Logo
Homeganeado
Torben Schmidt Grael

Torben Schmidt Grael

modalidade

Vela

data e local de nascimento

22/07/1960

São Paulo

BIOGRAFIA

Há um traço na personalidade de Torben Grael que fica evidente quando conhecemos a dedicação que ele empenhava em seus barcos ao prepará-los para as competições que participava quando ainda era um jovem velejador em Brasília, onde viveu com a família na década de 1970. No Iate Clube, às margens do Lago Paranoá, Torben, ainda na adolescência, dedicava-se a uma tarefa que exigia doses elevadas de paciência e entrega: um a um, ele retirava os parafusos de seu barco, serrava as pontas das peças e, depois, as apertava de volta na embarcação. O objetivo do esforço era simples: deixar o barco mais leve possível para as regatas. 

“A gente serrava a ponta do parafuso para tirar o peso. É um conceito. Pode parecer que aquela ponta específica não faz diferença. E realmente não faz, mas se juntarmos todas as pontas de parafuso do barco já dá alguma coisa”, explica Torben. 

“O conceito serve para tudo no barco. Você tira tinta e deixa a tinta em uma camada mínima que dá acabamento. Porque, na época, era um barco de madeira que eu velejava, e as pessoas vão pintando, pintando e vai ficando com várias camadas, mais pesado. Então, você raspa e começa de novo. São muitas coisas que, juntando tudo, no final dá uma diferença grande”, continua. 

“No Snipe, que era o barco que a gente velejava em Brasília, não eram muitos parafusos. Mas quando você vai para um barco de oceano e começa a serrar tudo e botar em um balde, vê que faz diferença. E é isso com tudo. É uma busca por frações de segundo, como na Fórmula-1, guardada as devidas proporções”, ressalta. 

Obviamente que as horas que passou a desaparafusar, serrar e parafusar novamente pequenas peças em seu barco ou a lixar as laterais para reduzir as camadas de tinta não foram a causa do imenso sucesso de Torben Grael no esporte, mas uma conclusão simples há de ser retirada dessa história: quem se entrega a uma paixão com este nível de dedicação está disposto a ir muito longe. E, em muitos casos, mais cedo ou mais tarde acaba sendo recompensado. 

O mar na veia 

Torben Grael nasceu em São Paulo, em 22 de julho de 1960. Criado na maior parte de sua vida em Niterói, no Rio de Janeiro, ele veio ao mundo como o segundo dos três filhos de Dickson Melges Grael e Ingrid Schmidt Grael. 

Quando nasceu, a paixão pela vela e pelo mar já corria no sangue daquela família de origem dinamarquesa, cujo patriarca, Preben, foi um dos pioneiros da vela no Brasil. Torben ainda era um bebê quando seus tios, os gêmeos Erik e Axel, entraram para a história da vela brasileira em 1961, na classe Snipe, como os primeiros campeões mundiais do país, feito que repetiram nos dois Mundiais seguintes, em 1963 e 1965. 

Antes, os dois haviam conquistado a medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos Chicago 1959 e a prata nos Jogos Pan-americanos seguintes, em São Paulo. Juntos, eles também disputaram os Jogos Olímpicos Cidade do México 1968 e Munique 1972.  

Com isso, desde muito pequeno, Torben, assim como seu irmão mais novo, Lars, cresceu num mundo de mar, barcos e velas. 

“Essa tradição é meio que consequência de uma paixão que vem sendo transmitida em família. Iniciou com o meu avô, depois com meus tios, minha tia, minha mãe, depois eu, Lars, meus primos e, agora, essa outra geração, com o Marco, a Martine (seus filhos) e o Nicholas (sobrinho, filho de Lars). Obviamente, temos muita sinergia com o assunto vela, meio ambiente, mar... Falamos com frequência sobre isso”, conta Torben. 

O começo, no Aileen 

Memórias precisas de infância são quase impossíveis de serem resgatadas. No caso de Torben, em suas lembranças, a história toda começou em algum lugar entre os anos de 1965 ou 1966, ao lado do avô Preben Schmidt. 

“Com certeza, a minha primeira experiência na vela foi com o meu avô, no Aileen. Esse era o nome do barco”, diz, com segurança. “Eu não sei direito, mas eu tinha uns 5 ou 6 anos. Foi aqui em Niterói”, continua. 

