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Wlamir Marques

Wlamir Marques

modalidade

Basquete

data e local de nascimento

16/07/1937

São Vicente

BIOGRAFIA


O que pode fazer bater mais forte o coração de um dos maiores nomes do esporte olímpico brasileiro, meio século depois da sua última grande conquista? Reconhecimento é a resposta.

“Eu me senti muito honrado ao entrar para o Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil”, vibra Wlamir Marques, em entrevista especial ao Hall da Fama do COB, um senhor de cabelos brancos, voz firme e raciocínio rápido. “É um motivo de muita alegria porque o COB é a entidade máxima do esporte no Brasil”, exalta ele, lembrando que representou o Comitê por quatro edições olímpicas, inclusive com a conquista de duas medalhas de bronze. 

O fato de ser o primeiro homenageado representante do basquete masculino também é fonte de alegria.

“Paula e Hortência já fazem parte do Hall da Fama, e eu estou inaugurando o ‘Clube do Bolinha’. É uma honra muito grande, são homenagens imortais que a gente carrega”, diz.

“Wlamir Marques é um herói nacional que merecia um reconhecimento maior do que tem hoje. Ele é um dos nossos maiores ídolos. Por meio destas homenagens podemos mostrar o valor em vida deste ídolo do basquete brasileiro”, afirma a campeã mundial e vice-campeã olímpica Magic Paula.   

Eternizado no ginásio do Corinthians

Engana-se quem pensa que o último grande marco do Wlamir dentro de uma quadra de basquete tenha sido a conquista da medalha de prata do Campeonato Mundial, em Liubliana, na antiga Iugoslávia, em 24 de maio de 1970. A emoção maior aflorou em 22 de outubro de 2016, quando o ginásio do Sport Club Corinthians Paulista, palco de tantos lances geniais e vitórias do bicampeão mundial de basquete, foi batizado com o seu nome. 

“Foi a maior homenagem que eu recebi até hoje, em toda a minha vida. Muito mais do que todas as medalhas, muito mais do que o governo brasileiro me ofereceu. Tenho a Medalha do Mérito Esportivo e recebi várias honrarias pelo fato de ter sido bicampeão do mundo, mas ter o meu nome no ginásio do Corinthians é a maior da minha vida. Foram dez anos que eu joguei ali. Sempre defendi o Corinthians com muita disposição, com muita garra”, orgulha-se Wlamir aos 83 anos. 

“Ele foi um jogador excepcional de uma seleção bicampeã mundial. Vocês imaginam o Brasil sendo bicampeão mundial? Eu estava começando a minha carreira de basquete e gostava muito daquela seleção. Wlamir Marques hoje dá nome ao ginásio do Corinthians, isso é uma honraria tremenda! É um dos grandes jogadores que eu vi jogar”, analisa Oscar Schmidt.
Wlamir foi o responsável por levar o “Mão Santa” para o juvenil do Palmeiras, em São Paulo, no início da carreira.

Coração alvinegro

Em sua carreira, uma tradição. Wlamir sempre repete seus feitos duas vezes e não seria diferente em relação a dar nome em ginásio. Ele foi homenageado por dois dos quatro clubes que defendeu durante os mais de 20 anos em que dedicou ao basquete. O ginásio do Clube de Regatas Tumiaru, em São Vicente (SP), onde começou sua carreira esportiva, foi o primeiro a receber o seu nome.

“A homenagem do Tumiaru foi antes. O ginásio não tem a mesma dimensão do Parque São Jorge, mas o meu nome está lá, marcado. É uma honra muito grande, porque foi ali que nasci”, pontua. 

Coincidentemente, Wlamir só jogou por times alvinegros. 

“Não foi por escolha, foi por acidente. O Tumiaru é alvinegro. Fui depois para o XV de Piracicaba, também alvinegro. Vim para o alvinegro Corinthians, em 1962. E terminei no Tênis Clube de Campinas, em 1973, outro clube alvinegro. Só vim perceber isso depois, nunca tinha notado que eu só tinha jogado em equipes alvinegras. Meu coração é alvinegro”, diverte-se. 

