, que era sacar na Jaqueline, inverteram e passaram a sacar na Sandra.

“Esse foi o único jogo mais tenso. Elas mudaram a estratégia e eu tentando expulsar o pensamento da medalha de prata da minha cabeça. Estava muito eufórica na final, porque eu já tinha conquistado uma medalha olímpica. Era difícil controlar aquilo e focar no jogo. E aí elas ainda mudam o saque. O primeiro set foi tenso, mas fui botando ordem na minha cabeça e concentrando no jogo, com a Jackie ali, me ajudando. Ela também não perdeu a cabeça em nenhum momento, o que foi importante. Voltamos pro jogo. Ainda bem que deu tempo”, recorda Sandra.

De fato, o primeiro set terminou 12/11 para Jacqueline e Sandra. Superada a primeira etapa, as duas dominaram a segunda parcial, marcando 12/6, sem sustos.

“Aí o jogo é outro. Realmente elas tentaram fazer algo diferente, porque elas perderam todos os confrontos antes da final contra a gente no Circuito Mundial e Brasileiro. A gente sabia que éramos um time mais forte. E elas arriscaram porque não tinham nada a perder. Elas sempre perdiam sacando na Jackie e resolveram mudar a estratégia. É muito normal no vôlei de praia e foi uma estratégia muito boa que elas usaram, porque realmente aquele primeiro set embolou. Se elas tivessem ganhado, talvez tivesse sido mais difícil para a gente manter o jogo. Porque você, quando é inferior, joga toda a responsabilidade para o outro lado. Para elas, era uma medalha de prata com sabor de ouro. E para a gente, não. A gente tinha que confirmar o favoritismo ao ouro. E a gente tinha cuidado muito bem daquilo, do psicológico, até aquele momento ali da final”, reforça Sandra.

Alívio imediato

A partida final já estava sendo disputada havia uma hora e seis minutos quando Jacqueline partiu para mais um saque viagem. A bola voou para o outro lado da quadra em uma diagonal e a força do saque obrigou Adriana a se abaixar para, de manchete, puxar a bola para o centro da quadra. Com a bola voando com efeito, Mônica acabou errando a levantada e cometendo uma falta por dois toques. Era o fim. 

Com 12/6 no segundo set, Jacqueline e Sandra haviam se tornado as primeiras campeãs olímpicas da história do Brasil, 76 anos depois da conquista da primeira medalha de ouro do país por Guilherme Paraense, no tiro esportivo, nos Jogos Olímpicos Antuérpia 1920, que marcaram a primeira participação do Brasil nos Jogos.

Assim que perceberam que o jogo havia acabado, Sandra e Jacqueline se abraçaram no centro de quadra. E hoje, 24 anos depois daquele momento, Sandra narra suas lembranças sobre o primeiro sentimento que teve ao perceber que havia se tornado uma campeã olímpica.

“Para mim, aquele momento foi de alívio. Alívio por ter conquistado a medalha de ouro, que era o que estava no nosso planejamento. Eu acho que a Jackie não iria nem mais falar comigo se não ganhássemos aquela medalha. Para ela, só servia o ouro. Realmente eu tive essa responsabilidade, essa missão de levá-la ao ouro. Eu entendi, precisava da ajuda dela, ela precisava da minha. Ali, quando acabou, eu não queria nem saber se foi dois toques, se tinha sido saque na rede, para mim acabou. Ganhamos. Foi um alívio. Só fui começar a apreciar essa conquista da medalha de ouro no Brasil com as mulheres curtindo com a gente. Quando eu a Jackie entravamos nos restaurantes todo mundo aplaudia de pé. A conta nunca chegava. A gente não pagava a conta. Era uma coisa fora do comum mesmo”, lembra Sandra.
“A alegria das pessoas era muito grande, principalmente das mulheres, que sabiam que tinha sido a primeira medalha de ouro do esporte feminino no Brasil. Isso foi demais. Ali, comecei a curtir e a entender. Até hoje eu ainda descubro muita coisa sobre o que significa ganhar uma medalha de ouro para o seu país. Fui agraciada recentemente com a Cruz do Mérito Desportivo durante uma homenagem que fizeram pela conquista da primeira medalha de ouro para o Brasil pelo Guilherme Paraense. E aquilo fez voltar o filme. O Guilherme ganhou a primeira medalha de ouro para o Brasil há 100 anos. Criaram um busto para ele e fizeram uma homenagem linda no Estande de Tiro em Deodoro. É muito bacana estarem falando dele 100 anos depois. Fui homenageada e a filha do Adhemar (Adhemar Ferreira da Silva, primeiro bicampeão olímpico do Brasil) também recebeu a Cruz do Mérito Desportivo por ele. É muito bacana, né? Você para e pensa:  'Caramba! Eu conquistei a primeira medalha de ouro do esporte feminino do Brasil'. Mas naquele momento, em Atlanta, nós não pensávamos em nada disso. Naquele momento, na final, o sentimento foi de alívio, de missão cumprida”, detalha Sandra.