Por uma dessas ironias do destino, o barco que levou Torben ao mar pela primeira vez não era uma embarcação vulgar. O Aileen tinha uma linhagem especial e já havia ocupado um lugar de destaque na maior competição esportiva do planeta. 

“Esse barco era de 1912, um barco que meu avô comprou aqui no Brasil, mas que tinha sido construído na Dinamarca e que foi medalha de prata pela Dinamarca em 1912, nos Jogos de Estocolmo, na Suécia”, revela Torben. 

Àquela altura, os Grael ainda não haviam iniciado sua incrível tradição de pódios olímpicos, mas o Aileen não poderia ter ido parar em melhores mãos. A paixão que Preben transmitiu aos seus descentes os levaria a conquistar, entre outros resultados fantásticos, oito medalhas, três delas douradas, o que faz da família Grael a mais vencedora do país em Jogos Olímpicos . 

Entre os barcos e as raquetes 

“A vela foi uma coisa bem lúdica no começo. A gente até fazia algumas regatinhas, mas era uma coisa sem nenhuma pretensão. Em 1970, fomos morar em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e ficamos lá três anos. Meu pai era militar e o acompanhávamos. Moramos em vários lugares do Brasil. Nesse período de Uruguaiana, comecei a jogar tênis também. Eu tinha uns 10 anos. Passei a jogar de maneira mais competitiva e cheguei a disputar um torneio na Argentina. Foi um período em que eu me dediquei muito a isso”, recorda Torben. 

“Depois, fomos para Brasília em 1973. A gente continuou jogando tênis, pois o Iate Clube tem uma ótima estrutura para o tênis, e o vento nem sempre estava presente. Quando não estávamos velejando, podíamos ser encontrados nas quadras de tênis. Também jogávamos vôlei, basquete”, prossegue. 

O fato foi que, tendo Torben nascido entre os Grael, o tênis simplesmente não teve chance de verdade com ele. Principalmente quando ele e a família se mudaram para a capital. No Iate Clube, o mundo das regatas entrou definitivamente na vida de Torben. E, para isso, como cantaram os Beatles, ele contou com uma ajudinha de seus amigos. 

“Não cheguei a pensar em ser um atleta do tênis. No comecinho, em Uruguaiana, talvez. Mas já em Brasília a gente já começou a competir na vela. Lá eu comecei a me interessar pelo esporte da vela e o Iate Clube tem uma estrutura muito boa, apoia bastante. Na época em que moramos lá, tinha um grupo muito forte na vela, o que ajudou bastante o meu desenvolvimento. Tive a oportunidade de dividir a raias com ótimos velejadores, como César Castro, Romel Castro, Edgard Hasselman, Guilherme e Jorge Raulino”, diz Torben, em tom de agradecimento. 

Interesse x frustração 

Ninguém nasce campeão. A partir dessa máxima, a diferença entre uma carreira bem-sucedida no esporte e a desistência ou frustração no meio do caminho dependem de uma série de fatores. Às vezes, eles estão além do controle de quem sonha com a glória. Em muitos casos, a sorte pode favorecer. Mas para os que chegam lá existem algumas qualidades que todos aprenderam a cultivar. Entre elas estão a paciência, a perseverança, o trabalho duro e, no caso de Torben, o interesse em aprender.  

“A vela é um esporte que depende muito de conhecimento. Quando se está começando e competindo contra pessoas experientes não é fácil. O resultado não vem com muita rapidez. Demorou um bom tempo até começar a ter os resultados melhores”, conta o velejador. 

“Às vezes é um pouquinho frustrante, porque você treina, se dedica, quer ver os resultados, mas as coisas não acontecem imediatamente. Tem que ter paciência, perseverança, estudar, aprender”, diz o campeão olímpico que, aos 18 anos, estava cada vez mais ávido por conhecimento. 

“Eu tinha muito interesse. É uma coisa que as pessoas dão pouca atenção hoje, mas eu trabalhava muito nos barcos, estudava muito meteorologia, livros sobre técnicas de afinamento de barco, de aerodinâmica...”, relata. 

E em meio a tantas qualidades, havia até espaço para a superstição. 

 “A gente está procurando sempre tudo o que nos ajude. Superstição é aquilo: no creo en brujas, pero que las hay, las hay’...”, diz sorrindo. “Por que que eu vou botar maus fluidos ali? A maioria das superstições têm seus motivos. Eu não gosto de falar muito não, mas sou supersticioso”, admite. 

