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Walter Carmona

Walter Carmona

modalidade

Judô

data e local de nascimento

21/06/1957

São Paulo

BIOGRAFIA

Primeiro brasileiro nato a conquistar uma medalha em Campeonatos Mundiais de Judô, bronze entre os médios nos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984, porta-bandeira da delegação brasileira na Cerimônia de Abertura em Seul 1988, tetracampeão sul-americano, tetracampeão pan-americano, Walter Carmona é um dos maiores nomes do judô nacional, tanto por suas conquistas quanto por sua liderança.  

Diferentemente da maioria dos atletas olímpicos, ele não demonstra saudosismo nem ligação emocional aos seus feitos no esporte. Na verdade, não guarda lembrança de detalhes ou datas dos acontecimentos, muito pelo desapego, outro tanto pela falta de memória causada pela dislexia, descoberta já na maturidade. 

“Quando eu era mais jovem, sempre que escutava as pessoas com mais idade dizendo: ‘No meu tempo era assim...’, dava uma peninha porque eu pensava que aquelas pessoas viviam no passado. Achava aquilo chato. Eu não queria ser assim. Não tenho uma foto, não tenho nada. Nem sei direito aonde está a minha medalha olímpica, mas a minha esposa sabe. É uma coisa interna minha, bola para frente. Cheguei até aqui, vamos para a próxima. Nunca quis ficar olhando para trás, não”, explica ele.    



Hall da Fama 

Apesar do desprendimento, Carmona valoriza cada uma de suas conquistas e se emociona ao falar sobre a sua inclusão no Hall da Fama do COB.  

“Eu tive duas grandes alegrias fora do tatame na minha vida no judô: a primeira foi ser o porta-bandeira na Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos Seul em 1988. Foi bárbaro para mim, uma coisa sensacional. E a segunda, agora, entrar para o Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil, num grupo tão seleto de atletas. Lá só tem feras de todos os esportes, é muita gente e você ser lembrado é bárbaro. Isso me marcou muito, saí agradecendo para todo mundo que se lembrou do meu nome. Gratidão é tudo! Eu não esqueço essas coisas, sou muito grato por esses dois grandes prêmios que eu recebi fora do tatame. Fico muito feliz, me sinto lisonjeado. Fico pensando na alegria de falar sobre isso para os meus filhos e netos”, celebra. 

Tímido 

Terceiro filho de uma família composta por três meninas, Carmona nasceu em São Paulo em 21 de junho de 1957. Filho do industrial Pedro José e da dona de casa Nair, ele sempre foi muito tímido. “Meu pai tinha uma empresa de rádio para automóvel. Depois, quando os carros começaram a vir com rádio e esse mercado se extinguiu, ele teve uma metalúrgica, uma empresa de molas. Ele sempre teve espírito de empresário”, conta. “Toda essa parte de ser introvertido é porque a gente era muito humilde, eu vim da classe média baixa. Tudo o que eu conheci foi através do esporte.” 

O judoca lembra de que costumava passar férias na casa do tio, que era peixeiro. “Eu e o meu primo saíamos numa charrete vendendo peixe na rua. A gente ia gritando: Olha a pescada boa! Sardinha! Sardinha! Hoje eu falo para a minha mulher que eu já vendi peixe de charrete e ela fala que é mentira porque foi só nas férias”, relata.  

“Carmona vai com os outros” 

O menino Walter nunca havia praticado esportes porque era uma espécie de “inimigo da bola”. “Se rolar uma bola para mim, vai ser horrível. Eu nunca tive talento para absolutamente nada: handebol, basquete, vôlei, futebol, absolutamente nada. Eu nunca torci para time nenhum. Nunca me fascinou”, revela. 

O interesse pelo esporte surgiu aos seis anos, em 1963, quando um coleguinha da vizinhança começou a treinar judô na academia de Dante Kanayama. “Ele foi, e eu fui também. O Kanayama era um dos discípulos do sensei Hikari Kurachi, do Japão. Eu era uma criança muito introvertida e, no começo, foi bastante complicado, porque eu não me sentia à vontade no tatame”, lembra. “Mas o Kanayama sempre proporcionou um ambiente muito agradável para as crianças na academia dele, e eu fui ficando, fui treinando. Tinha esses campeonatos de clube. Com 7, 8 anos, eu ganhei a minha primeira medalha de bronze num desses campeonatos. Essas coisas foram me motivando, me animando para continuar no esporte”.  

