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O grande desafio de participar dos Jogos Antuérpia 1920

Navio em condições mínimas para atravessar o Atlântico, previsão de chegada após início da competição e furto de equipamentos foram alguns dos obstáculos superados pelos brasileiros

Por Comitê Olímpico do Brasil

3 de ago, 2020 às 07:27 | 4 min de leitura

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A rica história olímpica do Brasil começou em Antuérpia 1920 com as conquistas de três medalhas pelos atiradores brasileiros: ouro de Guilherme Paraense, prata de Afrânio Costa e bronze por equipe. Contudo, além de se depararem com adversários em melhores condições de preparação, os brasileiros ainda enfrentaram inúmeros obstáculos para chegar ao pódio.

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O primeiro desafio dos 21 brasileiros que compuseram a delegação brasileira na primeira edição dos Jogos após a Primeira Guerra Mundial foi angariar recursos que bancassem a travessia do Atlântico.

Naquela época, apesar de o Comitê Olímpico do Brasil (COB) já ter sido fundado, em 8 de junho de 1914, a entidade que regia os esportes no país era a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que decidiu não custear as despesas dos atletas. Em parte, porque a prática esportiva ainda não era valorizada no Brasil naquela época.

“O sistema esportivo ainda não estava estabelecido, e o próprio Afrânio relata em suas memórias que a imprensa noticiou a viagem dos atletas como uma perda de tempo. Há relatos de que os embaixadores em Portugal e na Bélgica não haviam sido informados sobre a existência da delegação brasileira e, por isso, tiveram dificuldades em ajudar os atletas”, diz Carolina Araujo, gerente de Cultura e Valores Olímpicos do COB. “Estar em Antuérpia 1920 foi um teste para o espírito olímpico dos integrantes do Time Brasil e uma grande prova de superação”, completa.

Os 21 atletas de natação, polo aquático, remo, saltos ornamentais e tiro esportivo partiram para a Europa no dia 1º de julho, a bordo do navio Curvello, uma embarcação sem grande estrutura, cedida pelo Governo Federal. Como as cabines eram muito pequenas, os atletas brasileiros pediram autorização para dormirem no restaurante, o que foi aceito pelo comandante Reis Júnior sob as seguintes condições: só poderiam se deitar lá quando o último cliente saísse do local e teriam que se levantar antes do café da manhã. E assim foi por quase um mês.

Mas o pior ainda estava por vir. Ao chegarem na parada na Ilha de Madeira, território português, os atiradores souberam que a competição de tiro começaria em 22 de julho. A chegada à Bélgica, porém, estava prevista para 5 de agosto. Para conseguirem chegar a tempo, os atiradores Afrânio Costa, Dario Barbosa, Fernando Soledade, Sebastião Wolf, Demerval Peixoto e Mário Maurity desembarcaram em Lisboa e seguiram de trem até Antuérpia, com uma providencial ajuda da Embaixada do Brasil em Portugal. Mas era um trem de carga, com vagões abertos, o que deixou os atletas expostos às condições do tempo. Ao chegarem à cidade-sede, descobriram ainda que as provas de tiro seriam realizadas em Beverloo, a 18km de Antuérpia.

“Foi com esse estado de corpo e espírito que os nossos atiradores, sem dormir e mal alimentados, debilitados ainda mais pelo frio, chegaram a Beverloo, em 26 de julho, ao meio-dia”, escreveu Afrânio em seu relatório oficial.

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Para a sorte dos brasileiros, o início das provas foi adiado e eles puderam competir. Mas não foi “só” isso. Os atletas brasileiros ainda foram roubados na chegada à Bélgica, perdendo munições, alvos e grande parte das armas. E aí a história do esporte olímpico brasileiro registra uma das passagens mais interessantes do que é o Olimpismo. Sem tempo e recursos para conseguirem novos equipamentos, a atuação de Afrânio Costa, chefe da equipe de tiro, foi fundamental. No dia em que chegaram a Berverloo, ele se aproximou dos americanos que jogavam uma partida de xadrez e deu uma dica, que os campeões Lane e Bracken gostaram. Pela amizade, a delegação do Estados Unidos cedeu duas mil balas e 50 alvos naquela mesma noite. Mas não parou por aí.

“A inferioridade da única arma livre que possuíamos, em relação as aperfeiçoadíssimas dos nossos concorrentes, não nos permitia ter a menor esperança. Destaquei Soledade para atirar em 1º lugar: o seu resultado ruim atestou imediatamente a inferioridade da arma… Nesta ocasião o coronel Snyders, do exército americano e capitão da equipe de pistola livre disse-me: ‘Sr. Costa, esta arma não vale nada, vou arranjar duas para os senhores, feitas especialmente para nós pela fábrica Colt…’, escreveu Afrânio em seu relatório oficial.

E assim o ato de cavalheirismo, o verdadeiro espírito olímpico, contribuiu – e muito – para as medalhas brasileiras.

“Foi uma demonstração de solidariedade muito grande, um bom exemplo do que é o Olimpismo, do princípio da igualdade entre os competidores. É algo que o esporte ensina: o respeito ao adversário. E nada melhor do que ter um desempenho como o do Brasil para honrar uma atitude tão gentil”, explica Carolina.

A notícia das conquistas foi recebida no Brasil com espanto e retratada pelos jornais como um grande feito esportivo. Os atletas foram recebidos com festa e homenagem. O salão nobre do Fluminense foi palco de um encontro da equipe de tiro com o presidente Epitácio Pessoa, que entregou a eles uma placa.

“Era um justo reconhecimento pelo memorável feito! Inúmeras autoridades políticas e desportivas e uma multidão curiosa aguardavam ansiosamente o desembarque da delegação no cais do porto do Rio de Janeiro para conhecer e abraçar o campeão e o vice-campeão olímpico”, completou Afrânio, em seu relato.

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