Ventos em Brasília 

Além de amigos bons na vela e que estavam dispostos a ensiná-lo, Torben Grael aprimorou sua técnica em Brasília devido a um outro fator: os ventos característico e inconstantes da capital. 

“Fiquei cinco ou seis anos, de 1973 a 1978, em Brasília, um lugar difícil para velejar. Algumas vezes tem vento forte, mas normalmente o vento é fraco, com nuances. A parte tática e o próprio comportamento do vento no lago têm suas particularidades. Aprende-se muito velejando lá”, explica. “Isso para mim foi muito útil. Depois eu vim aqui para Niterói e junto com tios eu me aprimorei também na parte de onda, de vento forte, principalmente em um período em que a gente treinou muito em Búzios, onde o vento é bem forte. Mas esse aprendizado nos ventos fracos e inconstantes foi sempre muito útil”, ressalta, referindo-se aos tios Erik e Axel. 

Assim, amparado por uma combinação de qualidades em seu caráter e tendo aprimorado sua técnica em diversas condições climáticas com a ajuda dos tios e dos amigos, Torben Grael tornou-se um exímio velejador. Com isso tudo alinhado, ele deu início a uma impressionante coleção de títulos. 

Em 1978, quando completou 18 anos, Torben conquistou o primeiro de seus seis títulos mundiais, sagrando-se campeão júnior da classe Snipe, em San Diego, nos Estados Unidos. Nessa mesma classe, ele venceu os Mundiais do Porto, em Portugal, em 1983, e de La Rochelle, na França, em 1987. 

Depois disso, pela classe Star, foi campeão mundial em Cleveland, nos Estados Unidos, em 1990, venceu o Mundial de One Tonner em Skovshoved, na Dinamarca, em 1992, e o Mundial de 12 Metros em Saint Tropez, na França, em 1999. 

Somam-se a esses resultados nove vice-campeonatos mundiais, 12 títulos em Campeonatos Continentais disputados no Brasil e no exterior, além de mais de 45 títulos em Campeonatos Brasileiros conquistados em oito classes. 

Assim como no futebol a carreira de qualquer jogador atinge um outro patamar com a conquista de uma Copa do Mundo. Na vela, para ser grande de verdade, é preciso brilhar nos Jogos Olímpicos. E, nesse ponto, Torben Grael também foi excepcional. 

A prata e o bronze 

A primeira experiência olímpica de Torben foi nos Jogos de Los Angeles, em 1984, uma edição em que o Brasil chegou a oito pódios e que foi marcada pela histórica medalha de ouro de Joaquim Cruz no atletismo, na prova dos 800m, a única medalha dourada do Brasil. 

Competindo na classe Soling, ao lado de Daniel Adler e Ronaldo Senff, Torben conquistou a prata, e o resultado abriu as portas para a sua incrivelmente bem-sucedida caminhada olímpica. 

“Minhas medalhas tiveram cada uma importância muito grande. Em 1984, foi praticamente o melhor que podíamos fazer. Tínhamos pouca experiência e um físico não muito adaptado para o barco. Éramos muito leves, por isso digo que conseguimos o melhor resultado possível”. 

“Quem ganhou foram os americanos, que estavam velejando em casa, superpreparados, eram excelentes velejadores. Seria muito difícil ganhar deles.  Foi um resultado magnífico, que impulsionou a minha carreira de uma maneira muito importante”, ressalta Torben, ao lembrar da disputa que terminou com os norte-americanos Robbie Haines, Ed Trevalyan e Rod Davis garantindo a medalha de ouro. 

Quatro anos depois, nos Jogos Olímpicos Seul 1988, edição em que o Brasil somou seis medalhas e que teve como ápice o ouro de Aurélio Miguel no judô, Torben Grael e Nelson Falcão uniram forças para o desafio na classe Star, que renderia a Torben mais um lugar no pódio, desta vez com a medalha de bronze. 

“Na Coreia, estivemos muito perto de ganhar o ouro, mas faltou um pouquinho de experiência na classe. Além de pouco tempo na classe, acho que levamos um pouquinho de azar. Das quatro vezes que chegamos à regata final com chance de ouro, ganhamos duas e perdemos duas. Acho isso supernormal em competição, quanto mais Jogos Olímpicos. É muito raro disputar quatro e ganhar todas”, pontua Torben. 