Depois de vencer os Campeonatos Paulistano e Paulista em 1970, Carmona se aninou ainda mais. “Passei a treinar mais forte. Eu saia para correr na rua, pela manhã bem cedo, antes de ir para a escola. Ainda estava escuro e eu me lembro do pessoal gritando: ‘Pega ladrão!’ Aquilo era totalmente diferente para a época. Ainda mais uma criança correndo sozinha na rua. Eu fui me dedicando mais e as coisas foram acontecendo”, orgulha-se.  

O judô como prioridade 

De treino em treino, de medalha em medalha, Walter Carmona se viu apaixonando pelo judô. “Você se apaixona por aquilo e acaba abrindo mão de todas as outras coisas, até dos estudos, infelizmente. O judô é um esporte em que você treina em dois períodos e conciliar com os estudos é muito difícil”, explica.  

“Poucos, judocas, como o Wagner Castropil (peso médio que representou o Brasil nos Jogos Barcelona 1992 e se formou em Medicina) conseguem. Eu fiz Engenharia, mas confesso que não fui dos melhores engenheiros. Você tem que abrir mão de muita coisa, não tem jeito. E quando você começa a abrir mão dessas coisas que são boas e prazerosas, você percebe que está a fim mesmo de fazer judô, de buscar os resultados”.  

Uma das grandes dificuldades da época era a falta de treinos fortes com um bom número de atletas. “Você tinha que caçar treinos. A gente treinava no Yamasaki, na Federação (Federação Paulista de Judô), na academia Ishii. Era legal porque se conhecia atletas de várias academias. A gente se juntava em pequenos grupos para poder fazer um treino razoável. Mas, mesmo assim, às vezes, você repetia o treino duas, três vezes com o mesmo atleta, porque tinha poucoa atletas no treino. Era bem limitado”, informa. 

“Nossa única referência era o Chiaki Ishii, que, em 1972, trouxe primeira medalha do nosso judô em Jogos Olímpicos (bronze em Munique)”. O japonês naturalizado brasileiro também foi pioneiro no pódio de um Campeonato Mundial. Foi bronze, em 1971, em Ludwisgshsfen, na então Alemanha Ocidental.  

Em 1974, Carmona passou a treinar na academia de Chiaki Ishii. “Ele era um atleta competidor, bastante técnico, tinha golpes muito fortes, como o tai-otoshi e o o-soto-gari, que mais ou menos combinaram com os meus. A gente se esforçava para ter golpes tão bons como os dele. Ele é um cara muito legal. Quando vinham colegas dele do Japão, ele abria a academia e pedia para eles passarem a técnica para a gente”, destaca. “Quem também ajudou muito o judô brasileiro foi o Onodera (sensei Ikuo Onodera, técnico da seleção brasileira nos Jogos Pan-americanos de 1975 e 1995 e nos Jogos 1976), que tinha um conhecimento bom no Japão, nessa parte de intercâmbio”, emenda.  



Nem carro nem medalha 

Em 1976, aos 19 anos, Walter foi convocado pela primeira vez para a seleção. A equipe disputaria o II Campeonato Mundial Júnior, em Madri. “Naquela época, a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) não tinha recursos para bancar a viagem dos atletas”, pontua. “Eu tinha uma Brasília e vendi meu carro para poder ir para a competição. Cheguei lá e perdi na primeira luta! Voltei para casa sem a medalha e sem a minha Brasília. O ginásio era um velódromo, eu ficava dando volta naquele velódromo pensando em desistir do judô. Quando passou aquele momento de emoção, voltei para o Brasil e falei: 'Preciso treinar mais'.""  

Além dos treinos no tatame da academia de Ishii, Carmona continuou correndo todos os dias, agora em pistas de atletismo, e fazendo musculação em clubes como Pinheiros, Sírio e A Hebraica.  