Pulando o muro para conquistar o mundo

O pai de Wlamir, o dentista Oswaldo Marques, era presidente do Esporte Clube Beira-Mar, em São Vicente, e torcedor roxo do Santos. A mãe, dona Hermelinda, era do lar e nunca teve ligação com o esporte. Já o irmão mais velho, Waldir, chegou a praticar algumas modalidades e tornou-se professor de Educação Física.  Mesmo assim, o filho caçula, que nasceu dentro de um clube, desde cedo se dedicou à atividade física e se apaixonou pelo basquete ao virar vizinho do Tumiaru.

 “Minha casa era ao lado do ginásio. Naquela época não era ginásio, era uma quadra aberta. Eu pulava o muro e já caia na quadra”, recorda. 

O basquete, porém, não foi a primeira opção. A carreira esportiva de Wlamir começou no Tumiaru com a natação. “Naquela época era tudo rudimentar. São Vicente não tinha piscina, a gente treinava no mar. Consegui algumas medalhas, sou campeão paulista de natação. Também joguei vôlei pelo Tumiaru e pela escola, mas eu não gostava”, conta o atleta, que ainda praticava atletismo por conta própria e jogava futebol pelo Esporte Clube Beira-Mar. 

Toda essa movimentação em cinco modalidades acabou ocasionando um problema cardíaco. O coração estava dilatado devido ao excesso de atividade física. A partir do diagnóstico, aos 14 anos Wlamir Marques decidiu que se dedicaria exclusivamente ao basquete. 

No ar, o caminho mais rápido para a cesta

Garoto, cheio de curiosidade e apaixonado por basquete, Wlamir acompanhou admirado a exibição dos jogadores norte-americanos da Universidade Yale, que vieram ao Brasil em excursão e jogaram em Santos, em 1951.

“Eu vi os americanos fazendo esse tipo de arremesso, chamado jump-shot (arremesso com pulo). Eles subiam e arremessavam, uma coisa inédita, nunca tinha visto ninguém fazer nada igual. Se alguém fazia isso no Brasil, não era conhecido”, relata.

No dia seguinte, ele conta que chegou ao Ginásio do Tumiaru, pediu uma bola para o “seu” Bahia e começou a treinar o jump.

“Imitar, né? Nunca tive técnico para essas coisas, eu jogava por imitação. Comecei a subir e arremessar. Eu saltava muito. Era um arremesso muito difícil de ser marcado pelos adversários na época. Eu treinava muito esse tipo de bola. Não inventei, mas fui o primeiro jogador brasileiro a executar o jump, era o meu arremesso característico. E hoje o que é o basquete? É uma sucessão de jumps. Hoje ganha mais quem meter mais bola de jump”, constata. 

A convocação do eterno titular

O atleta de São Vicente já jogava no XV de Piracicaba, onde vivia longe da família, quando foi convocado para a seleção brasileira pela primeira vez, em dezembro 1953.

“O Rio de Janeiro era a meca e a base do basquete do Brasil, pois fazia uns 15 anos que São Paulo não ganhava um Campeonato Brasileiro”, explica Vlamir.

Em contrapartida, a equipe Paulista Juvenil sagrou-se bicampeã brasileira, em 1953. “Despertamos muito a atenção de todos, pois já havíamos adotado nova maneira de jogar, com o jump-shot e a velocidade”, conta. 

Diante disso, o técnico da seleção José Simões Henriques formou um time mesclando jogadores experientes e novatos. Os paulistas Wlamir e Amaury faziam parte da ala dos novatos, os mais jovens do time.

“Essa convocação não foi uma coisa que me emocionou muito, não. Seria para mim uma continuidade. Eu era garoto, queria jogar e não estava muito preocupado com o que ia acontecer”, revela. 

A primeira partida oficial de Wlamir pela seleção brasileira foi contra o time da Universidad Católica, do Chile, pelo Torneio Internacional Feria de Las Americas, em 17 de fevereiro de 1954, em Mendonza, Argentina. O Brasil venceu por 53 a 51. Com 1,85m, ele era considerado alto e jogava como pivô, mas na seleção passou a atuar de ala. Com boa atuação enquanto esteve em quadra, marcou quatro pontos na estreia e garantiu seu lugar entre os titulares.

“O começo foi fantástico, um espetáculo! No segundo jogo, a pedido dos jogadores, eu já comecei como titular. A partir dali, nunca mais fui jogador preterido, nunca fui reserva. Mesmo com o Kanela [Togo Renan Soares] e com os outros técnicos”, conta, citando o nome do técnico com quem teve alguns desentendimentos na seleção.  