Barcelona 1992 

Com duas medalhas olímpicas e cinto títulos mundiais no currículo, Torben Já era uma estrela da vela quando, no ciclo visando aos Jogos Barcelona 1992, ele formou a parceria com aquele com quem viria a tornar-se um bicampeão olímpico: Marcelo Ferreira. 

A primeira experiência dos dois nos Jogos Olímpicos, contudo, não saiu como o planejado. Na Espanha, Torben e Marcelo ficaram longe do pódio e fecharam na 11ª posição. 

“Eu aprendi muito com o que aconteceu na Coreia e ainda conseguimos segurar um bronze. E a gente aprendeu com o que aconteceu em Barcelona, onde a medalha não veio. Tivemos muita dificuldade na preparação para os Jogos”, recorda Torben. “Barcelona foi uma Olimpíada onde havia começado o patrocínio na vela e a gente não contou com nenhum para bancar a campanha olímpica. Eu fazia muita competição de Oceano e os compromissos com a vela oceânica influenciaram na nossa campanha olímpica. E eu faria tudo de novo, pois esses compromissos todos na vela oceânica me abriram portas depois para fazer competições importantes e me ajudaram a me manter na vela olímpica”, prossegue o velejador. 

De fato, apesar de terem voltado de Barcelona sem a medalha, os ventos mudariam de rumo para o ciclo olímpico seguinte e a campanha dos dois para os Jogos Atlanta 1996 foi bem diferente. 

“Sem os recursos que ganhava na vela oceânica na época, teria de ter parado com a vela olímpica. Então foi importante. E, obviamente, fez com que a preparação para Atlanta fosse muito mais forte. Junto com isso, conseguimos um patrocinador que acreditou na campanha”, ressalta Torben, referindo-se à marca escocesa de whisky Cutty Sark. 

“Eles entraram logo depois de Barcelona e nos apoiaram a campanha toda. Fez toda a diferença. Tivemos os meios para dar a ênfase necessária à preparação”, destaca. 

O ouro “invisível” 

De início, Torben não percebeu. Quem notou tudo foi Marcelo Ferreira. Foi então que a vida dos dois, a bordo do barcdo Vida Bandida, sofreu uma guinada sem precedentes naquele 29 de julho de 1996, nas águas do litoral do Atlântico Norte de Savannah, cidade a 400 quilômetros de Atlanta, a sede da 26ª edição dos Jogos Olímpicos. 

O que Marcelo avistou ao contornar a primeira boia da última regata olímpica da classe Star foi uma placa de sinalização que informava que o barco dos australianos Colin Beashel e David Giles tinha queimado a largada e que, por conta disso, eles haviam sido desclassificados. Naquele instante, longe da família, do público e da torcida brasileira, Torben e Marcelo tornaram-se campeões olímpicos pela primeira vez. 

“Na realidade, começamos a fazer uma marcação forte neles na largada dessa última regata, pois queríamos ficar sempre junto deles. Como tínhamos vantagem e eles precisavam ganhar, pressionados, acabaram queimando a largada”, recorda Torben. 

“A gente já vinha na frente e ao chegarmos perto da boia, quando o Marcelo viu a placa, realmente foi aquela comemoração. Estávamos cientes de que tinha dado certo. Realmente foi uma curtição o restante da regata”, prossegue. 

“Não caiu a ficha na hora, não. Esse troço só quem passa é que entende como funciona. Essa é a realidade. Até quando cruzamos a linha de chegada, estávamos comemorando, mas é uma sensação tão indescritível que você não realiza. Você está lá no meio do oceano. É diferente de quando você está dentro de uma arena fechada ou em uma pista de atletismo, com o público em volta. Não tinha nem spectator boat (barco que é usado para levar o público para acompanhar a regata de perto). Foi diferente de outros eventos. Foi o ouro que ninguém viu, vamos dizer assim”, completa Marcelo. 

Com a conquista dos Jogos Atlanta 1996, Torben Grael, aos 36 anos, finalmente havia fechado, da maneira que sempre sonhara, o pódio olímpico que ele havia iniciado com a prata em Los Angeles 1984 e o bronze em Seul 1988. Ele, agora, tinha uma medalha dourada em sua coleção de triunfos olímpicos. 

 “Foi uma sensação maravilhosa, de ter chegado ao topo da pirâmide”, lembra Torben. 