“O lema era quanto mais treinar, melhor. Pode ter alguém que treine como eu, mas mais do que eu não. Luta é uma quebradeira, seu corpo está sempre quebrado. Você acordava de manhã e lutava para sobreviver até o final do dia. Sentava na beirada da cama e falava: Será que hoje eu vou conseguir? Ficava aqueles cinco minutos, aí levantava, o corpo já ia se adaptando e você começava a treinar. A nossa rotina era assim”, divide. 

“O Carmona é talvez o grande ídolo do Aurélio Miguel, que é o maior judoca brasileiro de todos os tempos. Ele aprendeu com o professor Ishii essa coisa do treinamento intenso, do treinamento duro, e gerações depois dele vieram também com esse mesmo conceito de que não existe resultado sem muito trabalho”, avalia o campeão olímpico Rogério Sampaio, ouro entre os meio-leves nos Jogos Olímpicos Barcelona-1992.  

“Aqui no Brasil, ele foi o meu grande ídolo. O Carmona é um exemplo. Eu me lembro, quando a gente era novinho, a gente ia treinar lá no Pinheiros de manhã. Ele fazia o treinamento conosco, depois punha o terno e a gravata e ia para a indústria dele trabalhar. À noite, estava lá treinando novamente. Depois do treino, ele continuava fazendo uchikomi (treino de repetição e aperfeiçoamento técnico). Ele sempre foi uma referência positiva para nós todos, de perseverança, de persistência, de disciplina, de dedicação, de empenho, de que só se consegue as coisas se dedicando. Isso foi muito importante para mim”, exalta o campeão olímpico Aurélio Miguel, ouro entre os meio-pesados em Seul 1988 e bronze em Atlanta 1996.  

O único sem medalha no Pan 

Nos Jogos Pan-americanos de San Juan, Porto Rico, em 1979, o judô do Brasil foi um dos destaques. A equipe conquistou sete medalhas em oito categorias: quatro ouros, uma prata e dois bronzes. “Eu fui o único brasileiro que não trouxe medalha. Voltei arrasado e até um pouco envergonhado. Que decepção, que fracasso! Voltei e passei a treinar ainda mais”, lamenta Carmona.  

Meses depois, Walter Carmona se preparava para disputar o Campeonato Mundial, em Paris, quando começou a ser incomodado por uma dor de dente. “Quase que eu não fui a esse campeonato”, divide. “Eu tinha um dente do siso me atrapalhando bastante. Pensei: sou tão azarado que eu vou chegar lá, em Paris, e esse dente vai começar a doer”. 

O judoca decidiu extrair o dente, mas a dentista deu um ponto apertado demais e a dor acabou ficando ainda mais forte depois da extração. “Voltei ao consultório me queixando de dor, e ela dizia que era assim mesmo, me dava remédio e me dispensava”, diz.  

Carmona dividiu com a mãe sua intenção de desistir de participar do Mundial por conta da dor. Ela o aconselhou a voltar ao consultório pela última vez e pedir para que a dentista retirasse o ponto que o estava incomodando. Ele seguiu o conselho. “Minha boca nem abria porque estava tudo inflamado. Eu forcei, abri a boca e ela tirou o ponto. Foi um alívio indescritível. A dentista começou a chorar. Foi assim que venci a dor e fui ao Mundial, quase que eu não ia”, conclui.  

Sem conhecer os adversários 

Livre da dor, o judoca paulista foi para Paris, França, no início de dezembro de 1979, sem saber o que esperar. “A gente saía do Brasil para o Campeonato Mundial, que era de dois em dois anos, tinha o Campeonato Pan-americano, o Sul-americano e só. Não tinha esse intercâmbio que tem hoje, esse conhecimento entre os atletas. A gente conhecia o cara na hora que começava a luta. Fui para Paris sem conhecer os adversários. Eu sabia que todos eles eram fortes, mas só conhecia alguns detalhes sobre eles, como se o adversário era destro ou canhoto”, explica. 

“Naquela época, não havia patrocínios. Na maioria das vezes nossos pais ajudavam com as finanças, tipo complementação da alimentação. Hoje o tratamento é diferente, os atletas participam de mais competições, coisa que não acontecia na época”, reforça o medalhista olímpico Luiz Onmura, bronze do peso leve nos Jogos Los Angeles 1994.  