Medalha inédita no Mundial

O Mundial de 1954, realizado no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, foi a primeira grande competição internacional de Wlamir. Até então, os atletas do Flamengo formavam a base da seleção brasileira. Nessa competição, o técnico Togo Renan Soares, o Kanela, que também dirigia a equipe carioca, apostou nos jogadores mais jovens, que imprimiram um novo ritmo, com jogadas rápidas, muitos contra-ataques e enterradas. Os longos períodos de treinamento eram também marcas registradas do técnico.

 “Nós começamos a treinar no dia do meu aniversário, 16 de julho, para um campeonato que ia acontecer em novembro. Ficamos ali, treinando sem parar. O Kanela não era um técnico conhecido por desenvolvimento de basquete. Ele era muito rigoroso, era um sargentão que apostava na repetição e essa foi a chave do sucesso. Tudo era repetido, a gente repetia muito as coisas. O contra-ataque acabava sendo uma coisa espontânea, natural, e muito forte”, analisa Wlamir, que enterrava bola até com as duas mãos e se destacava pela velocidade.

Vencendo todos os seus adversários com certa facilidade, o Brasil se classificou para a final contra os Estados Unidos, quando o time foi barrado pela altura dos adversários e perdeu por 62 e 41, ficando com a inédita medalha de prata.

“Eles já contavam com jogadores com 2,10m, quando o nosso pivô, o Amaury, tinha 1,89m”, ressalta Wlamir, um dos cestinhas da competição, com 95 pontos, e eleito para a seleção do Mundial, ao lado do veterano Algodão. 



Mudança de nome

Além da medalha de prata, o jogador, que é o “pai do jump” no Brasil, voltou para casa com dois novos apelidos. 

“Eu saltava muito, então dois jornais do Rio me deram o nome de Disco Voador. Outro jornal me deu o nome de Diabo Loiro, porque eu corria muito. Era garoto, 17 anos, e isso acabou tendo repercussão. Quando eu ia jogar com o XV de Piracicaba, em qualquer lugar, a manchete era: 'O Diabo Loiro vem aí', diverte-se. 

Estreia olímpica

Wlamir Marques fez sua estreia em em Jogos Olímpicos Melbourne 1956. O basquete brasileiro terminou na sexta colocação e o Diabo Loiro não tem grandes recordações da competição.

“Era muito garoto, tinha 19 anos. Eu me lembro muito mais da dificuldade da viagem do que propriamente da competição. A viagem foi terrível, longa demais”, queixa-se. 

As lembranças mais fortes são da amizade com o tricampeão mundial de boxe Eder Jofre e das muitas vezes em que teve o privilégio de ver os treinos do tcheco Emil Zatopek, campeão olímpico nos 5.000m, 10.000m e da maratona, em Helsinque1952, nas ruas da Vila Olímpica.  

Fuga da concentração por um bom motivo

A preparação para o Campeonato Mundial de 1959, no Chile, foi marcada por um ato de rebeldia de Wlamir. Em dezembro de 1958, a seleção brasileira estava treinando em Volta Redonda (Rio de Janeiro) e, a poucos dias do Natal, o Diabo Loiro pediu ao técnico para ser dispensado para acompanhar o nascimento do seu primeiro filho, em Piracicaba. O técnico Kanela negou e Wlamir não teve dúvidas: pulou a janela do hotel, tomou um ônibus para São Paulo, outro para Piracicaba e estava ao lado da esposa, no dia 21, pela manhã. Na madrugada do dia 22, Wlamir Marques Júnior nasceu. Rigoroso, Kanela cortou Wlamir da seleção que disputaria o Mundial de 1959, mas se arrependeu rapidamente. Não poderia abrir mão de um craque como Vlamir. 

“Era um treinamento muito longo: de agosto a dezembro. Fiquei em casa nos dias 22 e 23. No dia 24, véspera do Natal, já tinha saído a notícia do meu corte, quando o Braz – João Francisco Braz, auxiliar técnico - me ligou novamente e me avisou que o Kanela tinha voltado atrás”.


É campeão!