“O que acontece é que em qualquer esporte olímpico, com exceção do futebol, que é um esporte à parte, o auge são os Jogos Olímpicos. É muito mais importante do que um Campeonato Mundial. Então, você ir para os Jogos no seu esporte é uma coisa fantástica. E você ir bem é melhor ainda. Se for e ganhar uma medalha, é uma recompensa ainda maior. Quando você chega a ganhar uma medalha de ouro é aquela sensação do dever cumprido: cheguei o mais alto que eu poderia chegar”, descreve Torben. 

Lars Grael 

O ouro olímpico conquistado em Atlanta turbinou a carreira de Torben Grael na vela oceânica. Nos anos seguintes aos Jogos 1996, Torben centrou suas atenções para a disputa da America’s Cup com a equipe da Prada e, nesse período, passou a maior parte de seu tempo vivendo na Itália e na Nova Zelândia. 

Assim, Torben estava muito longe quando, em 6 de setembro de 1998, seu irmão Lars Grael enfrentou o pior pesadelo de sua vida. 

Naquele dia, Lars disputava, na Enseada de Camboriu, a 44ª Taça Cidade de Vitória. Momentos antes da largada da segunda regata, uma lancha, batizada de Laguna 1 e conduzida pelo empresário Carlos Guilherme de Abreu e Lima, invadiu a área da prova e chocou-se contra o veleiro de Lars Grael. O velejador acabou atirado ao mar e, atingido pela hélice da lancha, teve a perda direita decepada. 

“Estávamos na Itália, no lugar onde são construídos os barcos Stars, em uma cidadezinha no Lago de Como, e soubemos que o Lars tinha sofrido um acidente sério. Eu falei primeiro com a minha mãe, depois com meu irmão mais velho, Axel, e a princípio a primeira ideia foi de retornar para o Brasil”, recorda Torben.  

“Estávamos indo para o Mundial, e o Axel acabou me convencendo a seguir em frente. Ele falou que não havia nada que eu pudesse fazer retornando e ainda reforçou que tinha certeza de que o Lars, se pudesse, falaria a mesma coisa”, continua. 

“O Mundial classificava para Sydney. E, depois, o Lars foi ser nosso supervisor lá em Sydney. Então acho que foi uma decisão importante”, prossegue Torben, referindo-se aos Jogos Olímpicos de 2000. 

“Queríamos muito ganhar aquele campeonato para homenageá-lo e acabamos ficando em segundo. Perdemos por um ponto, mas foi fundamental a decisão de ir para o Mundial porque o apoio foi muito importante depois, quando ele estava se recuperando, na parte psicológica e tudo mais. Quando ele estava lá lutando pela vida no hospital, ele estava nas mãos dos médicos e não havia muito o fazer. O que podia ser feito a minha mãe, o Alex e vários amigos já estavam ajudando muito, então acho que foi a decisão certa”, avalia Torben. 

Lars, felizmente, compartilha de várias qualidades do irmão Torben. E, assim, apesar da tragédia, ele tocou sua vida. Mais do que isso, continuou a brilhar na vela. Em 2015, a bordo do barco Renata, Lars foi campeão mundial da classe Star, na Argentina, ao lado de Samuel Gonçalves, e, juntos, ainda conquistaram o vice-campeonato mundial em Troense, na Dinamarca, em 2017.  

“Muda a perspectiva. Isso mudou para ele, mas o importante é a vida. Aquele acidente provocou uma mudança na vida dele. Ele acabou tendo destaque na gestão do esporte, foi trabalhar em Brasília, na Secretaria de Esporte, depois na Secretaria de Esporte de São Paulo, fazendo palestras e apresentações motivacionais e ganha a vida com isso hoje. Ele tem a deficiência, mas ele leva a vida muito bem. Inclusive foi campeão mundial de Star com a deficiência. Então, realmente é uma pessoa que teve uma recuperação fantástica e é um exemplo para muita gente”, diz Torben, com orgulho. 

Mais um bronze 

Os Jogos Olímpicos Sydney 2000 foram completamente atípicos. Apesar de ter tido chances reais de triunfo em várias modalidades, a delegação brasileira acabou retornando sem nenhuma medalha de ouro, o que não acontecia desde Montreal, em 1976. 

O Brasil fechou a participação na Austrália com seis medalhas de prata e seis de bronze. Entre os que terminaram em terceiro lugar estavam Torben Grael e Marcelo Ferreira na classe Star. 