“Na geração do Carmona houve pouco intercâmbio. Não tinha essa facilidade com tantas competições como hoje e isso, lógico, atrapalha. Aquela era uma geração fantástica, que podia ter ido muito mais longe”, completa o vice-campeão mundial Aurélio Miguel. 

Enfim, no pódio! 

Ao conquistar o bronze em Paris, Carmona entrou para a história como o primeiro brasileiro nato a subir ao pódio num Campeonato Mundial. “O Carmona sempre foi muito forte fisicamente, muito técnico e guerreiro, sangue nos olhos. Ele abriu o caminho com a conquista das suas medalhas, mostrando ao mundo o valor do judô brasileiro”, analisa o sensei Geraldo Bernardes, ex-técnico da seleção brasileira que comandou a equipe no Mundial de Paris.  

“Curiosamente, nos Jogos Pan-americanos que antecederam o Campeonato Mundial de 1979, o único atleta que não foi medalhista foi exatamente o Carmona. Na sequência, fomos todos muito motivados para o Campeonato Mundial, e o único medalhista foi exatamente o Carmona, realizando belos combates com os melhores atletas do mundo da sua categoria de peso”, contrapõe Luiz Shinohara, ex-técnico da seleção, que foi ouro entre os ligeiros no Pan 1979, em San Juan, Porto Rico. 



Uma nova referência 

A conquista de Walter Carmona em Paris foi histórica. A partir dali outros brasileiros começaram a acreditar que também poderiam chegar lá. “Foi uma grande façanha naquela época. Nenhum brasileiro até então tinha conseguido. Tinha o Ishii, que era japonês naturalizado”, ressalta Aurélio Miguel. O primeiro pódio brasileiro em Mundiais foi do japonês naturalizado, Chiaki Ishii, que  bronze no Mundial de Ludwigshafen, na Alemanha Ocidental, em 1971.  

“Até então, o Brasil ainda não era conhecido no cenário mundial do judô. Walter foi um dos responsáveis para que o Brasil fosse ganhando o respeito internacional. Depois dele, vários outros brasileiros conquistaram títulos mundiais e olímpicos”, informa o sensei Dante Kanayama, com quem Carmona aprendeu seus primeiros golpes.  

“Depois dele, alguns atletas começaram a conquistar medalhas em Mundiais e outros passaram a acreditar que poderiam ter essas conquistas. Foi muito importante”, opina o vice-campeão olímpico Douglas Vieira, prata entre os meio-pesados em Los Angeles 1984. 

“A medalha foi sensacional. Estava lá o Pedrinho Gama Filho – batalhador pelo desenvolvimento das lutas no Brasil -, que adorava o judô. Ele foi com a delegação e me pagou um jantar com champanhe. São coisas que marcam”, recorda Walter Carmona.  

Focado em Moscou 

Diferente da maioria dos atletas, Carmona não sentiu a pressão nem ficou encantado com o clima especial que marcam os Jogos Olímpicos quando estreou no evento, em Moscou 1980.  

“As pessoas acham que é muito glamour. Eu já não vejo assim, principalmente o judô, porque a gente treina muito, em dois períodos, e não sobra tempo para fazer nada. Acorda, café da manhã, o ônibus já está esperando para te levar para o treino. Treina, volta, almoça, descansa e depois, à tarde vai treinar de novo”, detalha. “Naquela época, a gente ficava na Vila Olímpica mesmo. É bacana! No refeitório, você vê um tenista famoso, um cara do atletismo, mas não é assim aquele glamour que o pessoal acha que é, aquela festa toda. Quem está lá, está concentrado para trazer o seu resultado. É legal você participar daquilo, é uma experiência diferente, nova, mas você está tão concentrado na competição, que não dá tempo de prestar atenção ou aproveitar outras coisas. Depois que a gente luta, tem que deixar a Vila rapidamente, senão, vira uma bagunça”, explica. 