Jacqueline olha para trás e fala com muito carinho sobre a parceira que a ajudou a realizar o sonho da medalha de ouro. 

“Formamos uma equipe fantástica. Tivemos um aprendizado. As duas cresceram muito como pessoa, porque foi um curtíssimo tempo de preparação para as Olimpíadas. Eu conheci a Sandra em 1994 e em 1996 nós vencemos uma Olimpíada. Tivemos que nos ajustar muito rapidamente para que isso acontecesse. Tanto Sandra, que era mais jovem, quanto eu, já mais experiente, tivemos que nos entender em pouco tempo. É por isso que eu acho que foi um aprendizado mútuo”, diz Jacqueline.

“Sandra foi uma jogadora que, de todos os méritos, o maior deles foi a coragem de aceitar o desafio e continuar ali o tempo inteiro sem desistir nenhum momento. Tivemos momentos bem difíceis para superar. Até porque, antes de vencer nós perdemos muito. E a gente não sabia se iríamos conseguir ou não. Mas a Sandra aguentou até o final. Então acho que o maior mérito dela foi a perseverança e acreditar que ia dar certo. Sandra é uma pessoa que vai para o objetivo. Quando ela quer uma coisa, ela vai com tudo. É organizada e disciplinada. Naquela época ela me completou. Eu também era uma atleta muito disciplinada e organizada. As duas juntas formaram uma equipe imbatível. Foi por isso que nós fomos campeãs olímpicas. A Sandra se tornou uma jogadora excepcional. Ela está no Hall da Fama do voleibol de praia e sem dúvida é uma das maiores jogadoras de todos os tempos. Fico muito feliz de ver aonde ela chegou e a pessoa que ela se tornou. Sem dúvida nenhuma ela merece o título olímpico que conquistou”, prossegue Jackie.
Wantuil Coelho ecoa o respeito de Jacqueline quando fala sobre Sandra Pires, repetindo as mesmas palavras usadas por Jacqueline. 

“A Sandra é uma pessoa determinada, disciplinada e que gosta de treinar. Isso foi muito importante porque nós conseguimos fazer um time cuja uma das características mais importantes era que as duas gostavam de treinar. As duas queriam se superar a cada treino. Isso foi fundamental para o desenvolvimento da dupla. A Sandra se tornou uma jogadora excepcional e é, sem dúvida, uma das maiores jogadoras de todos os tempos”.

Sydney 2000: medalha e porta-bandeira

Em 1998, Jacqueline e Sandra romperam a parceria. Era chegado o momento de Sandra experimentar outros caminhos nas areias. 

“É sempre difícil uma separação, mas acho que eu e a Jackie estávamos com objetivos diferentes. Nosso time já estava muito marcado. A gente lutou muito para chegar nessa medalha de ouro e foi bem desgastante. E tinha a diferença de idade também. Eu acho que tinha uma diferença de momento. Alguns fatores ali pesaram para a gente mudar”, analisa Sandra.

Vieram, então, os Jogos Olímpicos Sydney 2000. Ao lado de Adriana Samuel, Sandra Pires foi recompensada pela frustração de não ter desfilado em Atlanta de um modo bastante especial: foi escolhida para ser a porta-bandeira da delegação brasileira no desfile de abertura, tornando-se a primeira mulher da história a receber tal honraria.