Wlamir se reapresentou no dia 26 e dezembro, na Escola da Marinha, na Ilha das Enxadas, localizada na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, onde a equipe treinou por mais 20 dias, antes de embarcar para o Mundial do Chile. As partidas classificatórias aconteceram na cidade de Temuco. Depois de vencer o Canadá por 69 a 52, na estreia, a equipe brasileira foi derrotada pelo time da antiga União Soviética por duas vezes - 73 a 64, no primeiro jogo, e 66 a 63, no segundo. Os brasileiros superam os Estados Unidos por 81 a 67 e foram para Santiago fazer a última partida do octogonal final contra o Chile, obtendo uma vitória tranquila por 73 a 49.

 “A disputa foi no Estádio Nacional do Chile, numa quadra aberta montada no campo”, detalha Wlamir. 

O Diabo Loiro esclarece que o Brasil teria sido novamente vice-campeão se a União Soviética não tivesse se recusado a disputar a partida contra a China Nacionalista (Taiwan), país não reconhecido pela maior potência comunista da época, durante a Guerra Fria.

“Eles não perderam para ninguém, mas foram eliminados pelo fato de não terem jogado com a China Nacionalista. Quem estava à frente era o Brasil. Ganhamos do Chile com tranquilidade e voltamos com esse título de campeão do mundo”, vibra.

Antes da medalha, uma filha

Wlamir Marques tinha 23 anos, uma medalha de bronze nos Jogos Pan-americanos e o título de campeão mundial quando disputou os Jogos Olímpicos pela segunda vez. 

“Uma edição de Jogos Olímpicos é muito diferente de um Mundial, em todos os aspectos, até a preparação é diferente. É uma competição poliesportiva com um incremento da mídia muito grande”, compara. 

Exatamente como no Mundial de 1959, quando fugiu para ver o nascimento do filho, o Wlamir tem uma história familiar marcada na memória. Equipes brasileiras de várias modalidades disputaram os Jogos Luso-brasileiros, em Lisboa (Portugal), como preparação, antes de embarcar para Roma (Itália). No dia de folga, 11 de agosto, a seleção de basquete foi à cidade de Fátima, fazer turismo. Na volta, Wlamir foi surpreendido pelo radialista Geraldo José de Almeida, que trazia uma gravação de sua esposa, Cecília, comunicando o nascimento de Susy, sua filha caçula.

“O Geraldo era radialista da Jovem Pan, um homem maravilhoso, cheio de bondade, um grande amigo. Ele ia para Roma trabalhar na cobertura dos Jogos e deu uma passada em Lisboa para me levar a mensagem, gravada numa fita K-7, que eu ouvi dentro do carro em que ele estava. Foi uma coisa marcante para mim! Só vim conhecer minha filha 40 dias depois. É um sacrifício que a gente fazia”, emociona-se.

Conforto não foi prioridade para o time olímpico de basquete em 1960.

“O Kanela era muito rigoroso, desconfiado, e não aceitou que nós ficássemos nos quartos oferecidos pela organização num quartel da Polícia Militar, no centro de Lisboa, durante os Jogos Luso-brasileiros. Ele vinha do futebol e deve ter pensado que era melhor não deixar esses o pessoal dormindo em dupla. Nesse quartel tinha um ginásio, onde nós treinávamos, e tivemos de dormir lá. A minha cama ficava debaixo da cesta, dormia todo mundo junto. No dia seguinte, afastávamos as camas e treinávamos. Para descansar, trazíamos de volta as camas para dentro da quadra”, lembra. 

Estreia no pódio olímpico

Nos Jogos Olímpicos de Roma, o Brasil começou vencendo todos os seus adversários, inclusive a União Soviética (58 a 54, na fase classificatória), mas esbarrou nos soviéticos na semifinal (64 a 62) e perdeu também para os Estados Unidos (90 a 63). A vitória para a Itália, na casa do adversário, por 78 a 75, na prorrogação, garantiu a medalha de bronze. 

“Brasil e Itália disputaram uma partida que marcou a história dos Jogos Olímpicos. Empate no primeiro tempo (39 a 39), empate no final (70 a 70), mas que terminou com a vitória brasileira na prorrogação por 78 a 75. O Diabo Loiro foi o maior pontuador brasileiro no torneio”, informa Auri Malveira, autor do livro “Wlamir Marques, o Diabo Loro”.
“Nós perdemos a medalha de prata porque a de ouro a gente não ganharia”, afirma Wlamir.

Segundo Malveira, em Roma, a seleção brasileira poderia ter ganho a medalha de prata, não fosse a amarga derrota por 64 a 62 para a União Soviética, ocasionada por uma discutível falta que o juiz apitou contra o Brasil, até hoje lembrada por Wlamir. 