A disputa da categoria médio foi realizada em 28 de julho. O brasileiro fez sua luta inicial contra o húngaro Endre Kiss e levou 1min58s para vencer por ippon. Foram mais 3min02s para derrubar o senegalês Ankilling Diabone, também por ippon, no segundo confronto. Em apenas 53s ele alcançou o terceiro ippon, contra o romeno Mihalache Toma. Na disputa da vaga para a final, Carmona foi derrota pelo cubano Isaac Azcuy, por ippon, com 1min27s de luta.  

O brasileiro foi brigar pelo bronze com Detlef Ultsch, da Alemanha Oriental, que tinha sido campeão mundial em 1979. Naquela época, as lutas pela disputa de medalhas duravam sete minutos. “Eu estava ganhando dele. Ele tinha tomado um shidô (punição) por falta de ataque. Faltavam alguns segundos, e eu fui invadido por aquele sentimento: ‘Nossa, estou ganhando medalha’. Quando você não tem experiência ou respeita muito os seus adversários, você passa um certo medinho de ganhar, não sei te explicar direito. Você toma um susto. Vou ganhar! E se desconcentra um pouco. Foi uma pena, porque daria para eu ter trazido aquela medalha. Nos últimos 15s ou 20s, eu tomei um koká e perdi a luta”, lamenta o brasileiro, que terminou a competição em quinto lugar.  

Em 2 de agosto, o brasileiro voltou ao tatame para disputar a categoria aberta, então conhecida como absoluto, que envolvia judocas de todos os pesos. Depois de vencer o finlandês Jaakko Saari, por yukô, na primeira luta, Carmona enfrentou o búlgaro, Dimitar Zapryanov, que já havia conquistado a medalha de prata entre os pesos pesados. A luta foi para a decisão na bandeira, e o brasileiro foi derrotado. Terminou em décimo. 

Enfim, o intercâmbio 

Antes dos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984, a seleção  foi ao Japão fazer um estágio, pela primeira vez. “Foi superbom! A gente treinou em vários lugares, no Tokai, no Kokushikan, na Polícia do Palácio Imperial. Foi uma experiência bacana”, compartilha. Como não havia muitos recursos para alimentação, os judocas também iam para o fogão. “O treino era forte e não havia muito dinheiro para comer. Eu até cozinhava lá, fazia feijão”, diverte-se.  


Do Japão, a equipe do Brasil foi para Paris para mais um período de treinamento. “A gente não tinha o volume de atletas que os caras tinham, a pegada é outra. A gente voltou com uma mão que não conseguia ter aqui, porque aqui não tinha o mesmo número de atletas com a mão forte. A gente volta com outro pensamento. Só que não consegue manter o ritmo do treinamento de lá”, avalia.  

Foi em Los Angeles, em 1984, que teve início a tradição vencedora do judô brasileiro nos Jogos Olímpicos. Desde então, nossos judocas marcaram presença no pódio em todas as edições.  

Doze anos após a conquista inédita de Chiaki Ishii em Munique 1972, o peso leve Luiz Onmura garantiu a segunda medalha olímpica de bronze da modalidade. Dois dias depois, Carmona, que havia ficado em terceiro lugar nos Jogos Pan-americanos Caracas, na Venezuela, em 1983, entrou no tatame, em 8 de agosto, focado na conquista de uma medalha. “Eu cheguei tranquilo. A preparação para Los Angeles foi um pouco mais estruturada, mas também não tinha mudado muita coisa”, diz.  

Começando bem 

O brasileiro estreou na sétima e última luta da chave B dos pesos médios contra o egípcio Atif Muhammad Hussain. Aplicando um dos seus golpes característicos, o ouchi-gari, Carmona encerrou a luta por ippon em 1min08s. 

O segundo combate também foi definido por ippon, com vitória do judoca paulista com um tai-otochi – outro dos seus golpes decisivos - contra o sueco Michel Grant, com 2min37s de luta. A vitória sobre o holandês Ben Spijkers garantiu sua presença na semifinal.  

A brilhante trajetória de Carmona na competição esbarrou no norte-americano Bob Berland que, lutando em casa com a torcida a favor, derrotou o brasileiro por yukô. Restava ao nosso judoca disputar a medalha de bronze. A história de Moscou parecia se repetir.  