“Entendi claramente que tudo tem a sua hora. A gente tem de saber esperar e continuar trabalhando porque essa hora chega. Foi incrível e foi tudo consequência da medalha de ouro. Se não tivesse ganhado a medalha de ouro, não teria desfilado com a bandeira. Sydney foi totalmente diferente da Atlanta. Foi minha segunda edição olímpica, eu já tinha uma medalha, a Adriana também, e a gente sabia mais ou menos o caminho das pedras para ganhar uma outra medalha. Era uma dupla muito mais madura. Eu já ia desfilar de qualquer maneira, e ela também queria desfilar. E ainda veio esse convite”, lembra Sandra.
“O Nuzman foi quem me ligou e falou: 'Olha, você foi escolhida como porta-bandeira do Brasil.' Eu não acreditei. Falei comigo mesmo: gente do céu! Vou ser porta-bandeira. Caramba!’. Nenhuma mulher tinha sido e aquilo foi muito legal. Aquele sonho era algo que ficou comigo depois de Atlanta. Eu nunca tinha desistido de desfilar. Me lembro que eu pensei. Agora ninguém me segura. Vou desfilar e ainda vou de porta-bandeira! Foi bem emocionante”, recorda.

Ter conduzido a bandeira do Brasil no desfile de abertura dos Jogos Olímpicos Sydney 2000 marcou Sandra profundamente. 

“Eu queria deixar a bandeira linda, estendida, aquele orgulho de ser brasileira. Passa um monte de coisa na sua cabeça. É um mix de emoção mesmo. Desfilar na frente da delegação foi muito especial. Fiquei um pouco nervosa, porque eu tinha todo um circuito para fazer e depois ir lá e colocar a bandeira. Você fica muito emocionada no estádio. Apesar de ser muito grande sempre tem alguém que te chama. Então, você ouvir seu nome e saber que as pessoas em casa estão assistindo. É emoção pura, do início ao fim”, detalha.

“Meus pais estavam em casa assistindo. Eu acho que eles não estavam nem acreditando naquilo tudo que estava acontecendo, no que eu me tornei. Meu pai, orgulhoso demais. Minha mãe era mais tímida. Mas o meu pai já não era mais o Seu Arnaldo. Era o pai da Sandra. O jornaleiro guardava as matérias para ele. Eles assistiam a tudo e estavam super orgulhosos da filha. É uma mudança de vida ver o filho na televisão e ainda com o orgulho de poder representar o Brasil. O esporte dá muito orgulho para a gente. Porque é fair play, é um jogo limpo. São conquistas. Eles me viam ralando, treinando, e então eles sabiam de todo meu esforço. Aquilo é muito bonito. Mexe muito. Meu pai curtiu muito ser o pai da Sandra. A vizinhança toda falando com ele e ele todo orgulhoso”, prossegue.

O prazer que Sandra sente ao relembrar as conquistas é mesmo de Seu Arnaldo, que, aos 81 anos, recorda toda a caminhada de sua filha no esporte.

“Nós temos muito orgulho. Foi um prazer muito grande. Na época ninguém esperava. Ela começou jogando as peladinhas que tinham nas quadras no colégio onde estudava. Ela começou no vôlei de quadra e aí apareceu uma jogadora de vôlei de praia e a chamou para jogar. Depois surgiu a Jacqueline e a chamou para treinar, pois queria fazer uma dupla para ser campeã olímpica. Ela a levou para os Estados Unidos, depois voltaram e começaram a jogar. Se classificaram logo, porque ganhavam de todo mundo, então foram lá para as Olimpíadas e nós aqui começamos a torcer”, conta o pai.

“Mas não acreditávamos que elas fossem tão bem. Mas elas começaram a ganhar de todo mundo e no final foram campeãs olímpicas. Aí nós fomos saber que era a primeira vez que uma mulher brasileira era campeã olímpica. Foi um orgulho muito grande. Ela era bem querida aqui, já que tratava todo mundo bem. Aquela medalha está guardada com muito amor. Infelizmente a mãe dela se foi, mas nós continuamos aqui, abençoando aquela medalha”, diz, referindo-se à dona Norma, falecida em 2014.

Além do desfile de abertura, os Jogos Sydney 2000 deram à Sandra e Adriana a medalha de bronze, o segundo pódio de ambas. Sandra ainda disputou os Jogos Olímpicos Atenas 2004, com Ana Paula, terminando na quinta colocação. 

Hoje, olhando para trás, Sandra revive sua carreira e fala com enorme carinho sobre todos os momentos vividos nos Jogos Olímpicos.