“Naquela época, os Estados Unidos dominavam. A seleção olímpica norte-americana de 1960 foi o primeiro Dream Team que eles mandaram para os Jogos Olímpicos, com Oscar Robertson e companhia, que se tornaram depois grandes profissionais da NBA”, observa Wlamir. “Foi a Olimpíada mais bonita de todas que eu participei. Não é a mais simbólica, mas a mais bonita. Foi a primeira vez que estive em Roma e fiquei deslumbrado com a cidade. Fora a medalha olímpica...”, emenda.  

Salve o Corinthians!

Nos nove anos em que viveu em Piracicaba, Wlamir casou-se, teve dois filhos e trabalhou nos Correios. Em 1952, o XV de Piracicaba passou a ter dificuldades para bancar a ajuda de custo do atleta. O Disco Voador recebeu uma proposta irrecusável, “voou” para São Paulo e passou a defender o Timão. A negociação entre os clubes envolveu, inclusive, um jogador de futebol. Dono da camisa número 5, o Diabo Loiro marcou a época de ouro do basquete corintiano.

“Wlamir foi um dos meus primeiros técnicos de basquete. Ele jogava no Corinthians e treinava o time de Jundiaí adulto. Nesse time de Jundiaí, havia alguns jogadores que eram do Corinthians. Eles me viram bater bola lá e me levaram para jogar no Corinthians, onde tive a oportunidade de ser treinado pelo Wlamir. Dava para ver que ele era um jogador fora de série”, declara Marcel Souza, um dos grandes nomes da seleção brasileira nas décadas de 1980 e 1990. 

“Quando eu era estudante de Educação Física, meu professor de basquete era o Moacyr Daiuto, técnico do Corinthians. Eu me ofereci para fazer talvez um dos primeiros trabalhos de estatística que a gente tem conhecimento no basquete brasileiro. Ia a todos os treinos do Corinthians e acompanhei duas temporadas. Eu o vi jogar e uma das coisas mais marcantes é que, quando o Wlamir ia arremessar lance livre, a gente já poderia computar dois pontos. Ele raramente errava. Uma outra característica dele era o estilo de arremesso: não quebrava o punho para arremessar. Os professores ensinam que tem que fazer um passe trabalhando os pulsos para fora. O Wlamir não fazia isso. Não quebrava o punho! E a eficiência dele era notória, fantástica. Tinha muita velocidade, era um jogador muito versátil. Foi cestinha em vários torneios: Mundial do Chile, Jogos Olímpicos, vários Sul-americanos. Era um jogador muito ofensivo”, analisa o técnico José Medalha, que dirigiu a seleção brasileira nos Jogos Olímpicos Barcelona 1992 e tem computados todos os resultados dos 174 jogos do Diabo Loiro pelo Brasil. 

Tropeço no Pan de São Paulo

A geração mais vitoriosa do basquete brasileiro entrou, definitivamente, para a história ao tornar-se bicampeã no mundial do Rio de Janeiro.

“Pouco antes de começar o Mundial, tínhamos perdido para os Estados Unidos na final dos Jogos Pan-americanos em São Paulo”, mas no Rio fomos campeões invictos, jogamos de fio a pavio, sem perder para ninguém.

A seleção brasileira começou a treinar para o Mundial em agosto de 62. A princípio, o Mundial seria realizado nas Filipinas, em 1962, mas foi transferido para o Brasil, em maio de 1963. Com meses de treinamento, o Brasil disputou o Campeonato Sul-americano, no Peru, e foi campeão. Em abril, chegou à final nos Jogos Pan-americanos, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, mas perdeu para os Estados Unidos, por 78 a 66, e ficou com a medalha de prata.

“Nem sempre você joga bem, nem sempre joga mal. Às vezes joga mal e ganha, às vezes joga bem e perde. Esse dia, no Ibirapuera, nós jogamos muito mal”, reconhece o bicampeão mundial.

Adversários soltos em Copacabana

Sem querer tirar o brilho da conquista, Wlamir conta uma história de bastidor do Mundial do Rio, em 1963.