Na disputa pelo bronze, o brasileiro derrotou o britânico Densing White, por yukô, e garantiu o pódio olímpico. 

“O homem é do tamanho do seu sonho. Uma das coisas que eu errei, em Los Angeles, foi no tamanho do meu sonho”, admite Walter Carmona.  “Eu queria uma medalha, lógico que eu queria ser campeão, mas se eu ganhasse uma medalha estaria bom. Quando vi a chave, soube que daria para chegar à disputa de medalha. Era esse o pensamento: voltar com uma medalha”. 

Acompanhamento na preparação 

Além de ter errado ao sonhar em ganhar uma medalha e não, especificamente, o ouro, Carmona avalia que a falta de apoio e planejamento contribuíram para que ele não chegasse à disputa pelo degrau mais alto.   

“Sempre tem que ter um apoio de fora, um olho externo, para poder analisar. Alguém que fale: ‘Se você quer ser campeão, conquistar uma medalha de ouro, está faltando coisa aí’. Alguém que detecte o que está faltando e trabalhe junto para alcançar”, detecta. “Naquela época, o judoca era o seu próprio técnico, o preparador físico, o nutricionista... Eu precisava de acompanhamento durante a preparação. Alguém que estabelecesse um plano de preparação, incluindo intercâmbios, preparação física etc. A gente não tinha nada”. 

Embora seja preciso ao identificar os pontos falhos da sua preparação, Walter Carmona não se apega àquilo que faltava. Mesmo sem patrocínio, sem treinos fortes e, praticamente, sem intercâmbio, ele colocou a medalha no peito e nem pensou nas dificuldades do judô brasileiro quando estava no pódio, em frente à bandeira verde-amarela. Aliás, ele nunca perdeu tempo pensando no que não tinha. 

“Eu nem pensava nisso, eu queria lutar. Eu não ficava chorando pelos cantos, não. Sinceramente, ficar falando ‘ó vida! ó azar!’ nem passava pela minha cabeça. Era o que eu tinha e eu tinha que me resolver”, revela. E resolveu. Entrou para a história como o terceiro judoca brasileiro a conquistar uma medalha de bronze em Jogos Olímpicos. 



Cumprimento real 

Carmona recorda que as lutas da categoria médio do judô em Los Angeles contaram com a presença ilustre da ex-atleta olímpica Anne Elizabeth Alice Louise, que competiu no hipismo dos Jogos Montreal 1976. Mundialmente conhecida como Anne, princesa real, ela estava torcendo pelo britânico Densing White, que foi derrotado pelo brasileiro.  

“Mesmo eu tendo ganhado do inglês, a princesa Anne, muito educada, veio me cumprimentar”, elogia o brasileiro. “Quando eu ganhei a luta do bronze, sai andando por um corredor, fora do ginásio, com um nó na garganta. Foi muito legal. Eu pensava: Eu deixei minha marquinha aqui!”, relembra Carmona. 

No dia seguinte ao bronze de Walter Carmona, o brasileiro Douglas Vieira alcançou a inédita medalha de prata entre os meio-pesados. “Não pude ir ver o Carmona lutar nos Jogos, mas ele lutou muito.  A conquista dele e do Onmura me animaram muito a brigar por uma medalha”, declara o vice-campeão olímpico. “Fomos uma geração vencedora, com poucos recursos. Infelizmente, somos pouco lembrados”, pontua Luiz Onmura. 

Crescimento da modalidade 

Com as conquistas de 1984 o judô brasileiro ganhou maior visibilidade. Carmona destaca a popularização do vôlei, que foi prata em Los Angeles 1984, e traça um contraponto com o judô.  

“Na época do Nuzman, o vôlei explodiu. Por quê? Porque os jogadores viraram ídolos e apareceram muitas pessoas querendo jogar, os clubes não tinham vaga para tanta gente treinar vôlei. Foi um boom, principalmente com a televisão. O vôlei é um esporte de público, o judô não é tanto”, compara. “Uma das coisas que a gente tinha de diferença com o Mamede (Joaquim Mamede, então presidente da Confederação Brasileira de Judô) era isso: em vez de enobrecer os ídolos, ele os ‘destruía’, suspendia o Aurélio... Não entendia que era através desses ídolos que as academias iam se encher de judocas”. 