“Em Sydney a gente acabou ficando com a medalha de bronze, mas fomos para a água disputando o ouro e liderando a classificação”, lembra Torben. “Mas Sydney teve um problema. Eu fiz a America’s Cup com a Prada. Ficamos os três anos antes da dos Jogos Olímpicos velejando pouquíssimo de Star. Eu estava fazendo a campanha da Prada da America’s Cup e fiquei envolvido totalmente lá na Nova Zelândia e na Itália. Por um lado, isso prejudicou, pois tirou um pouco nosso ritmo para Sydney e cometemos alguns erros que não faríamos normalmente. Por outro lado, a Prada me deu independência financeira e patrocinou as nossas campanhas para Sydney e para Atenas. Foi muito importante, pois nossa preparação para Atenas também foi a melhor possível. A diferença entre Sydney e Atenas foi a seguinte: eu fiz a America’s Cup antes das duas, mas em 2000 a regata acabou em março e a Olimpíada foi em agosto, na seguinte, acabou em 2003 e a Olimpíada foi em junho de 2004. Então, tivemos mais tempo para voltar a pegar o ritmo”, diz Torben. 

Atenas dourada 

Entre as várias datas emblemáticas na vida de Torben Grael, 26 de agosto de 2004 merece lugar de destaque. Foi a data em que, competindo nos Jogos Olímpicos de Atenas, Torben Grael e Marcelo Ferreira conquistaram a segunda medalha de ouro e, com isso, tornaram-se membros de um dos mais seletos clubes do Brasil: o dos bicampeões olímpicos. 

Até os Jogos Rio 2016, eles eram apenas 13 atletas. Completam a lista, além de Torben e Marcelo, Adhemar Ferreira da Silva, no salto triplo, o velejador Rober Scheidt, os jogadores de vôlei Maurício, Giovane e Serginho, e as jogadoras de vôlei Paula Pequeno, Jaqueline, Fabiana, Sheilla, Thaisa e Fabi. 

Ao contrário do que ocorreu em Sydney, a campanha de Torben e Marcelo na Grécia não poderia ter sido mais tranquila. A velejada rumo ao ouro começou em 21 de agosto, com um quinto e um quarto lugares. No dia seguinte, vieram duas vitórias, que foram seguidas por um segundo lugar no dia 23. 

Então, em 24 de agosto, a dupla cruzou a linha de chegada em quinto e voltou a ficar em segundo no dia 25, quando ainda disputou outra prova e terminou em sétimo. Assim, no dia 26, após um 11º lugar, veio um quarto lugar na segunda regata, o que selou a conquista do ouro.  

“Se você for destacar qual Jogos Olímpicos foram os mais legais, eu diria que foram o de Atenas. Porque Atenas é o berço dos Jogos da Era Moderna e tem todo aquele simbolismo da Grécia antiga e dos Jogos. Eu fui porta-bandeira no desfile de abertura, a gente carregou a tocha aqui no Brasil, e, até então, só havia um bicampeão olímpico, que era o Adhemar”, destaca Torben. 
“Foi muito bacana conseguir chegar nesse patamar. Na verdade, superar, porque já tínhamos outras medalhas. Então, a gente não só atingiu, mas superou o patamar do Adhemar, que foi um farol importante, porque ele botou aquela luz na frente que nos guiou a chegar ao bicampeonato olímpico. Eu o conheci. Era uma pessoa muito culta, muito educado, muito simples, muito atencioso. Foi uma pessoa muito bacana”. 

Rio 2016: a vez de Martine 

Torben Grael disputou seis edições de Jogos Olímpicos e chegou ao pódio em cinco delas, duas vezes no lugar mais alto. Após tantas experiências nos Jogos e depois de tantos momentos incríveis, o bicampeão se esforça para eleger sua recordação mais marcante. 

Sem conseguir apontar um momento como o mais especial, Torben deixa um agradecimento a duas pessoas muito importantes que o acompanharam nas conquistas das medalhas de ouro. 