“Colocaram o time norte-americano num hotel à beira da praia, em Copacabana. Cada vez que disputavam um jogo, eles apareciam mais queimadinhos, mais vermelhinhos. Eu tenho a impressão de que eles não levaram muito a sério o fato de estarem disputando um Mundial. No primeiro jogo, mesmo sendo uma equipe espetacular, eles perderam para a Iugoslávia. Nosso time foi outro, totalmente diferente do Pan. Eles devem ter se surpreendido com a Praia de Copacabana e com tudo aquilo que há ao redor. Muito assédio em cima atrapalhou a concentração dos americanos, ficaram mais dispersivos. Enquanto isso, nós estávamos hospedados no hotel das Paineiras, no Morro do Corcovado, saindo apenas para jogar e treinar. Nosso time vinha de cinco meses de preparação para aquele Mundial. Não houve estratégia nenhuma de colocar os americanos à beira da praia. Eles subestimaram, talvez”, opina. 

Bicampeão em casa

Na final, num Maracanãzinho completamente lotado, o Brasil venceu os norte-americanos por 85 a 81, com 26 pontos do cestinha Wlamir Marques. A competição aconteceu um ano depois de a seleção brasileira de futebol conquistar o bicampeonato na Copa do Mundo do Chile e os torcedores gritavam:

“É com o pé, é com a mão, o Brasil é bicampeão!. Nós merecemos, demos um banho neles”, festeja Wlamir. “O bicampeonato Mundial foi a conquista que me deu mais alegria! Até porque eu era o capitão do time. Quando o jogo terminou, houve uma invasão de quadra. Eu fiquei só de sunga. Para receber a premiação, tive que ir ao vestiário antes para colocar uma outra roupa”.

Mais um bronze

Nos Jogos Olímpicos Tóquio 1964, o Brasil garantiu mais uma medalha de bronze, ficando atrás da União Soviética (vice) e dos Estados Unidos (campeão).

“Nós poderíamos ter ganhado a de prata, mas perdemos para um cara de 2,18m, o Janis Krumins, que a gente não tinha como marcar.  No final do jogo, ele foi marcado pelo Jatyr, de 1,87m. Por mais que a gente montasse em cima dele, ele era um linha dura, muito forte, ocupava muito espaço. Ele não era um grande jogador, mas era grande. E nós acabamos perdendo no finalzinho para eles. Se nós ganhássemos da União Soviética, íamos jogar a final contra os Estados Unidos, como perdemos (53 a 47), disputamos o bronze com Porto Rico e ganhamos até com uma certa facilidade (76 a 60)”, detalha Wlamir.

Aprendendo com o Major Padilha   

Como não poderia deixar de ser, o Disco Voador também trouxe de Roma uma memória especial para recordar pela vida inteira.

 “Uma das grandes emoções que eu passei na minha vida foi, em 1964, em Tóquio”, diz. Wlamir foi notificado pelo Major Sylvio de Magalhães Padilha, então presidente do COB, de que havia sido escolhido para ser o porta-bandeira brasileiro na Cerimônia de Abertura dos Jogos. 

“Aquilo me arrepiou. Eu já tinha sido porta-bandeira do Tiro de Guerra, em Piracicaba. Eu ia na frente por ser o mais alto, carregando a bandeira brasileira”, diz. 

Impressionado com a organização e a pontualidade dos japoneses durante o ensaio geral para a cerimônia, o bicampeão mundial notou que os porta-bandeiras das demais delegações inclinavam o pavilhão nacional ao passar em frente às autoridades. “Olhando aquilo, eu falei: 'Padilha, me fala uma coisa, quando passar ali, vou ter que baixar a bandeira também?' Ele respondeu: 'Não, a bandeira brasileira não se curva para ninguém!' Quando chegamos ao alojamento, eu falei para os jogadores que o Padilha tinha me emocionado e contei a história. Todo mundo ficou emocionado também. Tenho a impressão de que nós ganhamos a medalha de bronze por essa frase, foi por essa mensagem que o Padilha deu para nós”, afirma.

O bronze do basquete masculino foi a única conquista do Brasil nos Jogos de Tóquio. O outro destaque foi o inédito quarto lugar de Aída dos Santos, no atletismo.

O jogo da minha vida

Em 1965, o Real Madri, bicampeão europeu, fez uma excursão pela América do Sul e jogou no Brasil, a convite de Wadih Helu, presidente do Corinthians. O jogo aconteceu em 5 de julho, no ginásio que hoje leva o nome de Wlamir Marques.