Dois meses depois do bronze em Los Angeles, Walter Carmona colocou uma aliança de ouro no dedo anelar da mão esquerda ao se casar com a artista plástica Márcia Kufel. Ele também passou a administrar a empresa de molas do pai.  

“Meu pai infartou e decidiu vender a empresa. Ele sugeriu que eu montasse uma academia para mim, mas eu não levava jeito para ser dono de academia. Assumi a empresa e gostei da brincadeira, me dediquei bastante, trabalhei muito e não sobrava mais espaço para o judô”, conta. 

“Ele conseguiu fazer a transição de carreira de forma exemplar. Seguiu como empresário, usando os valores que aprendeu no esporte para sua vida pessoal e profissional, e continua apoiando o esporte”, observa o médico Wagner Castropil, representante do Brasil na categoria médio, nos Jogos Olímpicos  Barcelona 1992.  

Porta-bandeira 

Mesmo treinando só um período por dia, Carmona disputou a seletiva para os Jogos Olímpicos Seul 1988 e ganhou a vaga. Sem resultado expressivo no tatame, ele viveu, na Coreia do Sul, um dos momentos mais marcantes da sua carreira: ser o porta-bandeira do Brasil no desfile de abertura.  

“A direção do COB faz essa escolha entendendo quem são aqueles que têm o perfil de um atleta vencedor, de um atleta correto, ético, que vivencia os valores olímpicos de amizade, respeito e excelência. Além de vencedor, é levado em conta quem é o atleta que mais simboliza isso. Acredito que o Carmona tenha sido escolhido, lá em 1988, por tudo isso”, raciocina o campeão olímpico Rogério Sampaio.  

“As escolhas que meu avô fazia tinham, basicamente, dois critérios: um atleta de uma modalidade que havia obtido destaque nos Jogos anteriores e um atleta respeitado e íntegro, que sabia da responsabilidade daquilo que estaria levando nas mãos. Esse era o caso do Carmona. Uma pessoa seríssima, uma referência, uma liderança entre os atletas”, explica o advogado Alberto Murray, neto do Major Sylvio de Magalhães Padilha, que presidia o COB em 1988. 

“A bandeira de Seul não foi minha, foi do judô”, afirma Carmona. “Foi uma grande honra! Mas a minha atuação foi engraçada. Eu estava acostumado a lutar, lutar para mim era natural, mas carregar a bandeira era uma coisa nova. O pessoal atrás de mim ficou brincando comigo: ‘Carmona, é para andar, não é para marchar!’ Eu estava andando duro como um robô.”, descreve. 

Técnico 

Ao encerrar a carreira, Carmona foi convidado para ser técnico da seleção brasileira feminina de judô. “Eu atuei por algumas horas”, brinca. “Mesmo não tendo muito tempo, eu aceitei a proposta porque a minha intenção não era continuar como técnico. Eu queria ficar um período e ser aquele técnico que nós sempre reclamamos ter. As meninas levavam o treino com muita seriedade. Fizemos avaliação psicológica, queríamos avaliar a agressividade de cada uma, a maneira certa de motivar cada atleta, mas não deu tempo de fazer muita coisa. Eu cortei a Edinanci Silva, e o Mamede me cortou”.  

Apesar do afastamento de Carmona do judô, alguns ex-atletas acreditam que a atuação dele como gestor seria muito benéfica para a modalidade.  

“Os administradores do judô nacional poderiam ser mais eficientes se conseguissem aproveitar a experiência de toda a carreira esportiva do Carmona. É realmente uma perda muito grande não conseguirmos trazê-lo para mais próximo do tatame, para que todos possam aprender um pouco mais”, afirma o sensei Luiz Shinohara. “Gostaria muito que ele tivesse feito uma carreira na administração esportiva. Com certeza, seria um dirigente sério, honesto e competente”, emenda Douglas Vieira 

Influenciando judocas de todas as gerações 

É inegável que as conquistas de Walter Carmona serviram como motivação para todos os judocas. “Os atletas começam a pensar: se ele conquistou uma medalha, por que eu não posso? Essa comparação é inevitável. Se ele chegou lá, eu vou além”, conclui ele. Sua influência, no entanto, vai além do pódio olímpico.  