“O que é uma coisa interessante é que eu comecei na vela olímpica com meus tios. Fui tripulante do Axel e do Erik. Depois, o Erik foi nosso técnico em Atlanta, quando eu ganhei a primeira medalha de ouro. Curiosamente, ele tinha a mesma idade que eu quando fui técnico da equipe olímpica aqui no Rio de Janeiro (nos Jogos de 2016). E o Lars acabou tendo que encerrar a carreira olímpica mais cedo, mas os dois estavam juntos com a gente em Sydney. O Lars era o coordenador técnico e o Erik, o técnico. E o Lars de novo estava nos Jogos de Atenas. Foi sempre superimportante ter os dois ali comigo nesses momentos”, reconhece. 

Encerrados os Jogos de Atenas, as emoções olímpicas de Torben Grael ganharam um novo sentido 12 anos depois, quando ele viu, das areias da Baía de Guanabara, no dia 18 de agosto de 2016, uma quinta-feira de céu nublado e ventos fortes, sua filha, Martine Grael e a parceira Kahena Kunze conquistarem a medalha de ouro na classe 49erFX nos Jogos Rio 2016. 

As duas venceram uma disputa emocionante na regata final e, ambas, aos 25 anos, tornaram-se as primeiras campeãs olímpicas da vela brasileira. 

 “Foi muito emocionante. Como treinador, tive o privilégio de poder acompanhar a preparação delas, orientar na medida do possível. Na final, a realidade é que o script não poderia ter sido melhor, nem mais difícil para elas. Elas tinham o nome para carregar e estavam competindo em casa, o que era um peso. Haviam vencido o Mundial, ganhado os dois eventos-testes no Rio de Janeiro e eleitas as velejadoras e atletas do ano, tanto na Federação Internacional de Vela quanto pelo COB. Era pura pressão”, explica. 

“Por coincidência, elas estavam na última classe a decidir o pódio. E todos os outros brasileiros das outras classes não conseguiram medalhas. A última chance de ganhar uma medalha, aumentando ainda mais a pressão. E eram quatro barcos disputando três medalhas. Porque às vezes você chega com chance de ganhar o ouro, mas já tem uma medalha garantida. Eram quatro praticamente empatadas.  Quem chegasse na frente entre elas levaria o ouro e alguém iria ficar sem medalha”, prossegue Torben, que confessa que sofreu muito naquele dia antes de ser tomado por uma alegria sem precedentes. 

“Foi uma situação bem dramática velejar naquela raia que não é fácil. A atuação delas foi fantástica. E poder assistir, incrível. Quando você está competindo, não tem muito lugar para emoção, está muito concentrado. A emoção vem depois. Mas você assistir de fora, sem poder fazer nada, é uma emoção é bem diferente”, confessa. 
“Elas começaram em terceiro entre as medalhistas. Estavam na frente delas as neozelandesas, que tinham uma colocação melhor no geral, e as dinamarquesas. Elas passaram as dinamarquesas na primeira perna de vento folgado, depois recuperaram bem na segunda perna e acabaram passando as neozelandesas na penúltima perna. Elas ainda tiveram que segurar um ataque forte das neozelandesas na perna final. Então foi superbacana”. 

De fato, a sétima medalha de ouro do Brasil na história da vela veio após uma prova de fogo para Martine e Kahena. Depois de 12 regatas disputadas, quatro times avançaram à Medal Race, como é chamada a prova que define o pódio na vela, em condições de conquistar o ouro no Rio. 

As candidatas ao ouro, além das brasileiras, eram as espanholas Tamra Echegoyen Dominguez e Berta Betanzos Moro, as dinamarquesas Jena Hansen e Katja Steen Salskov-Iversen e a dupla da Nova Zelândia formada por Alex Maloney e Molly Meech. 

Martine e Kahena chegaram a cair para a oitava posição durante a prova, mas se recuperaram e, em uma chegada emocionante, ultrapassaram os dois barcos que estavam na ponta, assumiram a liderança e cruzaram a linha de chegada com uma diferença de apenas dois segundos para Alex Maloney e Molly Meech, que levaram a prata. O bronze ficou com as dinamarquesas Jena Hansen e Katja Steen Salskov-Iversen. 

Ser campeão olímpico é uma honra para poucos. Brilhar nos Jogos e, depois, ver sua filha repetir a dose é ainda mais raro. Torben viveu os dois momentos. Indagado sobre qual dos dois momentos é mais especial, ele parou, respirou e refletiu por alguns segundos. E então respondeu:  “As duas coisas são muito bacanas. Mas ver os filhos bem-sucedidos é mais forte”, admite. 