“Nesse dia eu estava gripado. Fui trabalhar nos Correios de manhã e, à tarde, antes de ir para casa, passei numa farmácia e tomei uma injeção. Infeliz injeção! Ela me deu uma reação alérgica e os meus dois olhos fecharam. Umas quatro horas da tarde, eu estava com os dois olhos fechados. Minha esposa ligou para o Corinthians contando o problema e eles mandaram o Dr. Haroldo, que era o médico de futebol, para ver o que estava acontecendo comigo. Ele me deu uma injeção anti-alérgica. O jogo era às oito horas da noite. Aos poucos, fui melhorando”, detalha.

No Parque São Jorge, correu a notícia de que o Diabo Loiro não jogaria, mas ele foi, mesmo com um dos olhos ainda meio fechados.  O Corinthians venceu por 118 a 109, numa partida histórica. 

“Não houve nenhum jogo em que eu tenha superado essa atuação, em toda a minha vida. Eu fiz 31 pontos no primeiro tempo e 20 no segundo. Fiz 51. Essa partida teve repercussão mundial, foi muito comentada na Espanha. Talvez tenham dado o meu nome ao Ginásio do Corinthians muito mais por causa desse jogo do que pelos dez anos que eu joguei lá. Essa partida foi inesquecível! Até hoje eu vou lá e falam sobre isso”, divide.      

Vice outra vez

Antes de encerrar sua carreira na seleção brasileira, Wlamir Marques conquistou mais uma medalha de prata, no Campeonato Mundial de 1970, na Iugoslávia. Afastado do grupo em consequência de um desentendimento com o técnico Kanela, ele foi reintegrado à equipe uma semana antes do embarque, atendendo a um pedido de Wadih Helu, presidente do Corinthians, que era o chefe da deleção.

“Vice-campeão no Brasil é o primeiro dos últimos. E quantos países queriam ser vice-campeões do mundo?”, questiona ele.

Graças a esse título, Wlamir é um dos medalhistas mais vitoriosos do Mundial FIBA, com dois ouros e duas pratas, ao lado do croata Kresimir Cosic. 

O Diabo Loiro também coleciona títulos fora da quadra: Cidadão Emérito de São Vicente, Cruz do Mérito Esportivo, Troféu Heims de Melhor Atleta da América do Sul (1961) e Medalha do Mérito Esportivo. Ele ainda foi indicado como o nono maior atleta brasileiro de todos os tempos, na lista de 50 nomes, da Revista ESPN, em 2010.  

Processado por abandono

Durante toda a sua carreira, o bicampeão mundial de basquete dividiu seu tempo entre as quadras, a família e o trabalho. O estudo ficou para depois do fim da carreira, quando se formou em Educação Física, pela FEFISA (Faculdade de Educação Física de Santo André), onde atuou como professor durante anos. Entre o magistério e a atuação como técnico, ele diz ter tido maior prazer à frente das salas de aula do que dos times. Wlamir também foi comentarista de basquete em emissoras de TV como a Globo e a ESPN.

“Nós não éramos profissionais, mas não éramos também totalmente amadores. Eu era um jogador de ponta, um jogador de seleção brasileira e recebia uma compensação financeira, uma ajuda de custo, que representava cerca de 20 a 30% das minhas obrigações financeiras com a minha família. Era um recurso que você ganhava para defender o time, não tinha contrato, não tinha nada disso”, esclarece. 
Wlamir trabalhava nos Correios, onde teve vários problemas por ter “abandonado” o posto para defender o Brasil. 

“Eu era funcionário público federal e precisava de autorização do governo para me ausentar do país. Eu não podia me ausentar sem ter a licença, mas eu era ousado. Eu ia mesmo sem licença. Quando voltava, não podia trabalhar porque eu enfrentava um processo de abandono. Aí tinha que falar com o Papa Paulo VI, tinha que falar com Winston Churchill, falar com todo mundo para me autorizarem a voltar a trabalhar. Depois dos Jogos Olímpicos Cidade do México1968, eu decidi sair porque não aguentava mais”, indigna-se. 

Referência para as novas gerações


Infelizmente, as novas gerações foram privadas de assistir Wlamir Marques em ação. 