“Quando comecei a treinar na Federação, eu ainda não tinha definido os meus golpes e identifiquei nele as minhas técnicas. Meus golpes - o ouchi-gari, o tai-otoshi - foram espelhados nele. Ele me orientou muito, me ajudou sempre. Até os Jogos 1996, o Carmona sempre estava comigo, me ensinando. A gente tem a tendência de se acomodar, e ele vinha e me ajudava. Estivemos sempre juntos”, testifica o campeão olímpico Aurélio Miguel. 

“Ele era muito forte, mas muito técnico também. Um atleta que pontuava muito, tinha essa coisa de conseguir o ippon nas lutas dele. Muito respeitado no exterior, ele fazia bem a luta em pé e no solo também”, avalia o também campeão olímpico Rogério Sampaio. “Eu sou de uma geração posterior à do Carmona, mas cheguei a treinar com ele porque eu acompanhava o meu irmão nos treinamentos. Eu vi muitas competições dele. No tempo em que ele estava no auge, eu era garoto, juvenil. Depois, tive o prazer de viajar, como atleta, com ele, antes dos Jogos Olímpicos de Seul. Nós fomos a algumas competições na Europa, pude conviver com ele, dividir o quarto com ele. Aprendi muito com ele: a correção, a postura dele como atleta. Ele é uma referência ainda hoje por isso, pela postura, pela educação, pela maneira como respeita e trata todo mundo. Ele tem sempre uma palavra de carinho, de estímulo”, completa.  

“Por sermos da mesma categoria, eu me espelhava nele e queria me superar para ganhar dele e seguir seus passos. Ele me influenciou a treinar com o sensei Ishii para melhorar minha parte técnica, desenvolver golpes para canhotos e destros e sempre para frente e para trás. Foi um grande exemplo”, declara o judoca olímpico Wagner Castropil, um dos grandes amigos de Carmona.  

“O Aurélio Miguel ganhou a medalha de ouro, mas o Carmona também foi um grande destaque. Ele era muito forte”, garante o sensei Chiaki Ishii, que considera Walter Carmona um dos melhores judocas do Brasil em todos os tempos.  



Legado 

Empresário bem sucedido, respeitado e muito querido na comunidade do judô, casado, pai de três filhos – Rodrigo, Marcelo e Ana Carolina –, Carmona demonstra gratidão eterna às oportunidades que teve e às pessoas que, direta ou indiretamente cooperaram para o sucesso da sua vida e de sua carreira.   
“O judô me deu os amigos, as medalhas, mas principalmente o estilo de vida. O ensinamento todo dessa força de vontade, resiliência, investir naquilo que se quer, ser leal às pessoas, você aprende naturalmente no dia a dia do esporte. A cada dia a gente é talhado, tem o caráter moldado, os princípios, a forma de conquistar os resultados, tudo na prática”, destaca. “Tudo o que eu conheci foi através do esporte. Fui adquirindo uma autoconfiança bacana até ver como vale a pena acordar cedo e dormir tarde. Nada cai do céu”.  

Generoso, ele fez investimento na construção de um templo religioso em São Roque, no interior paulista, onde há uma casa de acolhimento também beneficiada pelas doações da família Carmona.  

“Esse templo vai transmitir para as próximas gerações a fé que eu tenho e vai ajudar a evangelizar as pessoas. Espero que esse templo permaneça em pé por, pelo menos, uns mil anos. Aí se encerra o meu projeto de vida. Como dizia Frank Sinatra: 'Na hora que fecharem as cortinas, essa é a pequena história que eu quero deixar para os meus filhos e os meus netos'."" 
Walter Carmona

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Medalhas em jogos olímpicos

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Walter Carmona Biografia para o Hall da Fama

Walter Carmona foi o primeiro brasileiro a nato a conquistar medalha em Mundiais de judô, ganhou o bronze nos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984 e foi porta-bandeira na Cerimônia de Abertura em Seul 1988. E um dos grandes nomes do judô nacional.
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