 “Eu acho que é a consagração. É um momento muito especial que a gente vivencia. A gente sonha com aquilo. Você começa a fazer um planejamento, treina quatro anos pensando naquilo.  Você não ganha uma Olimpíada jogando um ano. Tem um ciclo. Vai ganhando confiança, jogando o circuito nacional, mundial... É o sonho de todo mundo participar e sentir realmente o que é o espírito olímpico. Falamos tanto dos valores olímpicos.  Para chegar lá você tem que exercer esses valores todos. É uma consagração de tudo o que você investiu, de tudo o que você passou, de tudo o que você renunciou. É muito gratificante chegar aos Jogos Olímpicos. Se classificar em um país desse tamanho, ser o melhor do seu país é uma grande conquista. E conquistar uma medalha é fantástico! É inesquecível. E para uma vida inteira”, continua.

“Uma medalha olímpica representa toda a sua dedicação de anos trabalhando, investindo. Para mim saber que a gente entra para a eternidade é muito especial. E você só entende depois que você realiza. Antes, você não consegue ter essa visão. São muitos aprendizados. Hoje, depois que você para e reúne a história, você vê que o esporte te prepara para a vida”, diz a campeã olímpica.

Hall da Fama

Após o ouro em Atlanta, Sandra Pires recebeu diversas honrarias. Em uma delas, em 2018, fez parte do primeiro time de atletas homenageados pelo Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil e fala com carinho sobre a iniciativa.

“Acho magnífico. Quem teve a ideia está de parabéns, porque realmente faltava isso. A gente tem o Hall da Fama em Massachusetts, que eu entrei e a Jackie também, mas nem todos os atletas que têm uma grande história vão entrar. Mostrar isso dentro do nosso país, que é gigante, é muito importante. Ter um Hall da Fama só para atletas brasileiros é genial, precisamos contar a história de atletas magníficos que temos aqui também"".

Para os mais jovens que um dia sonham seguir seus passos, Sandra Pires deixa alguns conselhos.

“Eu acho que tudo na vida é treino. A gente alcança tudo o que a gente quiser com treino. Então, primeiro tem que descobrir qual modalidade gosta. Tem que ter paixão. Com paixão, é possível aguentar a rotina, que é muito forte. Tem que gostar muito e acordar de manhã para fazer aquilo que você faz bem”, ensina. “Tudo é treino e dedicação. Com treino e dedicação o atleta vai chegar aonde quer, mesmo sem estar planejando aquilo. Não planejei ganhar a medalha de ouro quando comecei a jogar vôlei de praia. Mas comecei a treinar e fui criando metas. É preciso ter metas. Tudo é um caminho e é o caminho que vale. O resultado é a consequência. Nós temos que prestar mais atenção é no caminho”, reforça.

Embaixadora do esporte do Banco do Brasil, Sandra formou-se em educação física após encerrar a carreira em 2009. Depois de dez anos atuando como comentarista para a SporTV, ela hoje dedica-se a dar palestras e a fazer eventos, como clínicas, entre outras atividades.

De tempos em tempos seu telefone toca. E do outro lado da linha está Jacqueline Silva, sua parceira de ouro, com a qual viveu momentos incrivelmente alegres e brigas que se tornaram famosas. Uma parceria intensa, que foi recompensada com um lugar na história. 

“Eu acredito que nada seja por acaso na vida. A Jacqueline apareceu na minha vida de uma forma repentina. Eu acho que a gente tinha essa missão de ganhar a medalha. Ela foi a minha professora, a minha parceira, a minha mentora, meu modelo de excelência e realmente ela merecia muito essa medalha. A gente tem uma relação muito boa. O desgaste era cobrança de jogo mesmo. Só isso”, esclarece Sandra.
Sandra Tavares Pires

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Medalhas em jogos olímpicos

Vídeo

Sandra Pires é homenageada no Hall da Fama do COB em 2018

Sandra Pires disputou três Jogos Olímpicos na carreira. Em Atlanta 1996, ela e Jacqueline se tornaram as primeiras brasileiras a conquistarem uma medalha de ouro olímpica. Em Sidney 2000, mais um acontecimento que entrou para a história: foi a primeira mulher a carregar a bandeira do Brasil na cerimônia de abertura. De quebra, ainda conseguiu o bronze, ao lado de Adriana Samuel. 
Vídeo

Live Especial do COB: Campeões Olímpicos

6° Painel on-line - Tema: Campeões Olímpicos

Participantes: 
Sarah Menezes- Campeã Olímpica de Judô
Sandra Pires - Campeã Olímpica de Vôlei de Praia
Arthur Zanetti - Campeão Olímpico de Ginástica Artística
Mediadora: Fabi Alvim - Bicampeã Olímpica de Vôlei
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