Sonhos e realizações 

Vencedor da Louis Vuitton Cup 2000, como tático do barco Prada Luna Rossa; vencedor da Volvo Ocean Race 2008/2009, como capitão do barco Ericsson 4; terceiro lugar na Volvo Ocean Race 2005/2006, como capitão do barco Brasil 1; desafiante na America’s Cup 2000, como tático do barco Prada Luna Rossa; finalista na Louis Vuitton Cup 2007, como tático do barco Prada Luna Rossa... 

A lista de proezas na vela oceânica é longa. Não à toa, Torben Grael é considerado um dos velejadores mais completos da história.  

“Eu não posso reclamar não”, diz, sorrindo. “Tenho muitas coisas que eu quero fazer, obviamente, mas realizei muitos dos meus sonhos”, admite. 

Nesse sentido, há sonhos ainda não realizados? 

“Tem sempre. Se tem que ter sempre objetivos e metas na vida”, pondera. “Mas a vida não se resume só a competições e desafios. Tem muitas outras coisas. Eu tenho vários projetos interessantes. Um dos projetos é fazer a volta ao mundo lá pela passagem noroeste e, depois, por cima dos continentes. Tenho outros projetos interessantes”, revela. 

Hall da Fama e conselhos 

Homenageado no Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil, Torben elogia a iniciativa da entidade e afirma a importância de perpetuar a história dos grandes atletas do país. 

“Eu acho que é muito bacana. Porque não é nem para quando a gente não estiver mais aqui. Tem toda uma geração de novos atletas que não viveram nossas experiências. Atenas já tem mais de 16 anos. Então, essas pessoas não conheceram direito essa história. E se você for falar de Adhemar Ferreira da Silva, por exemplo, muito menos”, frisa Torben. 

“É importante destacar essas pessoas que abriram as portas para a gente. Eu, quando comecei a competir, já tinha meus tios, tricampeões mundiais. E no esporte da vela, já tinha o caso do Reinaldo Conrad, com duas medalhas de bronze, em 1968 (nos Jogos do México) e em 1976 (nos Jogos de Montreal), e, em 1980, em Moscou, foram duas de ouro (com Eduardo Penido e Marcos Soares, na classe 470, e Alexandre Welter e Lars Sigurd Bjorjstrom, na classe Tornado). Tudo isso antes da minha primeira edição olímpica, que foi em 1984. Então, eu acho que essas pessoas são todas importantes, porque mostraram que o caminho está lá, que é possível, e que você pode chegar lá também. Então acho que é importante como reconhecimento e como motivação para os mais jovens”. 

Aos 60 anos, Torben Grael, como poucos, pode dar conselhos. E para aqueles que chegaram que um dia sonham repetir alguns de seus feitos, vale a pena guardar essas palavras: 

“As pessoas hoje querem as coisas muito de imediato. As pessoas têm pouca paciência para fazer as coisas e querem resultados sempre em seguida. E no esporte isso raramente acontece. As coisas têm o seu tempo. Você tem que sempre estar aberto para aprender. No esporte da vela ainda mais. Então, acho que você tem que ter muita paciência, muita perseverança e tem que ter confiança também”, ensina. 
Torben Schmidt Grael
Vídeo

Torben Grael é homenageado no Hall da Fama do COB em 2018

Um dos maiores nomes do esporte olímpico brasileiro, Torben Grael esteve em seis edições dos Jogos, conquistando cinco medalhas. Ao lado de Marcelo Ferreira, obteve suas principais conquistas, como os ouros em Atlanta 1996 e Atenas 2004. 
Vídeo

Live Especial do COB: Liderança no Esporte e na Vida

Tema: Liderança no Esporte e na Vida 
Participantes:
Rogério Sampaio – Campeão olímpico e diretor-geral do COB 
Torben Grael – Bicampeão Olímpico e coordenador-técnico da equipe brasileira de vela
Renan Dal Zotto - Medalhista olímpico e treinador da seleção masculina de vôlei 
Mediação: Antonio Carlos Moreno – Atleta Olímpico de vôlei e Coach do COB 
Vídeo

Multi-campeão emocionado com troféu que leva nome de ícone do esporte brasileiro

Torben Grael, um dos maior medalhista olímpico do Brasil,  foi homenageado no Prêmio Brasil Olímpico 2013. Ele recebeu o Troféu Adhemar Ferreira da Silva.
HomenageadoHomenageado

GALERIA DE FOTOS

ACERVO

)