“Naquele tempo não havia transmissão na TV. Eu gostaria muito de ter me visto jogar. Tenho um lance ou outro e um jogo inteiro. Eu assisti o nosso jogo contra os Estados Unidos, dos Jogos de Roma, em 1960. A FIBA tem esse jogo e eu já assisti. É o único jogo que eu me vi jogando”, lamenta. 

“A última vez que o Wlamir entrou em quadra, foi num encontro de veteranos, em Jacareí. O Trianon Clube jogou contra o Sírio, em 1982. O Wlamir jogou pelo Trianon e arrebentou, fez 33 pontos, se não me falha a memória. Foi a última vez que ele jogou basquete”, conta, orgulhoso, o jornalista Juarez Araújo, especialista em basquete. 

O ex-jogador Marcel também teve a oportunidade de ver o Diabo Loiro em ação, já no final da carreira, e lista as caraterísticas que faziam dele um cestinha excepcional. 

“Primeiro, ele era fisicamente superdotado. Em segundo lugar, tem a inteligência dele, dentro e fora do jogo. Dá para ver até hoje nos artigos que ele faz, como ele escreve, como ele é articulado. Ele tinha uma liderança muito grande dentro dos times em que jogou, e treinava que nem maluco, né? Ele conta histórias dele, da sua formação, lá em São Vicente. É de arrepiar as coisas que ele fazia na tenra idade. Tudo isso vai somando, mais a oportunidade de competir numa equipe como aquela que ele jogava, principalmente na seleção brasileira, tem como resultado esse fenômeno que é o Wlamir”, enumera.  

No Brasil, especialistas dizem que a Rainha Hortência apresentava jogadas parecidas com as do bicampeão. 

“Sempre me falaram muito que eu tinha uma semelhança com o Wlamir. Infelizmente, eu não o vi jogar, ele me viu jogando, então, ele pode dizer com muito mais precisão do que eu. Para mim, é uma honra muito grande o meu jogo ser comparado com o dele, porque eu sei a importância dele no basquete brasileiro. Bicampeão mundial, duas vezes vice-campeão mundial, duas medalhas olímpicas de bronze, o cara foi fera demais, a geração dele foi fera demais. E ele se destacar entre essas feras foi sensacional”, exalta a campeã mundial de 1994 e vice-campeã olímpica de Atlanta 1996 e homenageada pelo Hall da Fama do COB ao lado de Paula. 

“Ela tem um tipo de arremesso que eu fazia na época, protegendo meu joelho operado. Eu não tinha segurança na perna direita quando voltei a jogar e criei alguns hábitos em função desse problema no menisco que viraram característica. Esse arremesso que eu fazia, ela fazia também. Ela era uma jogadora cestinha, arremessava muito, metia muita bola, e essa era a minha característica. Nas devidas proporções, o nosso estilo é parecido”, compara Wlamir. 

Hortência destaca que a geração de Wlamir Marques foi muito respeitada e marcantes pelos títulos que conquistou.

“Ninguém conseguiu bater o que eles fizeram, ninguém conseguiu ser bicampeão mundial, nenhuma geração depois da dele conseguiu isso. Eles são a geração a ser batida. O grande legado de Wlamir Marques é o respeito que o basquete brasileiro conquistou por causa da geração dele”, finaliza Hortência.
Que as gerações futuras possam reconhecer essa verdade.


Wlamir Marques

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Medalhas em jogos olímpicos

Vídeo

Wlamir Marques é homenageado no Hall da Fama do COB em 2021

Wlamir Marques foi um dos líderes da geração mais vitoriosa do basquete masculino do Brasil. O ala, também conhecido por “Diabo Loiro”, representou a seleção por duas décadas e tem no currículo duas medalhas de bronze olímpicas, uma nos Jogos de Roma 1960 e outra em Tóquio 1964.
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Wlamir Marques fala sobre o bicampeonato Mundial de basquete

A Seleção Brasileira começou a treinar para o Mundial em agosto de 62. A princípio, o Mundial seria realizado nas Filipinas, em 1962, mas foi transferido para o Brasil, em maio de 1963. Conhecido por ‘Diabo Loiro’, Wlamir Marques foi um dos líderes da geração mais vitoriosa do basquete masculino do Brasil. O ala representou a seleção por duas décadas e tem no currículo duas medalhas olímpicas e duas mundiais. 
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Circuito Mundial de Basquete
1º LugarOuro
Campeonato Mundial de Basquete
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Campeonato Mundial de Basquete
2º LugarPrata
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